Família é um assunto que está sempre presente no mercado cinematográfico, seja em uma comédia ou em um drama bem pesado. Mas indiferentemente do gênero, o que sempre vemos é um conflito que gira em torno dessa família e que tende a se resolver no final. Com o novo filme do diretor Hirokazu Koreeda (Pais e Filhos), a história dessa família vai para caminhos bem… diferentes. E essa é a sua beleza.
Exibido no Brasil como Assunto de Família (o título original é Manbiki Kazoku, algo como “Família de Ladrões”), o longa teve sua estreia no Festival de Cannes 2018, onde ganhou a Palma de Ouro (maior prêmio), título que o Japão não recebia desde 1997. Também foi indicado ao prêmio de Melhor Filme Estrangeiro no Globo de Ouro.
O filme conta a história de uma família que sobrevive com a pensão da avó Hatsue Shibata (Kirin Kiki) e dos trabalhos mal pagos de Osamu Shibata (Lily Franky) e sua esposa Nobuyo Shibata (Sakura Ando). Porém, não é só do suado dinheiro que eles tentam sobreviver. Eles também são uma família de ladrões, e muito dos alimentos e produtos para a casa são roubados por Osamu e seu filho Shota (Kairi Jou). Em uma noite na volta para casa após um roubo de sucesso, Osamu e Shota se deparam com uma garotinha sozinha, a pequena Yuri (Miyu Sasaki), e Osamu resolve levá-la para casa. Apesar de algumas reclamações de Nobuyo, eles descobrem que ela possivelmente sofre agressões dos pais e decidem acolhê-la, já que seus pais biológicos não notificaram o desaparecimento.
O interessante é que, pela simples sinopse, tem-se a impressão de uma trama que vai se desenrolar em diversas confusões envolvendo roubos, que em algum momento os pais de Yuri farão um alarde etc. Mas na realidade, o que assistimos é uma história que se desenvolve com lentidão, descobrindo calmamente os problemas que envolvem essa família e suas relações uns com os outros. Não é uma grande aventura de ladrões, é o dia a dia de uma família comum, pobre, que lida com os problemas econômicos da forma que conseguiu. O que vemos na tela é o cotidiano, o normal. Não há nada fora do comum e essa é a beleza de todo o enredo.
Hirokazu, que também fez o roteiro e a edição do filme, quer nos mostrar o lado das pessoas que vivem na pobreza e o que elas se submetem para sobreviver dia após dia. Não vemos, entretanto, por apenas uma perspectiva, vemos por todos os membros e acompanhamos suas dores, felicidades e entendemos seus motivos. Todos eles sofrem, todos nós sofremos, mas como lidamos com essas dores é o que difere cada um deles (e nós). Porém, esse sofrimento não é exposto escancaradamente como um elemento surpresa para o filme, você precisa prestar atenção nas personagens, analisá-las, mas acima de tudo, precisa entrar em suas vidas e sentir o que elas sentem.
E é isso que o filme quer, que nós possamos sentir o que as personagens sentem. Acredito ser quase impossível não ter tamanha empatia pela família, é desumano querer ir contra a eles. E por que ter empatia por um “bando de ladrões”? Por que aqui o discurso raso do “bandido bom é bandido morto” cai por terra? É pelas dores das personagens. Eles são humanos e Hirokazu humaniza esses bandidos de uma forma tão delicada e tão intensa, que é impossível não querer um final feliz para todos. Não é querer se livrar de todos os furtos, é querer que eles melhorem.
Mesmo sendo uma família de ladrões, o que nós vemos é apenas uma simples família que se ama e sente muito carinho uns pelos outros. Mesmo após a entrada de Yuri, eles a amam como se fosse de sangue, e é uma tecla que o filme aperta o tempo inteiro: para ser família não precisa ter um laço sanguíneo. Você precisa simplesmente amar aquele que está ao seu lado, ter carinho e respeito por ele. Se uma mulher bate em sua filha gratuitamente, ela não é uma mãe só porque deu a luz a uma criança. Mãe é quem cuida com carinho e respeito. O longa quer que você entenda um sentido de família diferente das “tradicionais”.
