Haruhi, um dos maiores fenômenos da cultura otaku recente, além de um produto midiático que, por muito tempo, se equiparou ao todo-poderoso Evangelion. Mas, por que todo esse sucesso e por que isso declinou? Talvez essas duas perguntas tenham uma mesma resposta, porém lidemos com uma coisa de cada vez.

Baseada na série de Light Novels Suzumiya Haruhi (涼宮ハルヒ) de Nagaru Tanigawa, todo o universo de Haruhi gira em torno de Kyon, um jovem que, no primeiro dia de seu ensino médio, encontra Haruhi Suzumiya, uma jovem que deseja encontrar Espers, Alienígenas e Viajantes do Tempo (ela devia ter ido para Cardiff). Logo, o jovem se vê envolvido com o clube montado por Suzumiya a partir da sua sugestão, a Brigada S.O.S, e acaba descobrindo que, além de um Esper, uma Alienígena e uma Viajante do Tempo, ele pode estar andando com quem pode ou não ser Deus.

Muito bem, nesse primeiro momento, vamos nos deter nessa sinopse. Um elemento interessante que vemos é o clássico “Garoto encontra garota”, algo muito forte no imaginário da subcultura Otaku e característico do subgênero chamado de “namorada mágica”. A ideia por si só de um grupo que se aventure pelo mundo descobrindo coisas misteriosas e divertidas, encontrando sob a máscara cinzenta da sociedade um mundo vibrante, é muito atrativa. Quem de nós, afinal, nunca quis, num dia de verão, ser levado a um mundo cheio de aventuras? E encontrar um (ou uns) pares românticos no meio do caminho também não cairia mal.

Mas claro que não é só isso. Outro ponto de popularidade de Haruhi, e talvez o principal, são seus personagens. A ridiculamente fofa Mikuru Asahina, o fabuloso Itsuki Koizumi, a distante e fechada, mas na realidade sensível (ou a cópia da Rei Ayanami, se preferirem) Yuki Nagato, a hiperativa e hiperimativa rainha do ame-ou-odeie Haruhi Suzumiya e o Kyon. Agora, nos atentemos as duas ultimas personagens citadas.

Haruhi é, possivelmente, a entidade mais amada e odiada a surgir num anime, mangá ou Light Novel. Sua personalidade tida por alguns como sociopática e por outros como divertida é motivo de discussões acaloradas na Internet, porém é inegável sua popularidade. A garota que se descobriu apenas um grão de arroz entre bilhões de outros é, talvez, um dos maiores símbolos do sentimento geral de afastamento que a juventude do mundo sente (e que talvez sempre tenha sentido). E o desejo dela de encontrar coisas que nunca mais conhece é a materialização do próprio pensamento escapista e do desejo do consumo de artes de entretenimento. Quando assistimos Haruhi não estamos vendo uma garota brincando, mas escapamos do mundo vendo uma garota escapando do mundo. Nesse sentido, talvez fosse possível ler a personalidade “sociopática” de Haruhi como um sutil tapa na cara dos próprios fãs da série.

Compensando o jeito de criança com DDA de Haruhi, temos Kyon, o narrador e os olhos do espectador na obra. Trata-se de um indivíduo comum, extremamente comum, e que dizia não desejar nada além de uma vida comum. No primeiro momento em que vê Haruhi, porém, ele se vê envolvido em todo o universo insano ao qual a garota pertence e nem sequer sabe. A partir daí, ele se torna o Princípio Normalizador do Impulso Caótico de Haruhi. É ele quem evita que ela fique entediada e crie monstros gigantes que ameaçam o mundo, é ele quem a impede de se colocar em perigo e, acima de tudo, é ele quem evita que ela vá longe demais, algo muito bem demonstrado durante o episódio 23. Todavia, por mais que diga que não deseja fazer parte do mundo de aventuras, Kyon jamais se afasta dela. Ele é, talvez, o desejo inconsciente de cada indivíduo de se afastar da realidade e se tornar único.

