No mês de abril a Editora JBC lançou a sua primeira série de light novels e, ao contrário do que vem fazendo a NewPOP (que trabalha no momento apenas no formato impresso), iniciou a publicação em formato digital, com a versão impressa prevista para ser lançada em breve.

Aproveitando a oportunidade, vamos para mais uma matéria falando sobre o formato digital e suas características.

 

Antes, um pouco sobre Overlord

A série é um isekai (onde o personagem principal acaba sendo enviado para “outro mundo”) e como vários de seus similares, teve sua origem em 2010 através do website Shousetsuka ni narou (“Vamos nos tornar escritores”, numa tradução livre), onde escritores amadores podem publicar suas histórias na plataforma online.

Assim como ocorreu com várias outras histórias publicadas no site (entre elas Log Horizon, Konosuba, Re:Zero e The Rising of the Shield Hero), o autor Kugane Maruyama viria a fechar um contrato com uma editora, onde ele poderia publicar profissionalmente uma versão revisada e expandida da história original de Overlord a partir do ano de 2012.

A história se passa no ano de 2138, onde após 12 anos de seu lançamento, os servidores do jogo online Yggdrasil iriam ser desligados.

Yggdrasil é um DMMO-RPG (Dive Massively Multiplayer Online Role Playing Game), que se utilizava de nanointerfaces neurais para que os jogadores controlassem o jogo de maneira completamente imersiva.

Apesar de um dia o jogo Yggdrasil ter se tornado um sinônimo do termo DMMO-RPG, as coisas já não eram mais as mesmas e era hora dos jogadores que ainda não haviam abandonado o jogo se despedirem de vez daquele mundo. Era o caso de um jogador, sob o nick de “Momonga”, que era um dos 41 mestres de uma grande guilda no jogo e um dos poucos que se logaram nesse último dia.

Porém, de maneira inesperada, após o relógio passar da hora marcada para a desativação, ele não foi chutado para fora do game. Em vez disso, o que ele notou foi que após esse momento, vozes, expressões faciais e outros fatores que não eram possíveis dentro de Yggdrasil estavam presentes nos NPCs que serviam a sua guilda. E o painel de configurações que permitiria que os jogadores enviassem mensagens, ou mesmo que forneciam a opção de desconectar do servidor não estava mais disponível. E por fim descobre que a localização da fortaleza que servia como sede da sua guilda havia sido transportada de alguma forma para um lugar desconhecido.

Num primeiro contato é impossível acabar não relacionando com outros isekais de temática similar, como Sword Art Online e Log Horizon, mas neste caso o mundo que Momonga vai parar não é a Yggdrasil que estava acostumado. E sendo o único jogador dentro de sua guilda que estava conectado no momento que tudo aconteceu, seu novo objetivo é tentar descobrir se há mais pessoas nesse mundo que também foram transportadas de Yggdrasil pra lá, na esperança de poder encontrar mais algum de seus amigos e antigos colegas de guilda.

Neste primeiro volume somos apresentados principalmente ao personagem principal, às características do jogo, aos NPCs que servem à guilda, enquanto são contados de maneiras espaçadas alguns eventos que acontecem em uma vila desse novo mundo, que servirá mais tarde para abrigar o clímax deste volume.

 

Mudanças na forma de consumo

Quando criança assistia aos programas da Manchete pela TV. Mais tarde, acompanhar a Locomotion e as fitas VHS de fansubs também continuaram sendo na frente da TV. Alguns anos depois, com o surgimentos dos fansubs digitais, a maneira mais simples seria assistir a esses conteúdos (ilegais, mas era o que se tinha pra época) sentado à frente do monitor, porém não consegui me habituar a isso de forma alguma. Só passei a consumir de fato esses animes após comprar um Xbox (o primeiro, lá de 2001), que deu origem a uma revolução na cena homebrew, onde dezenas de programas “caseiros” foram feitos para rodar no primeiro console da Microsoft, entre eles o saudoso XBMC, que permitia rodar quase todos os formatos de vídeo existentes na época.

Hoje em dia, graças aos recursos smart das TVs atuais (ou no pior dos casos através de dongles de terceiros, como Fire Stick e Chromecast), ainda é possível continuar consumindo na frente da TV, através de serviços de streaming como Crunchyroll, Netflix ou Prime Video da Amazon, que possuem aplicativos para a maioria dos sistemas.

E quanto aos quadrinhos? Foi um problema similar. Cresci lendo os gibis do Chico Bento e As Aventuras do Pequeno Ninja. Mais tarde pude acompanhar a chegada dos mangás ao Brasil, dos quais continuo acumulando à minha coleção até os dias de hoje.

