Há três grandes obras com o título de Metropolis: A Metropolis de 1927, filme de ficção científica de Fritz Lang que é considerada a pedra fundamental do cinema expressionista alemão; A Metropolis de Osamu Tezuka, obra em quadrinhos de 1949 e a Metropolis de 2001 de Rintaro e Katsuhiro Otomo.

Atenção: o texto à seguir contém spoiler, leia por sua conta e risco.

Resumo
Metropolis (1927 – Fritz Lang)
– No ano de 2026 há a gigantesca cidade de Metropolis, governada por seu criador, Joh Fredersen. A cidade é dividida em vários níveis: no superior vive a elite decadente refestelada em luxos; no nível inferior vive o proletariado oprimido com uma carga de trabalho desumana em um ambiente sinistro.

Um dia Freder, filho de Fredersen, é surpreendido pela jovem Maria que leva as crianças proletárias para conhecer seus “irmãos” da elite e são enxotados pelos seguranças, mas Freder se apaixona à primeira vista pela idealista Maria. Ao mesmo tempo Joh Fredersern descobre que Maria agrega os trabalhadores de Metropolis em reuniões secretas nas grutas subterrâneas, onde exorta os trabalhadores a procurarem por uma situação mais justa através de um porta-voz.

Joh Fredersen se une ao cientista louco Rotwang (no passado os dois disputaram o amor da mesma mulher, Hel, que faleceu durante o parto de Freder, filho de Fredersen) para semear a discórdia entre os trabalhadores e resolvem usar a criação de Rotwang, o maschinenmensch, “homem-máquina”.

Eles sequestram a jovem Maria e, em um processo que mistura ciência e magia negra, transformam o ser de lata que ganha a aparência da idealista. O que Fredersen não sabe é que Rotwang ainda quer vingança por ter perdido Hel e usará o robô para destruir Metropolis colocando proletariado e elite um contra o outro.

Enquanto Maria fica aprisionada dentro do laboratório do cientista louco, a máquina ganha liberdade para colocar o plano de Rotwang em prática. Com a revolta dos trabalhadores o robô consegue destruir a “máquina-coração” que é um gerador elétrico que alimenta a cidade e mantém as águas em um nível represado. Com isso os níveis inferiores são inundados e os filhos dos proletários correm o risco de morrerem afogados.

Freder e Maria, que conseguiu fugir, conseguem salvar as crianças a tempo. A robô semeadora da discórdia é queimada em uma fogueira e o cientista louco tem seu merecido final. Assim Freder se torna o “Coração” que media a relação entre “Cabeça” (governante) e “Mãos” (trabalhadores).

Metropolis (1949 – Tezuka) – O Duque Red do Partido Vermelho quer dominar o mundo e para isso se aproveita das pesquisas do Dr. Lawton em células artificiais para coagir o cientista a criar o ser perfeito, um ser artificial que aparenta ser o humano perfeito com grande poder destrutivo e as habilidades de voar nos céus e nadar no fundo dos oceanos.

Para impedir que tamanho poder caia nas mãos do malvado Duque Red, Lawton finge um acidente em seu laboratório que teria “queimado” o ser encomendado, mas na verdade ele pretende criar a criança-máquina como seu filho. Com a ajuda de um amigo, Lawton se estabelece em uma nova residência para criar Michi (nome do menino artificial).

Michi aproveita um descuido de Lawton para fugir para rua e brincar com outras crianças e acaba fazendo amizade com o jovem Kenichi, sobrinho de Higeoiyaji. Lawton é assassinado pelo Partido Vermelho na frente de Higeoiyaji, o detetive japonês. Quando percebe que é um ser artificial sem pais, Michi perde o controle e se revolta contra a humanidade que maltrata as máquinas, causando grande destruição. Ele só é detido quando a radiação solar causada pelo Partido Red acaba e suas células artificiais perdem a força.

Metropolis (2001 – Kintaro  e Otomo) – Ocorre a festa de inauguração do Zigurate, o novo prédio que trará à Metropolis vantagem sobre todas as outras cidades e países do mundo. Simultaneamente o Duque Red, o controlador da cidade, cobra do Dr. Laughton, um cientista louco procurado pela polícia por tráfico de órgãos, o ser perfeito, totalmente artificial que havia encomendado.

