Todo ano dezenas de animes são lançados no Japão e dentre esses apenas alguns alcançam uma grande projeção fora da Ásia. Muitas porcarias felizmente são esquecidas, entretanto algumas obras muito boas também são deixadas de lado por N motivos. Um desses injustiçados é Kara no Kyoukai: The Garden of Sinners (algo como Fronteira do Vazio: O Jardim dos Pecadores).
Publicada pela primeira vez em 1998, a Light Novel que deu origem à série foi escrita por Kinoko Nasu e ilustrada por Takeuchi Takashi (dupla que anos depois formaria a Type-Moon e lançaria outras obras famosas como Tsukihime e Fate/Stay Night), foi adaptada entre 2007 e 2009 numa série de sete filmes para o cinema (oito se contarem com a versão resumo Gate of Seventh Heaven) e ganhou um OVA em 2011.
A história gira em torno de Ryougi Shiki, uma jovem que acorda com amnésia após passar dois anos em coma. Ela descobre também ter obtido o Chokushi no Magan (a tradução oficial é “Olhos Místicos da Percepção da Morte”) com o qual ela pode enxergar a morte de tudo. Ela passa então a trabalhar num pequena agência, tentando desvendar uma série de acontecimentos anormais envolvendo diversos assassinatos enquanto procura uma razão para viver.
Lendo a premissa, muitos podem pensar que o poder de ver as linhas da morte é só algum tipo de visão do futuro, entretanto o Chokushi no Magan é muito mais que isso. Ao cortar uma das linhas, Shiki destrói a ligação entre o objeto atingido e a raiz de tudo, encerrando assim sua existência.
Apesar da – ótima – trama, o grande ponto alto dos filmes são seus questionamentos. Assuntos como assassinatos, uso de drogas, violência e incesto são tratados de um modo seco, embora filosófico, e, por se tratar de uma história passada na década de 1990, a presença dos males da civilização moderna é constante. Toda a obra tenta mostrar uma sociedade de morais decadentes onde o crime se espalha com voracidade por baixo dos olhos de todos. Algumas imagens são extremamente fortes com cenas de mutilações e estupros on screen, o que de certo modo é esperado num anime onde a morte é um dos assuntos principais, mas que ainda assim deve ser apontado.
Outro ponto alto do anime é a dupla personalidade de Shiki. Embora seja mostrado pouco na série, as consequências desse transtorno se estendem por todo o resto da série, levando a profundidade do personagem um nível acima. É interessante ver como as duas personalidades feminina (grafada 両儀式) e masculina (grafada 両儀織) são diferentes tanto no jeito da voz como no modo de falar. Um trabalho excepcional da Seyuu e cantora Maaya Sakamoto superado apenas pelo sempre genial Nakata Jouji (o cara que faz a voz de todo vilão de preto da Type-Moon) no papel de Araya Souren.
Tecnicamente falando, a série é impecável. A trilha sonora de todos os filmes foi feita pela famosa compositora Yuki Kajiura (Puella Magi Madoka Magica, Mai-Hime, Tsubasa Reservoir Chronicle) e utiliza de uma mistura de pop japonês com cânticos em uma língua inventada (!) que combinam muito bem com os cenários que mesclam de maneira perfeita animação 2D e 3D, criando assim um ambiente rico em imagens e sons.
A animação é de uma qualidade primorosa a ponto de permitir que um espectador mais atento perceba a movimentação das peças individuais de roupa e dos cabelos dos personagens. As – poucas – cenas de lutas são tão fluidas e bem coreografadas que deixariam qualquer Shonen moderno vermelho de vergonha, até mesmo aqueles que trocam de traço na hora H.
Os filmes foram exibidos em San Francisco em 2011 para divulgação de uma versão Blu-ray de luxo (que nunca será lançada no Brasil) com todos os sete filmes, o epílogo, a versão remixada e mais uma quantidade enorme de extras, totalizando mais de 640 minutos d material. Tudo pela bagatela de US$ 598,98 (e ainda assim todas as cópias foram vendidas em menos de um mês!!). No Brasil, vez ou outra a série dá as caras em eventos de anime por aí e acaba atraindo a atenção de quem a vê, embora nunca alcance toda a projeção que merece.