Assim como aconteceu no caso dos animes, eu até tentei ler no monitor algumas coisas que não chegariam tão cedo por aqui, porém a experiência foi ainda pior que a dos animes. Mas como eu já havia passado por isso antes, resolvi arriscar investir mais uma vez num equipamento externo. Dessa vez adquirindo um tablet e mais uma vez o investimento não decepcionou. A possibilidade de se ler algo no horário que quiser, sem depender de iluminação externa e afins, acabou sendo de extrema ajuda quando o tempo livre acabou ficando cada vez mais escasso.

Mais tarde, os mangás finalmente começaram a aparecer legalmente e devidamente em português por aqui. Apesar de eu ter umas estantes lotadas de quadrinhos (acho que passavam de 1200 volumes na última catalogação), com o tempo o meu amor pelos volumes físicos vem diminuindo e dando lugar à preferência para as versões digitais, pela maior praticidade na hora de se ler.

Capa do 1º volume de Overlord | Editora JBC

Então por fim, vamos aos livros.

Ao contrário dos cenários anteriores, como um “bom” brasileiro médio, nunca tive muita proximidade aos livros. Os únicos que eu lia (ou fingia ler, quando na verdade pegava um resumo emprestado com algum coleguinha), eram as literaturas clássicas que eram escritas num idioma que mal pareciam ser o nosso, que aumentava a aversão aos livros em si ainda mais.

Como eu sempre consumi muito quadrinho, chegou um momento que quis tentar enfrentar o medo e ler alguns livros, porém o formato ainda era intimidador (e muitas vezes pesado), fazendo com que eu acabasse deixando o meu marca páginas eternamente parado perto das primeiras 30 páginas. Ao tentar ler no tablet, foi um pouco mais fácil, devido à facilidade de aumentar as fontes e espaçamentos, para evitar que “se perdesse” no meio das páginas, além da facilidade de poder ler mesmo quando não estivesse em condições ideais de iluminação.

Porém, eu realmente comecei a desfrutar a leitura somente após comprar um e-reader, que possui uma praticidade como a do tablet, mas um tamanho muito mais agradável, menor peso e uma iluminação que é muito mais agradável aos olhos do que as de telas LED. Inclusive, pela tela de tamanho menor e consequentemente com menos palavras por página, a leitura mudou completamente, muito mais agradável que ao ler os livros com verdadeiras muralhas de texto em cada página. Pode parecer algo completamente besta, mas para alguém que teve pouca intimidade com a literatura, esses pequenos fatores trouxeram uma experiência completamente diferente. O único ponto negativo, foi que devido às limitações da tecnologia e-ink, os e-readers são apenas em preto e branco.

Com exceção da tela e iluminação dos e-readers, que são bem mais agradáveis para longas leituras, consumir livros em formato ebook no celular também é até de certa forma bastante aceitável. Mas na época que optei por adquirir um Kindle, lá pelos idos de 2012, os celulares ainda não eram dispositivos tão responsivos como os de hoje em dia, então não me arrependo de tê-lo comprado, principalmente por ele ainda estar sendo usado depois de quase 7 anos.

 

eBooks: Como funcionam as atualizações

Uma das características mais interessantes do formato digital, é que ele não está condenado a se manter exatamente da mesma maneira de quando ele foi lançado. Por exemplo, ao comprarmos um volume impresso e o mesmo possuir inúmeros erros, eles continuarão lá eternamente na sua estante, mas no caso dos ebooks, se a editora possuir um apreço maior aos seus conteúdos, ela pode corrigir tais problemas e enviar uma versão atualizada para a plataforma de venda, de maneira que os clientes receberiam para baixar a versão atualizada em seus dispositivos.

Neste aspecto, citando o caso de Overlord, o blog Biblioteca Brasileira de Mangás encontrou vários erros na versão que foi inicialmente distribuída. Porém, quando eu fui ler o livros, aqueles erros citados já haviam sido “quase” corrigidos. Ainda assim, pude presenciar vários outros erros na primeira metade do livro, que foram reportados à editora e podem ter sido reparados até o fechamento desse texto.

Explicarei agora o que quis dizer anteriormente com “quase”.
Para fazer esta matéria, tive acesso à versão publicada no iBooks da Apple e à versão Kindle, disponível pela loja da Amazon.

Apesar da versão Kindle do livro realmente ter sido atualizada no final de abril e ter corrigido os erros citados pelo BBM, infelizmente o mesmo não ocorreu com a versão iBooks, que continua com o estado inicial da publicação, que ocorreu no início de abril, até o momento atual.

 

O outro lado

No caso de livros físicos, independentemente de onde comprarmos, o produto geralmente é o mesmo, mas no caso dos ebooks, o mesmo algumas vezes não acaba acontecendo.