O detetive Shunsaku Ban e seu sobrinho Kenichi chegam na cidade ao mesmo tempo. Enciumado, Rock, filho adotivo do Duque Red coloca fogo no laboratório do Dr. Laughton, mas Kenichi consegue salvar Tima (Ti de Michi e Ma de Maria) do fogo, entretanto os dois caem no intrincado subterrâneo da cidade que é um labirinto de redes de esgoto e represas.

Kenichi não sabe que Tima é um robô e pensa que ela é apenas uma garota desmemoriada. Ele a ensina a falar enquanto tentam escapar para os níveis superiores ondde são perseguidos por Rock, mas contam com a ajuda das máquinas escravizadas pelos seres humanos.

Mais tarde Kenichi é raptado pelo Duque Red e Tima se entrega para poder reencontrá-lo, mas o Duque tem outros planos, ele quer unir Tima ao Zigurate que na verdade é um gigantesco canhão.

O Duque Red deu a Tima o rosto de sua falecida filha e agora quer que ela domine o mundo através da cidade de Metropolis usando o imenso poder bélico do Zigurate. Ao ser integrada ao Zigurate Tima perde totalmente a personalidade e cria uma revolta de máquinas contra os homens destruindo todos ao seu redor, mas Kenichi não desiste de Tima e luta pra trazê-la à razão até o momento final.

Reflexões
Metropolis (1937 – Fritz Lang)
– Metropolis para a época é o equivalente atual a Avatar: foi o filme mais caro produzido até então, algo em torno de 15 milhões de doláres, uma fortuna incalculável para a época, principalmente em se tratando de um filme.

O longa é o marco máximo do expressionismo alemão e é o primeiro filme a mostrar elementos banais na ficção científica atual como cientistas loucos, laboratórios cheios de maquinarias complicadas, andróides, recursos como “selvas de prédios” para mostrar poder e opressão e cidades subterrâneas como refúgio dos tiranizados.

Metropolis (ao menos a montagem que eu vi, mais de 1/4 do filme foi perdido em edições e até hoje não se conseguiu obter uma versão com 100% do original) é um filme lento no primeiro ato, tão lento que cheguei a dormir durante as primeiras vezes que tentei assistir. No segundo ato o filme se desenvolve rapidamente e mostra que além de um clássico é uma boa produção (apesar de filmes mudos serem cansativos e lentos demais para quem está acostumado com os atuais).

Metropolis deixou marcas profundas na cultura ocidental, o simbolismo que permeia o filme (que alguns chamam de Illuminati) inspirou não apenas outros filmes  como Star Wars (C-3PO é um sósia do maschinenmensch), Matrix etc, mas inspirou até mesmo artistas pop como Madonna, Kylie Minogue, Beyoncé e Lady Gaga e muitos outros setores como literatura e até mesmo a ciência.

Metropolis (1949 – Tezuka) – Metropolis foi o primeiro “tankoubon” de Osamu Tezuka que já havia publicado histórias mais curtas em formato “akabon”. Em seu lançamento vendeu 400.000 exemplares, mas não conseguiu penetrar no mercado de Tokyo.

Tezuka o desenhou enquanto estava na faculdade de medicina e levou 6 meses para terminá-lo, uma pena, mas também foi severamente editado para caber em apenas 160 páginas. O mais impressionante em Metropolis sem dúvida alguma é o traço com perspectiva cinematográfica de Tezuka, que desde criança era um maníaco por cinema.

O mangá nos mostra um protótipo do que Tezuka viria a se tornar mais tarde. O humor presente na história pode ter funcionado para as crianças da época, mas nos dias de hoje são só gracinhas sem quase nenhum apelo. É obvio constatar que  o humor “pastelão” é copiado dos desenhos de Disney, até o traço é muito similar. Já as cenas de ação são repetições dos quadrinhos de ação da época, como Super-Homem.

Tezuka afirmava que só tinha visto uma foto do filme em uma revista de cinema, uma foto que mostrava o  maschinenmensch se transformando em mulher, mas isso não parece ser verdade, já que os cenários de cidade, o conflito entre opressor e oprimido (que ele mudou de operários humanos para robôs), as lutas dentro de fábricas, tudo isso está presente com alguma mudança na interpretação.

A meu ver o maior mérito de Tezuka é esse ser andrógino que alterna entre homem e mulher que ele criou que reapareceria em vários outros trabalhos seus mais tarde.

