Finalmente chegou o dia! Neon Genesis Evangelion, um dos maiores clássicos da animação japonesa, já está disponível através do serviço de streaming da Netflix. Nessa reestreia, a plataforma resolveu redublar a série em vários países, o que também incluiu o Brasil.

Essa é a terceira vez que Evangelion é dublado por aqui. A primeira delas foi em 1999, quando o anime foi exibido pelo extinto canal pago Locomotion (na época, a versão foi feita pelo estúdio Master Sound, o mesmo da 1ª temporada de Pokémon e Medabots). Em seguida, o também extinto Animax exibiu Evangelion redublado no saudoso estúdio Álamo (que fez a versão brasileira de quase tudo que passava lá). Houve algumas trocas no elenco, mas o maior problema era a adaptação feita em cima de outra dublagem, no caso, a americana.

Agora, Evangelion chega ao estúdio VoxMundi (responsável por vários trabalhos recentes da Netflix, como nos anime Aggretsuko e Dragon Pilot), juntamente com os inéditos Death (True) 2  e The End of Evangelion (saiba mais aqui). Para comandar esse trabalho cuidadoso, o ator Fábio Lucindo, a voz do protagonista Shinji Ikari desde a 1ª versão, foi escolhido como diretor de dublagem. O JBox conversou com ele e traz agora algumas informações sobre o processo desse trabalho, na entrevista que você confere a seguir.

 

Essa é a terceira vez que a série é dublada. Você encara algum tipo de peso ou exigência maior nesse novo trabalho sabendo da importância do título?

Fábio: Sem dúvida, tanto em forma quanto em conteúdo. Sobre o conteúdo, trata-se de uma oportunidade rara de poder corrigir alguns poucos equívocos cometidos no passado. Sobre a forma, é uma chance muito especial de tentar me reaproximar de um personagem que me é extremamente caro e do qual, paradoxalmente, estou muito mais íntimo e distante (íntimo por já haver uma trajetória anterior, distante pois estou bem mais velho que nas edições anteriores).

 

Como se deu a indicação para ser o diretor dessa nova dublagem e quais foram os maiores desafios?

Johnny Manfredi

Fábio: Sincronicidade. Eu havia começado a dirigir na VoxMundi muito recentemente e a série chegou justamente neste mesmo período. Foi meu primeiro trabalho de direção desde minha volta ao Brasil. Também não posso deixar de citar a figura ímpar de Johhny Manfredi, um monstro que trabalha no setor de conteúdo da Vox e que até então era apenas um conhecido e hoje se tornou um amigo. Foi ele quem ao receber o material cravou: “O Fábio tem que dirigir”. Felizmente a coordenação concordou e me enviou o material. Neste mesmo instante começamos a trabalhar juntos para realizar o trabalho da melhor maneira possível.

Nota do editor: Fábio Lucindo ficou de 2015 a 2018 em Portugal, graduando-se em estudos artísticos na Universidade de Coimbra.

 

Essa dublagem foi feita tendo como base o japonês? Muito das críticas à dublagem anterior (feita na Álamo para o Animax) vinham do fato do trabalho ter sido realizado tendo como base a versão americana (gritos da dublagem americana para o Shinji foram mantidos, inclusive). Como você enxerga as principais diferenças entre a versão japonesa e a americana, e no que isso interfere na atuação do dublador brasileiro?

Fábio: Sim, dublamos sobre o áudio original em japonês, o que eu considero mais difícil, porém mais adequado. Quando dublamos sobre algo que já foi dublado anteriormente estamos trabalhando sobre uma versão já adaptada por outros profissionais de outra cultura, e inevitavelmente ficamos reféns de uma leitura que já contém particularidades culturais que não as originais e isso eu não acho muito bom. Muda tudo, desde adaptações de tradução até a interpretação dos atores. Eu sempre prefiro trabalhar sobre o original. Na dublagem, referência é quase tudo.

 

Houve trocas em relação ao elenco original? Quais foram os motivos para elas?