Naturalmente, muito vão dizer que essa é uma leitura extremamente exagerada de uma série tão simples e boba, mas o fato é que de simples e boba Suzumiya Haruhi não tem nada. Referências a matemática complexa, teorias filosóficas, física especulativa e psicologia avançada, um enredo trabalhado longamente e de um modo sutil e uma cronologia, num primeiro momento fora de ordem, são apenas alguns dos pontos em que Suzumiya Haruhi se mostra muito mais que uma franquia capaz apenas de divertir, mas algo que realmente incita pensamento (algo parecido com o que ocorre com Touhou). Mas tudo isso torna as ações dos fãs apenas mais interessantes.

No começo, falei que tanto a ascensão quanto a queda de Haruhi estavam, provavelmente, ligados a um mesmo fator. Mas para analisar esse fator, temos de inserir uma variável nova na equação: a produção.

Já na Light Novel, temos as ilustrações da ridiculamente popular Noizi Ito (que também ilustrou Shakugan no Shana), conhecida por seu traço Moe e designs de personagens muitas vezes apelativos (foi mal Wilhelmina, te amo, sua linda), porém sempre bem aceitos pelo público. Já no anime, temos a produção da gigante Kyoto Animation, responsável por alguns dos animes mais populares da década, como K-on! e Nichijou. Adicione a isso um elenco de Seiyuus com nomes estratosféricos e então você tem a fórmula de um sucesso, no mínimo, momentâneo. Em pouco tempo, Suzumiya Haruhi tornou-se então um fenômeno arrecadando milhões todos os anos com produtos dos mais variados tipos. No período de 2006 a 2009, essa foi, de longe, a mais popular série entre os Otakus, talvez no mundo todo.

Eis que veio 2009.

Nesse ano, foram reexibidos os quatorze episódios originais de Suzumiya Haruhi no Yuuutsu, além de um número de episódios novos que adaptavam outros volumes da série. Dentre as quais o infame arco Endless Eight. Tal arco trata-se de uma repetição do mesmo dia e, na prática, do mesmo episódio (houve mudanças em acontecimentos e o estúdio reanimou cada episódio, mas enfim) durante dois meses. O resultado foi catastrófico. Muitos mandaram e-mails com ameaças para a Kyoto Animation, protestos na internet foram desde vídeos revoltados até fotos de coleções inteiras destruídas. A popularidade da série, nesse ponto, sofreu um golpe severo. Dois anos depois, é lançado o filme Suzumiya Haruhi no Shoushitsu que recupera parte da popularidade da série (o filme adapta um arco de histórias extremamente popular entre os fãs). Entretanto, o golpe de misericórdia que enterrou a franquia foi dado não por uma decisão do estúdio, mas por uma de Aya Hirano.

Em 2011, vazam fotos de Aya Hirano após dormir com os membros de sua banda. O caso gera uma resposta extremamente violenta dos fãs, com mais coleções destruídas, efígies da dubladora queimadas e ameaças de morte feitas até na página dela na Wikipedia japonesa. Aya Hirano acaba sendo afastada do grupo Lantis e da agência Space Craft Entertainment. A franquia, que já vinha perdendo popularidade com o surgimento de outras séries, como K-on!, então cai drasticamente.

A cultura às chamadas Idols, garotas jovens com carreiras como cantoras e dubladoras agenciadas por diversos grupos, tem uma força tremenda no Japão. Satoshi Kon, em seu primeiro longa, Perfect Blue, que adapta o livro homônimo de Yoshikazu Takeuchi, trata da obsessão com que muitos fãs perseguem essas garotas e de quanto elas têm de sacrificar por suas carreiras. Um caso especialmente notável é a do grupo AKB-48, no qual as garotas teriam de assinar um contrato onde são proibidas de ter qualquer relacionamento amoroso com o risco de demissão. Recentemente, uma das garotas do grupo AKB-48 de Tóquio foi movida para um grupo menor por terem descoberto que ela não era mais virgem. É assustador o nível de idolatria a que chegam alguns fãs e quão destrutiva ela pode se tornar.

Suzumiya Haruhi no Yuuutsu é um caso extremamente sintomático da atual cultura Otaku. De uma das mais populares séries de seu período ao quase esquecimento em um período relativamente curto de tempo, ela demonstra como mesmo a mais adorada das obras, mesmo que inteligente, pode cair no esquecimento por fatores até mesmo externos a ela.

Número de Episódios: 14 (+14)
Estúdio
: Kyoto Animation
Humanos:
Eu não estou interessado neles.