A falta de foco e a dificuldade em manter uma linha narrativa são alguns dos maiores problemas na obra, o mangaká não consegue manter o foco em uma história e passa pra outra “ação” de forma muito brusca. De uma página para outra parecem se passar dias, mas não há nenhum “aviso”, ele simplesmente progride o tempo do nada. Em certos momentos parece que se passaram meses, só pra descobrirmos que toda a ação foi tomada em poucos dias.

Para quem é marinheiro de primeira viagem em Tezuka pode parecer que ele é um mangaká ruim (e não foram poucas as pessoas que me disseram terem ficado decepcionadas com ele ao ler Metropolis), mas eu prefiro considerar Metropolis como um aprendizado que resultou em obras fascinantes como Dororo, Buda e Adolf e muitas, muitas outras.

Metropolis (2001 – Rintaro e Otomo) – O mais curioso desse filme é que, apesar de se proclamar uma adaptação do mangá de Tezuka, ele tem muito mais elementos em comum com o Metropolis do Fritz Lang.

O que mais me irritou nesse filme foi não ver NENHUMA menção ao Metropolis de Lang apesar de ser um verdadeiro remake do clássico. Em todos os extras se falava emTezuka, Tezuka e Tezuka, Fritz Lang nem ao menos foi citado.

Assim como a obra do cineasta o personagem principal do anime é a cidade de Metropolis, orientada em níveis como a do filme alemão, seres humanos e elite no nível do solo e robôs e “ralé” no piso subterrâneo.

Tima é uma versão infantilizada de Brigitte Helm (a atriz que interpretou Maria), a semelhança é constrangedora. O casto romance que havia entre Freder e Maria foi repetido com Kenichi e Tima.

O design da cidade é baseado no estilo Art Decó que já era empregado no filme de Fritz Lang (mas nele inda era uma novidade “decadente da burguesia”), o Zigurate (Zigurate é o nome da Torre de Babel) de 2001 é uma cópia hightech do  Zigurate de 1937.

Mas nem tudo é cópia no anime (só dois terços), o grande destaque vai para a trilha sonora belíssima, os sons metálicos do Jazz casam perfeitamente com a atmosfera “futuro-retrô” do filme. O personagem original, Rock (original em Metrópolis, ele é um dos “atores” do “Teatro Tezuka”) foi o melhor acréscimo, dando humanidade à trama. O robô Pero também, a sua morte pode ser considerada um momento ainda mais dramático do que a destruição do Zigurate.  Otomo soube unir os pontos altos das duas obras em um casamento quase perfeito e construir um grande filme que tem personalidade própria.

Conclusão
Do ponto de vista histórico a mais importante obra ainda é a de Fritz Lang que revolucionou a cultura pop e serviu de pedra fundamental para as “adaptações”.

Metropolis de Tezuka, ainda que não seja um mangá a altura do artista que ele se tornou, é importante para entender quem ele era, quais foram suas influências e também serve para nos mostrar que ninguém nasce sabendo, todos baseiam seus trabalhos em algo, buscam referências e ideias e que é completamente normal artistas jovens emularem seus ídolos – um dia eles encontrarão personalidade própria e poderão se tornar mestres que inspirarão outros artistas por sua vez (milhares, ou talvez milhões, no caso de Tezuka).

A poética versão de Kintaro e Otomo, que verdade seja dita, é um filme feito pra agradar à crítica e é a que melhor funciona nos dias atuais.

Como disse, me incomoda a total falta de referência ao mestre Fritz Lang, nessas obras. As declarações que se lê hoje em dia buscam minorar a influência do filme nas adaptações e apagar o seu nome da história atribuindo à adaptação de Tezuka o peso de “obra original”, uma grande inverdade, qualquer um que veja o filme, ou mesmo as imagens dele percebem a sua enorme influência.

Aos que leram esse artigo e se interessaram pelo filme de 1937 eu desejo uma boa sorte em sua procura: ele é uma raridade ainda nos dias de hoje e é difícil de ser compreendido pela falta de algumas tomadas essenciais. Na verdade o descuido com o filme começou por parte do próprio Fritz Lang que tomou horror à sua obra por fascinar os nazistas, motivo este que também causou o fim do seu casamento com a escritora Thea von Harbou que se tornou uma entusiasta do partido Nazista.