O Japão é muito legal quando ri de si mesmo. Alguns animes ótimos fizeram isso muito bem, pegando uma pá de conceitos clichês dentro de produções desse tipo, ampliando-os e usando-os para fazer piada do próprio nicho. Gosto bastante de Renai Boukun (2017) implicando com toda e qualquer bobagem possível de animes shounen enquanto parodia Death Note (2006), de KonoSuba (2016) rindo das inconsistências em “isekais” e de Nurse Witch Komugi-chan (2016) fazendo o mesmo com shoujo magical girls – citando apenas alguns mais recentes. Kaguyama-sama: Love is War (Kaguya-sama wa Kokurasetai: Tensai-tachi no Renai Zunousen) é ainda outro a entrar nesse time.

Baseado no mangá de mesmo nome, escrito por Aka Akasaka, na revista Young Jump, da Shueisha, com produção do estúdio A-1 Pictures (Sword Art OnlineMagiFairy Tail), direção de Mamoru Hatakeyama (Campus) e roteiro de Yasuhiro Nakanishi (IDOLiSH7), ele conta a história de Kaguya Shinomiya e Miyuki Shirogane, dois jovens apaixonados, mas que não conseguem confessar seu amor um pelo outro. Eles estudam na Academia Shuchiin, são considerados alunos modelos, líderes do conselho estudantil, mutuamente atraídos há tempos. No entanto, com seis meses passados, nadinha aconteceu, pois ambos são orgulhosos demais para admitirem que estão parados na do senpai. Como esse orgulho só piorou com o tempo, eles agora travam uma briga psicológica para ver quem é que faz o crush se declarar primeiro. Pois o amor… É uma guerra!

E a piada nele está, justamente, em tirar sarro desse “chove-não-molha” de séries românticas estudantis nipônicas, onde o casal principal enrola para engatar durante vários episódios, até que, ao fim, um deles, imerso em vergonha, consegue assumir seus sentimentos ao outro. Algo tão massivamente repetido em produções nesse estilo que, arrisco dizer, talvez até tenha começado a ser comprado como uma “retratação fiel” da realidade adolescente japonesa. Uma bobagem descabida tomar esse corte idealizado como o principal na vida real, mas não nos estendamos nisso, sim em destacar o quão sensacional Kaguya-sama consegue ser em seu ar parodial.

O grande trunfo do anime está no modo como ele trata esse clichê, exagerando-o até seu limite e transformando tal dramalhão em uma sequência de batalhas vigorosas, episódio a episódio. Com direito, inclusive, a narrador e placar ao final de cada segmento. Cada passo e atitude que os protagonistas tomam é milimetricamente pensado como parte de um grande plano, tudo elaborado por eles nos pensamentos em tela, com a seriedade de um thriller. E a disparidade entre essa seriedade na cabeça deles e os atos ligeiramente normais “ao vivo” é puro ouro, tamanho absurdo.

Nada disso seria possível sem a cartela de ótimos personagens contidos no elenco. Kaguya é a melhor entre eles, enfatizando o quão ridícula pode ser uma garota rica que acredita ter o mundo a seus pés, mas se percebe inútil perante uma porção de coisas triviais a qual foi privada por ser criada em uma bolha milionária. Há uma passagem em especial impossível de não arrancar risada, onde ela acredita que a “primeira vez” que seus colegas estão debatendo, na verdade, é algo totalmente diferente. Já Miyuki encarna legal o estereótipo de garoto idealizado, de projeto inatingível pelos outros dentro da escola, mas que, na real, necessita lidar com uma porção de inseguranças nos bastidores, pois não pode perder a pose no pedestal que o colocaram. É hilário, por exemplo, quando algum garoto mais novo vai procurá-lo por conselhos amorosos, sendo que, até então, ele mesmo nunca namorou.

E os coadjuvantes não ficam nem um pouco para trás. Minha favorita da série é a Fujiwara-chan, secretária do conselho estudantil, totalmente avulsa às tramoias dos dois, ignorando qualquer cerimônia que deveria haver no modo como trata os outros. Divertidíssima em praticamente todas as suas aparições, servindo mais ou menos como um ser humano normal que passa batido pelas mensagens subliminares deixadas pelos colegas apaixonados em sala. O “contador” depressivo Ishigami Yuu também casa bastante no produto final, sendo ultrassentimental e deliciosamente sem noção em diversas ocasiões.

No fim, Kaguya-sama: Love is War é mais um excelente anime de comédia onde japoneses evidenciam os maneirismos de sua própria indústria, fazendo chacota de si mesmos. Claro, no meio do caminho, entregando um punhado de personagens absurdamente cativantes, esquetes hilárias e episódios que ficam na cabeça durante muito tempo.


E o tema de abertura é tão legal…

https://www.youtube.com/watch?v=gChTHeHp3wQ


Esse texto toma como base os 12 episódios de Kaguya-sama: Love is War. Aqui no Brasil, o anime está oficialmente disponível com áudio em japonês e opção de legendas em português pela Crunchyroll.


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