Saiu ontem (03/06) o primeiro capítulo do mangá Tokyo Shinobi Squad, novo título da Weekly Shonen Jump, mesma revista de sucessos atuais, como One Piece, My Hero Academia, The Promised Neverland, Black Clover, Boruto e Food Wars!: Shokugeki no Souma. Se seu inglês está on point, você pode ler a HQ oficialmente através do aplicativo/site MANGA Plus, da editora Shueisha, clicando aqui.
A premissa é bastante interessante. Temos uma Tóquio em 2049 sofrendo com o excesso de criminalidade. Ao que é explicado, isso é fruto das consequências de uma imigração massiva à cidade (e ao Japão) ocorrida nos últimos 20 anos, após uma política de abertura cultural (e provavelmente comercial, embora não seja relatado no flashback expositivo) implementada pelo 1º Ministro à época, com política públicas “globalizantes” que culminaram na construção de, huh, “tubos transportadores” que ligam o país à Rússia, China e aos Estados Unidos.
Esse cenário de “nação sem lei”, recheado de grupos terroristas, massacres, crime organizado fundido às grandes corporações e a expansão de favelas se tornou propício para que uma certa fatia esquecida da sociedade saísse das sombras e voltasse a operar livremente: ninjas. Por anos atuando clandestinamente como mercenários, espiões e guardas pessoais, essa situação quase anárquica abriu espaço para que suas atividades, agora como vigilantes, ganhasse luz. Dentro da lei, eles atuam, sozinhos ou em clãs, sob a tutela de contratantes.
A ideia de um futuro distópico, onde a sociedade deu errado por motivos específicos e a lei é aplicada por grupos que prezam seus próprios interesses, já é manjada na cultura pop. Juiz Dredd, RoboCop, Jogos Vorazes, Handmaid’s Tale. Com o acréscimo de um contexto atual e forte, como o das imigrações, que abrem debates sobre xenofobia, manutenção da cultura e todas as demais desambiguações geradas nisto, parece ficar ainda melhor. Um dos melhores animes da temporada passada, Radiant, usa isso muito bem, mostrando diferentes lados dessa pauta. Caso bem explorada, pode render bons frutos a longo prazo.
Que tal esse primeiro capítulo?
Nesse começo, somos apresentados a um punhado de personagens ligeiramente disfuncionais que transitam entre o interessante e o clichê adolescente. O protagonista Jin veste bem a capa de “escolhido” que rola em 99% de gibis shonen, sendo um tiquinho misterioso, com um poder acima do normal e uma certa dose de “coração” em seus atos insensatos. Papillon e En abraçam direitinho os papéis coadjuvantes. A primeira, como uma auxiliar mais inteligente e tecnológica, “mentora” dos outros. O garotinho tailandês, como o novato em tal universo, sendo os olhos do leitor ao descobrir as regras da história.
O lado dos “vilões” também é bem representado, com um outro grupo de ninjas que têm como missão roubar um pergaminho do En. Os 3 agem naquilo de soarem como psicopatas quando vistos com distanciamento, mas atuando dentro do que é esperado para que suas missões sejam completas. É um mundo de violência, de imoralidades.
As coisas andam quando o menino, perseguido pelos ninjas, contrata Jin para protegê-lo. Em questão de roteiro, tudo vai até que bem, numa simplicidade correta para um início de aventura. Há um início, um meio e um fim com gancho para que novas tramas sejam desenvolvidas no futuro. Isso tudo com bons desenhos, cenários grandes bem feitos e não poluídos, um senso de movimentação captável. Além de alguns easter eggs que demonstram certa boa vontade de quem escreve para com ícones da cultura popular (um dos inimigos é um boxeador chamado “Mayweather”, como o pugilista invicto Floyd Mayweather Jr.; outra nos adversários se chama “Sila” e tem um corte de cabelo bem parecido com a da cantora Sia, além de um poder relacionado à sua voz; o cantor Justin Bieber e sua música “What Do You Mean” são parte de uma piada; e tenho quase certeza que já vi aquela entrada de ninjas pela janela na página trinta e tantas em algum gibi do Mestre do Kung-Fu, mas não tenho certeza).
E claro que alguns problemas narrativos podem ser pescados. Por exemplo, acontecem dois momentos onde personagens femininas são utilizadas semi-nuas. Um deles faz sentido (uma prostituta trabalhando), o outro é simples e puro fanservice que não acrescenta nada à história. E os clichês, embora bem usados, pois é um capítulo de introdução, podem se tornar massantes futuramente, caso não bem formulados. São pequenas coisas que, pruma eventual história seriada grande, podem cortar o interesse, ainda que com uma sinopse bem promissora servindo de engate.
E as polêmicas?