Kara no Kyoukai é para aqueles que dizem que a indústria deixou de produzir obras adultas de qualidade. Com uma trama elaborada, uma abordagem agressiva de assuntos polêmicos e qualidades técnicas memoráveis, não é sem motivo que muitos consideram esse anime um verdadeiro clássico moderno.
Lista de Episódios
Fukan Fūkei (Visão Elevada), 2007 – Uma série de suicídios num conjunto residencial está atraindo a atenção pública. Aparentemente não há ligação entre os casos, porém passando pelo local Shiki vê uma garota flutuando.
Satsujin Kōsatsu – Zen (Estudo do Assassinato – Primeira Parte), 2007 – Kokutou Mikiya é um estudante comum que acabou de entrar no ensino superior. Na formatura ele conhece Ryogi Shiki, uma estranha garota com poucas relações com outros alunos. Enquanto isso uma série de assassinatos violentos parece apontar para Shiki como culpada.
Tsūkaku Zanryū (Sentindo a Dor Constante), 2008 – A chegada de Asagami Fujino traz consigo uma nova sequência de homicídios no qual as vítimas são “dobradas” até a morte. Enquanto Mikiya parte para investigar o desaparecimento de um garoto, Shiki se prepara para uma grande batalha.
Garan no Dō (Templo do Vazio), 2008 – Após dois anos em coma, Ryogi Shiki desperta e se descobre capaz de ver as linhas da morte. O evento a traumatizou profundamente e agora ela terá de encontrar uma nova razão para viver.
Mujun Rasen (Paradoxo Espiral), 2008 – Tomoe Enjou é um jovem que diz ter matado seus pais e, fugindo de assaltantes, acaba acolhido por Ryougi Shiki. O caso se conecta com o trabalho do Garan no Do e investigando o local onde tudo aconteceu, Shiki se deparará com um inimigo implacável. Um prédio em espiral onde mortos se reúnem e o tempo se repete, magos poderosos e uma busca pela verdade. Esse capítulo encerra o primeiro arco da série.
Bokyaku Rokuon (Registro do Esquecimento), 2008 – Kokotou Azaka é uma jovem estudante e irmã mais nova de Mikiya. Quando uma morte atribuída à fadas ocorre em sua escola interna, Shiki é enviada para ajudar a descobrir o que ocorre, porém irá se deparar com algo ainda maior.
Gate of Seventh Heaven (Portão do Sétimo Céu), 2009 – Versão remixada dos seis primeiros filmes ao som das músicas de Kalafina.
Satsujin Kosatsu – Go (Estudo do Assassinato – Segunda Parte), 2009 – Quando os assassinatos de dois anos atrás voltam a ocorrer, Shiki passa a ser perseguida pelo misterioso assassino Shirazumi Lio. A obsessão de Lio põe Mikiya em perigo e o pedido do rapaz para que ela não mate o serial killer, fazendo Shiki entrar num grande dilema. O capítulo final da série e o ápice de todas as qualidades da obra.
Owari Shou/ Kara no Kyōkai (Epílogo/ Fronteira do Vazio), 2011 – Numa noite de inverno, Mikiya encontra Shiki no mesmo lugar onde se viram da primeira vez. Em frente ao mesmo horizonte ocorre o diálogo que encerra um épico moderno.
Título: Kara no Kyoukai – The Garden of Sinners (Japão), Boundary of Emptiness (USA)
Estúdio: ufotable
Gênero: Ação, Romance, Sobrenatural, Suspense
Direção: Ei Aoki, Takuya Nonaka, Mitsuru Obunai, Shinichi Takiguchi, Takayuki Hirao, Shinsuke Taizawa
*Otaku Neoclássico é uma coluna que se dedicará a comentar produções mais recentes vindas do Japão, sejam séries de tv, longas ou OVAs.
hmmmm, sera que a historia de tsukihime é baseada nesse “light novel/anime” ou o contrario?, logo depois que li “olhos de percepçao mortal”
ja me veio a mente tsukihime.
