Existem algumas temáticas bem propícias a render bons produtos na cultura pop que são poucos exploradas, ao menos com a sensibilidade necessária para que a coisa toda não descambe pro mau gosto. A série animada Big Mouth, da Netflix, manda bem ao retratar uma delas: aquele período na pré-adolescência onde os cidadãos não são bem crianças mais, mas também não adquiriram experiência de vida o suficiente para se tornarem adultos e entenderem corretamente a explosão de hormônios na qual eles estão no centro. Resumidamente: a puberdade.

O desenho apresenta uma porção de personagens em tal momento de transição, colocando-os em diferentes situações típicas da idade, extrapolando o realismo com, literalmente, monstros de hormônios que os guiam nesses percalços. Ele mistura comédia pastelona com drama adolescente de maneira bem orgânica, com um tipo de refinamento que torna até as cenas mais absurdas perfeitamente palatáveis aos que decidem se jogar na proposta. Não fosse a ausência desse refinamento, eu diria que o Japão teria conseguido sua própria “Big Mouth” com o divertidinho How Clumsy You Are, Miss Ueno (Ueno-san wa Bukiyou). Mas foi por pouco até.

Não que o primeiro anime solo do estúdio Lesprit tente de alguma forma imitar a obra do Nick Kroll, mas ambos têm como fio condutor os preâmbulos de antes da adolescência, onde a falta de controle dos próprios hormônios pode gerar situações tragicômicas hilárias quando vistas com maior distanciamento – embora ligeiramente humilhantes aos seus protagonistas.

Aqui, temos Ueno, que não só é presidente do Clube de Ciência do colegial, mas também uma inventora inacreditavelmente genial e à frente de seu tempo, com a habilidade de construir uma porção de apetrechos que matariam Tony Stark de inveja. No entanto, apesar de dotada desse alto QI e demais capacidades geniais, há algo que ela não consegue inventar de jeito nenhum: uma maneira de se declarar para seu coleguinha de clube, Tanaka. E embora o moleque seja absurdamente inocente e desligado, não é como se a mesma o ajudasse, já que suas maneiras de chamar atenção são as menos convencionais possíveis.

Tendo isso como ponto de partida, o anime baseia seu humor na interação entre os personagens dentro do Clube de Ciências, com esquetes utilizando as invenções de Ueno em planos mirabolantes que visam envergonhar Tanaka com alguma tirada sexual a ponto dele, humilhado, decidir aceitar o amor de Ueno e, enfim, ambos ficarem juntos para todo o sempre.

As invenções, por si só, já são espetaculares. Extremamente criativas e ideais para o tanto de situações ridículas que o roteiro as insere como gatilhos. Elas vão desde gadgets úteis, que criam hologramas com o vácuo do espaço para cobrir partes íntimas das meninas no vestiário; ou que convertem o suor das atletas em água potável; ou que criam campos gravitacionais que servem de guarda-chuvas aos que não querem carregar um para a escola; até pasmaceiras inúteis, mas divertidíssimas, como um tabuleiro que transforma roupas em animais de estimação; uma máquina de prêmios sortidos que invoca seu maior desejo; ou uma robô de personalidade exagerada.

Quando esses itens são utilizados bem, aparados por um texto bacana e um roteiro que não exagera tanto, o resultado é delicioso de assistir. É legal ver a construção da Ueno como personagem. Os hormônios fervilhando na puberdade fazem com que ela acredite ser muito mais madura e conhecedora de brincadeiras não só com temas eróticos, mas também sentimentais. No entanto, quando as coisas acabam fugindo do seu controle, é hilário ver a reação negativa dela ao descobrir que, na verdade, não é tão madura assim, não é tão preparada assim, que ainda precisa crescer para não se sentir envergonhada. Isso é muito bem ilustrado num episódio onde ela inventa um tecido comestível e serve-o de lanche para Tanaka. O plano era que, quando ele pedisse mais, ela daria para ele sua calcinha. E ele dá certo, mas ela recua na última hora, pois chega à conclusão de que não está preparada para isso.

O problema é quando o anime vai demais no absurdo e extrapola a linha dessa brincadeira com temas sexuais. Por exemplo, é bem desconfortável assistir – num episódio onde a Ueno inventa um tecido capaz de amortecer impactos – o Tanaka batendo em seu traseiro durante um grande período de tempo, mesmo com ela dizendo que não é ali onde está o tecido. É bem melhor quando ele para logo antes dessa extrapolação, como num episódio onde rola uma piada impagável sobre sexo oral e os sentimentos maternos da amamentação. Sutileza em meio à loucura é sempre necessária, pois quando ela não vem, o resultado final fica só amargo.

Não fossem esses pequenos problemas, How Clumsy You Are, Miss Ueno seria o exemplar ideal de anime a explorar a puberdade com bom humor e doses de absurdo, tal como Big Mouth é entre as produções norte-americanas. Com eles no pacote, ele é só ainda outro desenho de comédia que intercalas bons e ótimos momentos com outros que, ao fim, não deveriam ter saído do papel.


Esse texto foi escrito com base nos 12 episódios de How Clumsy You Are, Miss Ueno, disponíveis oficialmente aqui no Brasil através da Crunchyroll, com áudio em japonês e opção de legendas em português. Disponível também, pelo Hidive, porém com legendas em inglês.


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