Como vimos na outra matéria sobre mangás em formato digital, os ebooks dos mangás da Panini publicados na Amazon estão todos sofrendo com um problema de caseamento de páginas, fazendo com que as páginas duplas fiquem cortadas ao meio quando vistas com o tablet na horizontal (vídeo demonstrativo). Bastava a editora alterar o processo de criação dos arquivos, removendo uma das capas, que aparece duas vezes, que o problema seria corrigido e seria possível lançar uma atualização com esse problema corrigido, que seria enviado para todos os compradores.

Mas no caso do ebook de Overlord, nos deparamos com um problema generalizado que foge completamente do controle da editora, que são as limitações causadas pela própria plataforma da Amazon, onde ela simplesmente não aceita que os ebooks de livros possuam imagens de alta resolução (não confundir com os ebooks de quadrinhos, que possuem uma política diferente), alterando as imagens para terem uma resolução e qualidade bem pior que as presentes nas outras plataformas.

Esse problema já havia se tornado conhecido pelo público de light novels quando o site J-Novel.club começou a publicar seus ebooks e foi notado que a versão Kindle tinham as imagens com qualidade bem inferior aos das outras lojas.

Para quem não sabe, o J-Novel.club é uma espécie de “Crunchyroll” de light novels em inglês, onde as séries são oficialmente licenciadas, cada volume é dividido em várias partes e são publicadas semanalmente no site. Depois de completada a tradução do volume inteiro, essas partes são removidas do site e o volume fechado é vendido em formato ebook nas principais plataformas, com foco apenas em edições digitais.

Voltando ao assunto, no caso de Overlord, a diferença da qualidade de imagem é tanta, que na versão Kindle sequer é possível de se ler o “Juramos entregar este mundo ao senhor…” mostrado na ilustração inicial.

Acima Kindle / abaixo iBooks, ambos no iPad. Clique para expandir.

 

O motivo é que as imagens são redimensionadas por causa da limitação de hardware dos e-readers Kindle, porém não é levado em consideração que o usuário pode querer ver as artes no aplicativo para tablet, até para ter acesso às ilustrações de forma colorida. E a Amazon acaba não tendo duas versões de qualidade diferentes, que poderiam ser usadas em seus respectivos casos.

Isso se torna um ponto extremamente negativo, pois os e-readers mais populares no Brasil são justamente os Kindles, uma vez que os aparelhos da Kobo em parceria com a Livraria Cultura (que está em recuperação judicial) não estão sendo vendidos atualmente. E mesmo que ignoremos o fator do e-reader, caímos no outro problema citado anteriormente, que é o das outras plataformas não receberem as atualizações no mesmo ritmo.

Apesar de eu não ter conseguido analisar especificamente o caso de Overlord na Kobo, quando escrevi a matéria sobre os mangás digitais, o My Hero Academia #12 havia acabado de sair e o tamanho havia caído de 120MB para apenas 60MB. Pouco tempo depois, segundo a descrição, a versão da Amazon havia sido alterada para os 120MB costumeiros, mas a minha edição da Kobo continua nos 60MB até hoje.

Pode ter sido um caso isolado, ou pode ser um sinal de que a Kobo não receba tanta atenção no que se refere às atualizações, da mesma forma que está acontecendo com Overlord no iBooks.

 

Demonstração em vídeo

 

Finalizando

Apesar de eu mesmo estar migrando cada vez mais para o padrão digital nas novas publicações nacionais, reconheço que para que ele realmente se torne mais prazeroso de se consumir, é necessário que haja um investimento em equipamentos que possibilitem que os pontos positivos do formato sejam desempenhados. Tentar migrar para o formato digital com a intenção de usá-los em computadores, pode acabar deixando a desejar para boa parte do público.

Sobre Overlord, a série já possui 13 volumes publicados no Japão e continua em andamento. Levando-se em conta o preço de capa de R$32,90 para a edição digital (e R$42,90 para a edição impressa, com 240 páginas), é bom ir pra alguma loja de produtos “a partir de R$1,99” pra ver se acha algum cofrinho em formato de caveira para ir se preparando.

A história também foi adaptada para anime e as 3 temporadas estão disponíveis oficialmente para o Brasil pela Crunchyroll. Cada temporada adaptou o equivalente a 3 volumes da light novel.

O fato de ter sido lançado inicialmente apenas em formato digital foi uma atitude nova, onde há quem possa enxergar como uma espécie de teste para saber como o formato digital se desempenharia, ou talvez como um tipo de open-beta, para que houvesse uma espécie de revisão externa e que a versão impressa acabasse saindo com um número menor de erros.

 

Agradecimentos à Editora JBC por ter fornecido o ebook para análise.