Imagine que um belo dia você e mais 41 amigos estão reunidos em um ônibus e farão uma viagem. Dias fora, apenas aproveitando para relaxar e se divertir.

Imagine que então, todos caem em sono profundo, e quando acordam, estão trancafiados numa pequena sala, com coleiras rastreáveis, com pequenos explosivos, e sob a mira de militares armados e um instrutor, e descobrem que serão submetidos a um jogo de vida ou morte, onde somente um poderá retornar para sua vida normal.

Todos vocês estão enclausurados em uma ilha deserta, e de tempo em tempo, pequenas áreas são incluídas na lista de regiões proibidas, e caso você as adentre, morrerá instantaneamente.

Tenha em mente também que alguém terá que morrer de 24 em 24 horas. Caso contrário, será “end game” para todos.

Imaginou? Pois é nesse clima insano que os 42 “competidores” de Battle Royale lutarão por suas vidas.

O livro, de Koshun Takami, foi publicado originalmente no Japão em 1999, nos Estados Unidos em 2003, e finalmente, em 2014, no Brasil, pela Globo Livros. A tradução ficou a cargo de Jefferson José Teixeira.

Best seller com mais de 1 milhão de cópias vendidas na terra onde foi concebido, a obra rendeu adaptações para mangá (publicado no Brasil pela Conrad), dois live-actions, e quase foi adaptado em 2012 para uma série televisiva pela rede CW.

A história se passa em uma realidade alternativa. Aqui, o Japão cede espaço para a totalitária República da Grande Ásia Oriental. De tempos em tempos, a força governista seleciona classes aleatoriamente e as põe para lutar no cruel jogo militar chamado Battle Royale.

Sem um propósito claro e convincente no início, nossos 42 participantes são apenas notificados que o grande vencedor – e único sobrevivente – se tornará um herói nacional, com direito a uma boa pensão vitalícia do governo.

Cada um deles, ao deixar a pequena sala, recebe uma mochila com pequenos suplementos. Água, biscoito, bússola e uma arma única, que varia desde um garfo, até metralhadoras profissionais.

A Globo Livros inclusive enviou para a imprensa um pequeno kit dentro da mesma proposta. A arma do JBox foi… o garfo! Será que alguém por aí levou a metralhadora?

117994070SZ[1]

Com 21 meninos e 21 meninas sendo acompanhados em um eletrizante jogo de vida ou morte, é natural que se pense que o leitor não dará conta de acompanhar o desenvolvimento de todos personagens. Porém, essa é apenas uma impressão inicial.

Ao longo de suas 663 páginas, o livro, com sua narrativa com ótica de focar em um ou em pequenos grupos de participantes por capítulo, surpreende por conseguir apresentar e caracterizar cada competidor de BR.

Claro que ao longo da leitura vamos nos despedindo de alguns, e com esse filtro, conheceremos melhor outros nomes. Certo é que Battle Royale prioriza a aventura sob o ponto de vista de Shuya, Noriko e Shogo.

Shuya é um colegial órfão que tem como melhor amigo o colega de classe Yoshitoki. Juntos, moram em um orfanato e possuem um relacionamento de quase irmãos. Noriko é uma dedicada estudante, que nem desconfia que Yoshitoki é louco por ela.

Já Shogo, bem… Shogo é um misterioso aluno transferido que guarda muitos segredos, mas que se revelará uma peça chave para que seus colegas saiam vivos do jogo. Ou será que ele apenas blefa ao afirmar que pode salvar a pele dos que se aliarem a ele?

Como pode-se imaginar, ao longo de suas páginas, a obra de Koushun Takami filtra cada vez quem continua ou não a participar, e com isso, outros alunos se destacarão além do trio já mencionado. Oponentes que aliarão a crueldade à inteligência poderão se tornar verdadeiras pedras nos sapatos de quem cruzar o caminho deles.

É o caso de Kazuo, um sinistro líder de gangue que tirou no ‘cara ou coroa’ se iria participar de verdade do jogo ou se procuraria uma maneira de fugir. Com a pergunta lançada à sorte, o colegial se tornará uma máquina de guerra que não poupará ninguém, nem os componentes do seu grupo, de terem uma morte fria.

Também é o caso de Mitsuko, que será capaz de enganar amigas e usar o corpo para obter benefícios importantes.

Mas outros se destacarão, e não pela maldade. É o caso de Shinji, o aluno mais talentoso da classe, que acredita ter descoberto uma maneira de ruir o Battle Royale e salvar todos.

Alguns com talentos únicos, outros apenas com instinto de sobrevivência. É certo que ninguém em Battle Royale deseja morrer. E o desejo de cada um se manter vivo é que torna os confrontos, um após o outro, cada vez mais interessantes e intensos.

E Koushun não poupa esforços em relatar os resultados desses embates, com detalhes e mais detalhes de cada cadáver. O autor parece ter um dom para descrever os corpos esmagados, fuzilados, dilacerados e picotados de cada defunto.

Mas o livro não é só um intenso torneio de assassinatos. Dividido em 79 capítulos e quatro partes (Início, Lutas Intermediárias, Lutas Finais e Gran Finale), BR guarda grandes surpresas para o final, surpresas essas que renovarão algumas opiniões que o autor tenta fincar no começo.

Battle Royale também se revela uma crítica ao sistema educacional japonês e aos valores aos quais a modernidade se apega. Principalmente quando as garotas são evidenciadas no livro, notamos que a maioria esmagadora delas se lamenta por nunca terem se declarado para o amor de suas vidas, e só se preocupam com o fato de que nunca mais irão vê-los.

Mas a obra vai além: ao mostrar que boa parcela dos meninos teve uma infância nas ruas, montando gangues, se envolvendo com drogas e assaltos, e também revelando ausência familiar, critica o aumento de violência nessa mesma modernidade de valores tão controversos.

Afinal, todos esses temas podem, talvez, ser considerados comuns para quem irá ler o livro, mas cabe lembrar que todos os estudantes estão na faixa dos 15 anos ainda.

BR é uma obra tão arrebatadora que sua temática é explorada ainda hoje, 15 anos depois, em franquias como Jogos Vorazes. A autora de JV nunca disse que o livro japonês foi uma inspiração, mas o ponto aqui é que o tema é tão rico de ser explorado que mesmo uma década e meia depois a fórmula não deixou de fazer sucesso.

O livro pode parecer intimidador a primeira vista. Além de possuir 663 páginas, a gramatura do papel utilizado é alta, o que faz a edição brasileira ficar grossíssima. Porém, como em todo bom suspense, a extensão textual não é um problema.

Vale comentar que o acabamento físico dado pela Globo Livros está excelente. A capa tem impressão em relevo, possivelmente em high-gloss. As orelhas apresentam uma breve introdução da história e uma biografia do autor. Elas também estão em relevo!

As contracapas trazem um mapa da ilha onde o jogo é realizado, e uma tabela com os quadrantes proibidos e os respectivos horários de restrição, o que facilita e muito para aqueles que se perderem no mar de informações proporcionadas pelo livro.

Em sua distopia, a obra é uma ficção que promete e entrega uma eletrizante disputa que fisga e surpreende o leitor a todo instante, revelando do que o ser humano é capaz para salvar a própria vida.

Amargo, sufocante e intrigante, Battle Royale é uma história que traz o mais oculto de seus personagens, e faz disso uma boa trama.