Kara no Kyoukai é magnífico. De fato um clássico moderno, daquelas raras obras que te fazem pensar muito e que nem tudo lhe fica claro numa única “assistida”. Excelente review, parabéns. Só faltou ao meu ver comentar sobre a natureza não cronológica dos primeiros filmes, que pode nos confundir facilmente, mas não de forma negativa pois prende a atenção e dá o tom de mistério necessário à trama.
Qto ao Tsukihime, KnK veio antes e ambos se passam no mesmo universo. Ou seja, Tsukihime adotou os conceitos de KnK e dá continuidade a este universo. Há, inclusive, uma personagem em KnK que é parente de uma de Tsukihime.
Tinha ficado com a mesma dúvida de Isarelodin( apesar de não ter lembrado o nome do anime :P). Valeu David
Acabei de ver o sétimo filme (Satsujin Kosatsu – Go) ontem, e concordo com o David, é realmente magnífico!! Agora só falta o OVA epílogo pra eu assistir hoje!!
Só não assisti esse de 2011, mas sinceramente me perdi na história por causa da ordem não cronológica, e haja fôlego pra assistir tudo de novo.
Poxa, esse “anime” se e q pode se chamar os 7 filmes de anime… eh mto bom.
Sempre ouco Kalafina no meu celular.. e nostalgico.
Mto obrigado pelo artigo, nao sabia do OVA 2011, baixarei hoje para relembrar =)
Muito boa sua análise sobre Shiki, realmente um épico moderno e prova absoluta de que ainda há folego para obras adultas, onde o sexo de forma banalizada não é o centro da trama.
O anime é lindo.
O Blu-ray é um lixo (na qualidade dos episódios, porque a embalagem é linda). Quem comprou queria matar os produtores.
alguem poe a ordem certa cronologica pra nois ai por favor ?
Realmente foi uma ótima análise sobre Kara no Kyoukai e sobre a Shiki também.
Eu como fã da TYPE-Moon que sou, realmente adoro Kara no Kyoukai e suas deixas que foram usadas em Fate/Stay Night e Tsukihime de uma forma muito bem pensada.
Eu já havia desistido de assistir animes mais atuais. Estava me nutrindo apenas de animes pré anos 90. Gosto da ideia e vou assistir o anime indicado! Valeu!
Particularmente considero esse Kara no Kyoukai uma bobagem pretensiosa feita pra otaku, cheia de elementos moe, alguns nem muito escondidos. Como tudo da type-moon, alias.
Quer ver anime adulto de verdade, fique com Paranoia Agent, Aoi Bungaku, Ergo Proxy, Ghost Hound ou tantos outros.
? :wassat:
Tirando o sexto filme que pode ser dado como um “fan service” devido a focar na Azusa, tente pelo menos citar algo moe em qualquer dos filmes, se por acaso você realmente saiba o que é isso.
A parte moe da TYPE-MOON fica no MELTY GEAR e o mais próximo que vi nas séries carro-chefe foi a Iliasvyel que quando não chega a ser medonha é morta sendo tirado seu coração do peito num golpe…
Sim, sou fanboy deles mas sei distinguir os conceitos.
Depois dessa resenha eu tenho q ver essa obra!
Nossa devia ter comentado na época do lançamento da máteria (agora nem sei se o próprio autor do texto vai ler kkkk) mas de qualquer forma gostaria de deixar , independente do tempo, meus sinceros parabéns por começar essa coluna com um dos animes que na minha visão é um clássico moderno sim. Uma história que definitivamente não é para o grande público, é necessario um nível de amadurecimento por parte de quem assisti (não é atoa que é um seinen) porém é um seinen com uma história de dificil entendimento ao contrário por exemplo de um seinen como Berserk (Pelo amor de Deus não disse que Berserk é ruim). Aliado a um traçado de personagens e cenários, trilha sonora, lutas, fotos excelentes, demonstrar não entender a série ou criar esteriotipos (Shiki tsundere? Deus perdoa mas os homens não, vixi) para criticar a série não tinham de forma alguma o brilho que a Ufotable e a Type-Moon souberam conduzir essa obra que é para quem (na minha humilde opinião) já assitiu a muitos animes excelentes ou clássicos e com isso adquiriu um gosto mais refinado para assitir animes.