Às vezes não é nem pela atuação e nem pelo roteiro, Hirokazu humaniza suas personagens, principalmente, com os enquadramentos de câmera. Não são enquadramentos magníficos que nos deixam de boca aberta, são simples, delicados, mas novamente, é por ser simples e delicado que tudo se torna belo. O olho subjetivo da câmera os observa ao longe, do céu, de uma fresta de uma porta. Não vemos apenas a família e as ações que se dão naquela cena, nós vemos uma sala com a avó Hatsue bebendo cerveja ao fundo, enquanto ri da ação principal. Nós vemos o cenário com pessoas se divertindo ao fundo, ou até mesmo sem pessoas, o diretor abre o enquadramento para que possamos apreciar não apenas o que as personagens estão fazendo, mas também apreciar o mundo. Somos tanto os bons olhos que os observam de cima, quanto os dedos que apontam o julgamento. É dessa forma que o diretor humaniza seus ladrões e nos traz uma reflexão de como olhamos para pessoas que estão sujeitas à marginalização.
O interessante e belo de Assunto de Família não é ter um grande acontecimento, é “beliscar” cada precioso momento daquelas pessoas, nós nos emocionamos, choramos, sorrimos, sentimos raiva e tudo que estamos assistindo não é nada mais que… O cotidiano de uma família. Não há nenhuma aventura, assistir ao filme é como assistir minha vida, a de meus amigos, é normal. Mas Hirokazu transforma o normal em algo mágico simplesmente com enquadramentos encantadores e curtos momentos preciosos.
Nota extra sobre a tradução: Para os que entendem um pouco de língua japonesa, podem perceber que em algumas partes do filme há certas adaptações para nossa cultura, por exemplo, em uma cena que Shota e Yuri estão cantando uma música infantil juntos, a legenda nos orienta ser a música “1, 2, feijão com arroz…” e obviamente eles não estão cantando isso. Não é nenhum problema, pois, nós entendemos que aquilo se trata de alguma música japonesa infantil. Talvez a maior questão que ponho são os sentimentos que as palavras transpõem, uma entonação diferente, ou mesmo uma gíria, já muda o sentimento que aquela fala quis passar. Porém, é entendível a dificuldade de se traduzir uma língua asiática para uma latina, e fora essa pequena questão a tradução está excelente e merece todo prestígio.
SERVIÇO
Distribuído pela Imovision, Assunto de Família estreia nos cinemas brasileiros no dia 10 de janeiro. 12 cidades receberão o filme, confira a relação abaixo:
Belo Horizonte: Cinema Belas Artes • Cinart Ponteio
Brasília: Cine Cultura Liberty Mall • Espaço Itaú
Curitiba: UCI Curitiba • Espaço Itaú
Florianópolis: Paradigma Cinearte (Pré-estreia 12/01)
Fortaleza: Cinema do Dragão
Niterói: Reserva Cultural
Porto Alegre: Espaço Itaú • GNC Moinhos • Guion Center
Recife: Cinema da Fundação (Pré-estreia 12/01)
Rio de Janeiro: Espaço Itaú Botafogo • Cine Casal Santa Teresa • Cine Casal Barra Point • Cine Joia • Estação Net Ipanema • Estação Net Botafogo • Kinoplex Fashion Mall • UCI New York
Salvador: Espaço Itaú
Santos: Cinespaço Miramar Shopping
São Paulo: Caixa Belas Artes • Cinesala • Espaço Itaú Frei Caneca • Espaço Itaú Augusta • Kinoplex Itaim • Reserva Cultural
Consulte a programação da sua região.
Convenhamos que é melhor ser pobre, nível favela mesmo, no japão que no brasil, lá pelo menos existe segurança pública boa, transporte público bom, melhores salários, etc…