Fábio: Difícil falar em “elenco original” quando se trata de uma terceira dublagem. Neste caso a original seria a versão da MasterSound ou a da Álamo? Sim, houve mudanças em todos os aspectos, tanto na escalação do elenco quanto em alguns dos termos utilizados na adaptação do texto. A intenção é sempre mudar pra melhor, aprimorar, claro, mas entendo que alguns que forem buscar um reconhecimento nostálgico talvez se decepcionem um pouco. Os motivos são dos mais variados, desde questões de agenda até óbito, passando também invariavelmente por meu gosto pessoal, afinal, enquanto diretor, me foi permitido fazer isso.

 

Quanto à pronúncia dos termos ou eventuais adaptações. Havia alguma orientação a seguir?

Gabriela Haddad

Fábio: Tivemos a orientação de pronunciar os nomes próprios das personagens exatamente como a pronúncia japonesa, sem qualquer tipo de adaptação fonética e, claro, não repetir alguns equívocos identificados nas versões anteriores. Acho que conseguimos isso sim. Novamente preciso citar não apenas o Johnny, mas também especificamente Gabriela Haddad e toda a equipe de conteúdo da VoxMundi que faz um trabalho fantástico neste aspecto. E isso se aplica a todas as séries dubladas na casa, não apenas aos animes. São horas e mais horas de pesquisa e revisão que fazem toda a diferença na hora de gravar.

Na primeira dublagem, feita pela MasterSound para a Locomotion, sua idade era praticamente a mesma do Shinji. Como você direcionou a escolha do tom do personagem nessa nova versão, 20 anos após a primeira?

Fábio: Assisti novamente toda a versão feita na Álamo, a da Master não consegui encontrar, e tentei me aproximar o máximo possível do que ouvi ali. Confesso que achei que não seria capaz e cheguei a cogitar me substituir. Fui veementemente repreendido pelo conteúdo e por pessoas próximas. Depois foi um trabalho de escuta e tentativa de aproximação de timbre um tanto desgastante, mas muito prazeroso e desafiador. Espero ter conseguido (ainda tenho minhas dúvidas e esta é uma de minhas maiores ansiedades quanto a estreia).

 

Você chegou a cogitar um novo ator para o Shinji? Alguém te dirigiu em suas cenas ou foi uma “auto-direção”?

Fábio: Sim, cogitei colocar o Lipe Volpato pra fazer o Shinji, um cara que gosto muito do resultado do trabalho, mas depois mudei de ideia e encarei tentar chegar lá. Para manter o timbre da voz do Shinji, tive a ajuda de Luísa Pellegrino, que tem um ouvido absoluto que não é desse mundo e é capaz de identificar tons e timbres de uma forma assustadora, ela acompanhou grande parte das gravações e me repreendia quando eu vacilava neste aspecto. Também não posso deixar de citar Leonardo Forti e Antonio Pinheiro (Toninho), os dois técnicos de áudio que realizaram as captações. Ambos foram fundamentais para a qualidade do som captado e nos momentos em que eu gravava minha parte sozinho até extrapolavam suas funções, me auxiliando com observações sobre a sincronia e até mesmo atuação.

Nota do editor: Lipe Volpato é um jovem dublador que começou a aparecer em animes recentemente. Entre seus trabalhos estão o Kenji Miyazawa de Bungo Stray Dogs e Sho Suzuki em Mob Psycho 100.

 

Muito se comenta sobre o modelo “industrial” que a dublagem teve que se adequar nos últimos tempos, com prazos apertados a cumprir e entregar o produto final. No seu entender isso atrapalha o seu desempenho? Evangelion teve um prazo bom para se trabalhar?

Fábio: Sim, a máxima de que a pressa é inimiga da perfeição se aplica totalmente na dublagem. Isso atrapalha e muito, porém, não foi o que aconteceu com Evangelion. Neste caso particular tivemos o tempo que considero adequado para gravar (mais uma vez o conteúdo da Vox fez toda a diferença).

Você se vê como fã de Evangelion também? Algum momento da série te impactou?

