elalamein

Acho que a maioria dos leitores de mangás sabem que praticamente todos os títulos da NewPop no começo eram da TokyoPop, editora americana de grande importância na difusão dos quadrinhos japoneses no EUA (e que hoje não está bem das penas). Por isso os títulos eram editados e traduzidos do inglês, havendo várias onomatopéias americanas e uma qualidade questionável. Fora que várias obras eram na verdade imitações de mangás, todos feitos nos Estados Unidos, Alemanha e Austrália. E o papel era aquele jornal que borra o dedo…

Só que agora, surpreendentemente, a NewPOP está trazendo títulos da Gentosha! Pra quem não sabe, ela é uma grande editora japonesa dona de revistas com a Spica (shoujo) e Comic Birz (seinen). 

El Alamein, mangá de volume único lançado na última edição da Fest Comix é um exemplo da evolução da NewPOP: foi impresso em papel branco (offset) e com as onomatopéias originais. Tomara que todas as futuras publicações continuem assim! Já pensou se vira moda e a JBC e a Panini aderem? Que beleza! (Só mantenham o preço ou abaixem… rs).

Voltando ao mangá, no Brasil ele recebeu o nome de El Alamein e Outras Batalhas, mas no original se chama El Alamein no Shinden (O Templo de El Alamein). O título do mangá é na verdade o nome de uma das 6 histórias que o compõe. Vale a pena comentar que isso é uma mania japonesa. Sempre que se lança uma coletânea de Yomikiri (histórias curtas) o nome e capa do volume é o da história mais famosa. Como no Brasil isso não é tão comum, foi feito uma capa nova e alterado um pouco o título.

Esse tipo de obra é escassa por aqui e geralmente desvalorizada. Mas existem muitas dessas coletâneas no Japão, de todos os gêneros, temas e autores. Alguns fãs chegam a preferir esse tipo de lançamento, onde as histórias são mais coesas e objetivas. Algumas delas parecem ser apenas idéias e sonhos, coisas que jamais conseguiriam se transformar em um mangá de vários volumes, mas que não deixam de ter o seu encanto. É ótimo que a editora invista em títulos como este.

Voltando (de novo) ao El Alamein, no Japão ele recebeu duas capas. Uma com aspecto de velho e um tanque de guerra na areia. A segunda, muito surreal, nos remete ao filme “10.000 AC”. Lembra daquela cena dos mamutes subindo com as pedras na pirâmide? Então, imagina aquilo e com brontossauros (os “pescoçudos”) ao invés dos elefantões.

Bem, não sei quando a vocês, mas as informações que a editora soltou sobre o título (como a sinopse publicada no JBox) deu a parecer que seriam aquelas histórias sérias, de guerra, com suas bravuras, com a dor e a emoção do front de batalha… Tipo aqueles filmes antigos. Sinto muito, mas não é nada disso.

A Segunda Guerra é o plano de fundo para as histórias. As 4 primeiras – O Leão Marinho, O Templo de El Alamein, O Falcão em Fúria e a Fortaleza e A floresta de Ardenas – são mais sérias, mas envoltas com sobrenatural e ficção. Todas as quatro são contadas como se fossem pedaços da história que não foram documentados (ou que ninguém sobrou para contá-las), por medo, ou ainda por questões políticas. A maioria é baseada em algum fato histórico estranho ou inexplicável que deu a inspiração para o autor. Além disso, nota-se que o autor adora história antiga, tendo citado César, gauleses, egípcios e germânicos.

Cada um dos 4 contos é escrito em uma época da guerra – 1940, 1942, sendo as duas últimas de 1944  – com diferentes pontos de vista. Em alguns o protagonista é alemão, em outros americano. Os desenhos e paisagens desses capítulos são muito bonitos e a criatividade do autor espanta. Para ler não é necessário entender muito sobre a guerra, apenas ter em mente aquele basicão de colegial.

Ao final de cada conto você vai se convencendo aos poucos que o autor com certeza não é muito normal. E o último foi feito especialmente para você ter absoluta certeza! Nomeado como Mangá da Desonra Nacional, foi dividido em duas partes. É uma releitura da participação do Japão na guerra, uma releitura irônica e satírica. Apenas os leitores que conhecem o mínimo de história do Japão na Segunda Guerra e o mínimo da Cultura Japonesa vão entender todas as críticas e zombarias do autor. E ele zomba de tudo, principalmente a americanização do Japão, a honra deturpada e a cultura cinematográfica (tem até o Godzilla!).

Só para dar um gostinho, a capa da parte um é uma área desolada, com uma barra de chocolate negra enorme em pé e as crianças japonesas tocando e olhando maravilhadas (óbvia alusão a cena famosa dos hominídeos em volta do metal negro no filme “2001 – Uma Odisséia no Espaço”, de 1968). A comparação dos japoneses a macacos “deusificando” o chocolate (ocidental) é um ótimo exemplo da ironia venenosa da obra.

O autor do quadrinho se chama Yukinobu Hoshino e esse é seu primeiro mangá no Brasil (espero que não o último). Foi lançado no Japão em 1998 na revista Comic Birz. Nunca chegou a ser licenciado nos Estados Unidos. É volume único, com 15,2 x 22,6 cm e 244 páginas. A obra custa R$ 14,90, um preço salgado se você comparar aos da Conrad que tem tamanho e páginas similar. Mas só tenho uma coisa a dizer: comprem!

A edição tem várias onomatopéias sem tradução e algumas placas que poderiam terem sido traduzidas, além de possuir também alguns erros de pronome demonstrativo. Quase todas as falas estão com uma mesma fonte e vários balões estão descentralizados – alguns para que o texto caiba, mas outros simplesmente estão posicionados mais para cima. Achei 3 balões vazios também (página 56, 163 e 166). Fora isso a obra foi editada com quadrados brancos, apesar de estarem bem camuflados, mas pode-se vê-los mais facilmente na 132 e 136. O que decepciona é que não foi editado por preguiça, porque difícil não é.

Apesar das pequenas (e toleráveis) falhas da editora, a obra é muito boa e vale a pena! Um gênero único e pioneiro no Brasil!

Título: El Alamein e Outras Batalhas
Editora: NewPOP
Autor: Yukinobu Hoshino
Formato: 15,2 x 22,6 cm, Volume Único – 244 páginas.
Preço: R$ 14,90