Alita: Anjo de Combate deve ser o melhor filme hollywoodiano adaptando algum mangá ou anime japonês. Infelizmente, isso se dá mais por demérito de seus antecessores que por qualidades destacáveis nele. Em momento nenhum o longa-metragem chega a ser ruim, mas passa longe de ter qualquer personalidade quando posto lado a lado tanto do material original, quanto de outras “produções de herói” atuais.
Em retrocesso, o leque de filmecos utilizando ideias de gibis e desenhos nipônicos é fraquíssimo. O Death Note (Adam Wingard, 2017) da Netflix faz um bom trabalho de conversão dos arquétipos japas para os norte-americanos, mas se esquece de todo o resto, como roteiro, atuação, direção e segue o barco. A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell (Rupert Sanders, 2017) é visualmente deslumbrante, mas as falhas de roteiro são tamanhas que acabam por estragar toda a experiência. Já Dragonball Evolution (James Wong, 2009) consegue ser equivocado em absolutamente tudo que se propõe.
Alita, no entanto, é bastante competente no que se diz necessário a montar um filme. Diferente do resto, é cinema sendo feito como cinema. Se baseando no antológico mangá do Yukito Kishiro (publicado em 4 volumes aqui no Brasil pela JBC, leia aqui nossa resenha), o roteiro e a direção conseguem costurar uma história coerente se apossando de diferentes pontos nele (pontos demais, até). Dr. Dyson Ito (Christoph Waltz) encontra uma androide (Rosa Salazar) caída no lixão, decide levá-la para sua casa, reconstruí-la e adotá-la como filha, nomeando-a como Alita. Ela, sem memória, vai aos poucos descobrindo não só o funcionamento daquela sociedade, que vive a mercê de uma cidade flutuante ditadora e inatingível, mas também o seu próprio, com flashes de uma batalha com outras iguais, habilidades de luta instintivas. E seu caminho de esclarecimento é traçado por cenas de ação contagiantes quando vistas em tela grande, momentos mais intimistas, pessoais, além de interações bacanas com as diferentes castas de pessoas do local.
Na verdade, a Alita como personagem é o que de melhor há no pacote. Em tudo que a compõe. Sua jornada emocional e psicológica é bem feita, com ela partindo de um ponto, aprendendo com o que tem, errando, utilizando esses erros para crescer e se completar ao fim. O modo mais ingênuo e adolescente que a Rosa Salazar lhe atribui, diferente da roupagem ligeiramente cínica do mangá, é interessante de ver, pois serve de trampolim para a sinuca de bico que é ser portadora de um grande poder, mas precisar entender como e quando deve utilizá-lo ao máximo. E seu visual, em especial, é muito bom. Um monte de gente estranhou a caracterização dos olhos enormes, mas eles passam organicamente e ainda auxiliam em sua “humanidade”.
O problema é que, ainda que bom, coerente, correto, como dito, Anjo de Combate peca por não possuir um pingo de personalidade. Se comparado ao gibi dos anos 1990, é “limpo” demais, não retrata em seu clima (visual, sonoro) a podridão característica daquele ambiente cyberpunk. Não é deplorável, não é angustiante, não perturba aos olhos. Faltou o sangue que regaria o excesso de violência que não foi permitido pela classificação etária de 14 anos. E se comparado com demais filmes do tipo contemporâneos (que é a forma justa de julgar), é apenas mais um longa “de origem” como tantos outros. A Marvel lançou vários na última década. Já não impressiona mais.
É difícil apontar o “culpado” nisso. Alita, originalmente, era um projeto de James Cameron (Titanic, O Exterminador do Futuro), agindo aqui como produtor, que deveria ir ao ar há mais de 15 anos. No entanto, foi engavetado, pois o mesmo decidiu focar suas atenções em Avatar (2009), cuja franquia, agora, ocupará seus esforços pelos próximos tempos. Recuperado tarde demais pelo Robert Rodriguez, assumindo sua direção, o filme poderia ganhar um tom único com seu estilo característico de condução. Entre acertos e erros, é inegável que produções como O Mariachi (1992), Um Drink no Inferno (1996), Pequenos Espiões 1, 2 e 3 (2011, 2002, 2003), Sin City – A Cidade do Pecado (2005), Planeta Terror (2007) e Machete (2010) interpretam com bastante estilo a visão meio caricata, quase parodial que ele defende. Varia da particularidade do espectador comprar ou não isso, mas a mão pesada é presente em tais filmes. Menos em Alita, onde ela é inexistente. Alita é genérico. E atrasado para a própria festa. Bem feito, divertido, escapismo puro, absurdamente melhor que os que vieram antes, mas genérico e envelhecido. Uma pena.
Uma pena mesmo.
Genérico ou não, VERAY no cinema!