Fábio: Sim, muito. Declaro sem medo de soar passional demais. Trata-se de minha série preferida desde sempre. Acho o Shinji um personagem incrível, acho o mote da série fantástico, gosto do texto, da linguagem, dos questionamentos existenciais de todos os personagens, gosto da violência, do traço, dos fanservices, sou meio apaixonado por Misato, Rei e Asuka, adoro o PenPen e seria a pessoa mais feliz do mundo se um dia pudesse pilotar a unidade 1.

 

O que esse trabalho representa na sua carreira?

Fábio: Uma de minhas maiores alegrias e orgulhos. Um poço sem fundo de afeto.

 

Preparado pra entrar no robô?

Fábio: Desde 1984. Avante!

 


EXTRA: Onde foi parar “Fly Me to The Moon”?

Seguem algumas constatações iniciais da versão de Evangelion presente na Netflix.

A plataforma optou pelas versões estendidas dos episódios 21 ao 24, em substituição à edição original dos anos 1990. No Animax, a série teve ambas as versões exibidas, mas a Netflix decidiu simplificar as coisas, e praticamente nada foi perdido.

Então, temos a série, o Death(true)² (que é um recap da série original) e, por fim, o ‘The End‘, que finaliza a saga original da série.

Um outro ponto em relação à versão da Netflix, foi a substituição do tema de encerramento original em todo o mundo, com exceção do Japão.

A música Fly Me To The Moon usada originalmente no encerramento era uma versão da música eternizada por Frank Sinatra, porém interpretada pela cantora Claire Littley.

Abertura Original / Abertura na Netflix

Num caso similar, o primeiro álbum da trilha sonora de Evangelion, que está disponível pelo Spotify, também teve a faixa cantada pela Claire removida (ela seria a faixa número 2 do disco original), porém as versões em instrumental e em bossa nova, desta vez interpretada por Yoko Takahashi (que canta o icônico Zankoku no Tenshi no Teeze, tema de abertura da série) continuaram disponíveis pelo site de streaming de música.

Durante a série, diferentes versões da música são utilizadas no encerramento, desde completamente instrumentais até usando as vozes das principais personagens femininas da série. Na versão da Netflix, essas versões foram substituídas por também diferentes arranjos da música Hostility Restrained, que faz parte da trilha sonora original composta por Shiro Sagisu.

[Colaborou Leandro Rolim]


Com 26 episódios produzidos pelo estúdio GAINAX, a série Neon Genesis Evangelion (Shin Seiki Evangelion) foi ao ar no Japão entre 1995 e 1996, adquirindo uma fama gigantesca por ter um “tom” bem diferente dos animes exibidos até então, sendo um marco naquela década e influenciando diversas obras.

Em 1997, foi lançado no Japão o filme Death & Rebirthque recapitula os 24 primeiros episódios em sua 1ª parte, seguindo com uma sequência de animação inédita em sua segunda parte. Essa segunda parte virou a primeira parte de outro filme, The End of Evangelion, também lançado no Japão em 1997, sendo um final alternativo à série de TV (saiba mais aqui).

Dirigida por Hideaki Anno, a trama pós-apocalíptica de Evangelion foca no personagem Shinji Ikari, um adolescente recrutado por seu próprio pai para ser o piloto de um EVA – um bio-robô gigante. Os EVAs, controlados pela organização NERV, são sempre movidos por adolescentes, como forma de combater ameaças alienígenas conhecidas como Angels, a fim de impedir outra catástrofe como a ocorrida na Terra há 15 anos, evento conhecido como o Segundo Impacto.

O anime estreou no Brasil em 1999 pelo extinto canal Locomotion, sendo reprisado anos mais tarde pelo também extinto Animax, com uma redublagem pela Álamo mantendo boa parte do elenco original. Um mangá, produzido originalmente em paralelo com a animação, teve publicação iniciada pela Conrad e finalizada pela Editora JBC (com direito a lançamento simultâneo do último volume juntamente com o Japão).