Parte da motivação em escrever esse post veio da grande quantidade de comentários que Tokyo Shinobi Squad vêm acumulando nas mídias sociais – na bolha de fãs de produções japonesas aqui do Brasil e internacionalmente – quanto ao modo como sua temática foi retratada nesse primeiro capítulo. Uns vendo-o como um discurso xenófobo, outros discordando. Vi comparações com a KKK e com o nazismo. Tenho minhas opiniões sobre isso. Como dito, esse é apenas o primeiro capítulo e, na teoria, há muito mais o que acontecer daqui pra frente, de modo que qualificar toda uma eventual narrativa como propensa a passar uma mensagem “ruim” ou “boa” acabaria por ser demasiadamente apressado da parte de qualquer um.
Do que foi mostrado nessas poucas páginas, esse discurso anti-imigração, sim, pode ser notado. Seja no flashback que expõe como a sociedade em Tóquio chegou naquela situação, seja na fala de Jin ao salvar o carro de En nas cenas iniciais. O que pode ser preocupante mais pra frente, caso tal ideal seja recebido positivamente pelo público. Vale lembrar que o Japão, nos últimos anos, recebeu críticas da ONU por casos de ataques de ódio contra estrangeiros, com pesquisas apontando que um terço dos imigrantes residentes já foram vítimas de preconceito em diferentes níveis.
No entanto, é impossível estabelecer se esse será o tom do mangá em sua totalidade, pois há muito pouco material posto em mesa para discutir sobre. Nas cenas seguintes, Jin decide ajudar En, que é um tailandês cuja moeda nacional é extremamente desvalorizada e não pagaria seus serviços, por ver algo de bom nele (céus, que clichê shonen…). No time “inimigos”, há um ninja chamado “Shuriken”, mestiço de japonês com húngaro, trabalhando “dentro da lei”, acompanhado do já citado Mayweather, um boxeador negro. Os ninjas, por precisarem atender contratantes de diferentes nacionalidades, dominam diferentes idiomas.
É captável que todos mostrados ali são disfuncionais em algum nível, do protagonista ao antagonista. Que têm na violência sua normalidade. E se, no fim, a história, em vez de uma grande propaganda eugenista em prol da manutenção da cultura nipônica, for uma grande metáfora ironizando essa besteira anti-globalista toda? Pode ser. Também pode não ser. Não dá para fechar uma opinião tendo só o capítulo inicial como fonte.
Agora, provocando: E se, sim, for uma panfletagem xenofóbica? É isso que fará de Tokyo Shinobi Squad um mangá ruim ou bom? Não seria mais coerente avaliá-lo, futuramente, por critérios de coesão, estilo, construção, e não só pela mensagem pregada (que também é um artifício importante, não pense que estou dizendo o contrário)?
Posso citar algumas obras que, em minha opinião, são extraordinárias, mesmo vindas por motivações contextuais que eu discordo totalmente. Vampiros de Almas (Don Siegel, 1956) e Aldeia dos Amaldiçoados (Wolf Rilla, 1960) são dois dos meus filmes favoritos da vida, embora sejam bobagens “anti-comunistas” para fortalecer a mentalidade norte-americana de que há “um inimigo lá fora”. Dentro do nicho que é assunto no JBox, considero Death Note (2006-2007) um anime muito bom, embora glamourize a figura de um psicopata que acredita ser iluminado o bastante para decidir quem deve ou não morrer (ou você acha mesmo que o Light é boa pessoa?).
Será que não é mais interessante utilizar obras que pregam valores dos quais não compartilhamos para avaliar se tais mensagens estão sendo bem passadas ou não, e quais artifícios narrativos são embutidos nisso com quais finalidades? Será que também não é interessante nos colocarmos de frente a narrativas cujas mensagens não colaboramos, de modo que possamos refletir sobre elas e, ao fim, entendermos onde devemos mudar ou o que pinçar para reforçarmos nossos pontos de vista?
Por esse primeiro capítulo, Tokyo Shinobi Squad mostra um argumento interessante que pode render muito pano pra manga. Parece ser daquelas obras que, utilizando de diversos artifícios comuns do gênero, pode ter a capacidade de tratar de temas importantes da atualidade, mas de um modo mais divertido e “pipoca” a pegar um público vasto. Não dá pra saber no que vai dar, mas dá pra despertar curiosidade, vontade de acompanhar e de debater sobre.
Eu vou. E você?
Kira psicopata? Já deu pra ver quem a análise tem certo tendenciosismo e nada imparcial.
Fiquei curioso, mas dependendo de como a história seguir pode dar um baita caô pq isso pega atualmente num tema bem delicado
Me deu vontade de acompanhar, vou atrás. Outra coisa, talvez a história seja sobre o personagem mudar sua visão de mundo (a dele próprio), o que seria extremamente interessante. Mas isso significa que a história teria que ser deixada para caminhar por si só, sem ser morta porque o personagem tem ações xenofóbicas, sabe. Tem que dar tempo ao tempo da história dessa série.
Isso vai dar treta da pesada
Mas que bela porcaria de analise.
“Se é anti-globalista, logo é ruim porque prezar pela identidade de sua nação é hurr durrr xenofobia”.
Quero mais que esse mangá glamorize o nacionalismo e o discurso identitário mesmo, só para SJW ficar nervosinho, haha. Tomara que faça sucesso.