Geralmente, há dois tipos de filmes de animação japonesa que chegam aos cinemas brasileiros. Podem ser aqueles clássicos instantâneos ao “estilo Ghibli” de ser, com um visual de animação tradicional que nos enche os olhos, uma narrativa tocante e que pode envolver não só o nicho fã de animes, como o expectador de cinema no geral. Na outra ponta, estão as produções baseadas em algum grande hit do momento ou de gerações, como Dragon Ball e Os Cavaleiros do Zodíaco – que não por acaso seguem a linha do “battle shounen‘, onde a pancadaria desenfreada costuma ser o maior atrativo para levar o público a uma sala de cinema.

My Hero Academia: 2 Heróis estaria em um limbo desse segundo exemplo. Trata-se da primeira obra cinematográfica de um grande sucesso shounen da atualidade em todo o mundo, mas que esbarra na falta da popularidade de massa que um Dragon Ball possui. E não é por falta de potencial, toda a trama e seus personagens são feitos na medida para conquistar toda uma geração, só que por aqui o anime ainda está restrito a um grande sucesso de nicho: aqueles que assistem séries japonesas legendadas, seja por meios oficiais como a Crunchyroll (que transmite o anime completo via streaming) ou não, e aquela parcela talvez ainda mais restrita que consome os mangás (por aqui publicados pela Editora JBC).

A trama do filme é de fácil compreensão, sendo que um leigo no assunto, que caiu de paraquedas e nunca assistiu à série consiga assimilar o que acontece – isso considerando que realmente haja essa procura, porque ela não parece muito crível. Inclusive, há um breve resumo no começo para inteirar o espectador sobre do que se trata aquele universo e qual o pano de fundo do personagem principal. Só que muita da graça de assistir a esse tipo de filme mora nos pequenos detalhes que envolvem as características de todo o elenco de personagens (e são muitos). O recomendado para assistir ‘2 Heróis‘ com total compreensão é estar por dentro de pelo menos tudo o que acontece até a 1ª metade da terceira temporada. Nomes como o All For One, ou os motivos das feridas de Deku em seus braços, são elementos que surgem entendendo-se o óbvio, de que o filme conversa com o espectador de My Hero Academia.

O longa começa resgatando brevemente o passado de All Might, em uma aventura do jovem herói pelos Estados Unidos, onde ele conhece David Shield, que vem a ser um grande amigo. Indo para o presente, Izuku Midoriya está saltitando de felicidade ao ser convidado por All Might a visitar a I Island, uma ilha flutuante móvel, onde funciona um gigantesco centro de pesquisa e desenvolvimento de melhorias para auxiliar heróis de todo mundo. É aí que há um reencontro do herói nº 1 com Melissa Shield, filha de David que protagonizará a trama ao lado de Deku, e consequentemente um reencontro com seu amigo de longa data – que hoje é um grande pesquisador.

O desenrolar dos acontecimentos estabelece os dois lados principais que guiarão a trama. Midoriya e Melissa se conectam por compartilharem uma origem semelhante, já que ambos não desenvolveram nenhuma individualidade quando crianças. E All Might e David revivem sua amizade, despertando também o conflito que será chave para o aparecimento do vilão logo mais.

Eventualmente, boa parte do elenco de aspirantes a heróis da UA acaba dando um jeito de aparecer para se reunir na ilha – e incomoda um pouco a cabeça daquele que procura alguma lógica por ninguém ter contado ao Midoriya sobre essa viagem coletiva, enquanto ele está super preocupado em não revelar o convite que teve de All Might. Infelizmente, o protagonismo de Melissa ao lado de Midoriya deixa o rico elenco de personagens meio de escanteio, subaproveitando figuras importantes como o Bakugo e cometendo o crime de dar o papel de figurante para a Tsuyu – que só contabiliza duas falas no filme inteiro.

Tal qual uma “saga das 12 casas” (com direito a escadarias), onde os aliados vão gradualmente ficando para trás para que o protagonista siga para a batalha decisiva, os colegas de Midoriya cumprem a função de se organizarem como equipe e desacelerar a subida do time do vilão, tendo seus momentos de comicidade e holofotes aqui e ali. É na batalha final, ao estilo cinematográfico de uma epopeia da Marvel, onde se gasta a maioria dos frames alucinados de animação, já que no geral ela mantém o nível da série de TV em um episódio mais espichado – o diretor inclusive é o mesmo, Kenji Nagasaki.

Mas o que esperamos de um filme desses? ‘2 Heróis‘, assim como muito filme de Naruto ou One Piece, é basicamente um fillerzão para reunir os fãs da obra nos cinemas, acompanhando uma grande aventura de seus personagens favoritos. Nesse pressuposto, tudo é bem conduzido e até se sobressai aos comparativos de outras séries. O conflito final (que deixaremos oculto por questões óbvias de spoiler) é bem mais elaborado do que o simples bem contra o mal, e inclusive pode trazer à mesa questões como “até onde poderíamos chegar para ajudar um amigo?”. Acontece que para além de minutos de pancada por pancada, My Hero Academia tem muito “coração” envolvido nas motivações de cada um em seu objetivo final e é isso que o torna tão especial como sucesso do gênero atualmente.


E a dublagem?

Esse texto teve como base a versão dublada do filme, realizada pelo estúdio paulista Unidub (o mesmo da série Dragon Ball Super), com direção de Úrsula Bezerra (que no passado dirigiu a versão brasileira de Fullmetal Alchemist) e podemos assegurar que o trabalho final mantém o status de uma das melhores casas de dublagem da atualidade.

A maioria do elenco casou perfeitamente com os personagens, trazendo aquela sensação ótima de se esquecer de que aquele não é o áudio original. Até mesmo o desagradável Mineta ficou interessante na interpretação estridente feita por Yuri Chessman (o Saitama de One-Punch Man), fazendo dupla com o Kaminari na voz competente de Vagner Fagundes (o Gohan adulto de Dragon Ball Super). Os gritos de Fábio Lucindo caem como uma luva no temperamento explosivo do Bakugo, enquanto Robson Kumode reprisa a seriedade de Sasuke (de Naruto) na pele agora do Todoroki. É uma pena que o filme não dê mais espaço para conferirmos melhor o resultado de Vii Zedek como Tsuyu, que parece ter nascido para a personagem.

Os pontos fracos do elenco não são novidade e já foram percebidos pelos fãs nas prévias divulgadas. A escalação de Priscilla Concepción como Ochaco Uraraka soa equivocada. Sua voz mais “madura” diverge um tanto da meiguice e timidez da personagem, mesmo que a interpretação em si seja condizente – trata-se de uma dubladora experiente que sabe muito bem o que faz, o problema mora somente no casamento do timbre da voz com a figura vista na tela. Outro problema previsível, mas menos alarmante do que o anunciado, é na escolha de Jacqueline Sato (filha de Nelson Sato, dono da distribuidora do filme no Brasil) para viver a Melissa. Embora seja atriz, esse é seu primeiro trabalho como dublagem, logo em uma protagonista. É clara a falta de timing que se exige da função em várias ocasiões e uma dificuldade para variar os tons emotivos. Melissa é uma personagem ativa, mas muitas de suas reações mais empolgadas foram perdidas no mesmo tom calmo usado por Jacqueline. Há uma evolução no decorrer do filme, e a impressão que fica é a de que ela pode estudar e investir nessa “modalidade” de atuação no futuro. O erro maior é usá-la de cara em uma figura tão importante da trama, causando momentos de estranhamento em um elenco harmonioso.

Outra discussão girava em torno de Guilherme Briggs como All Might. O ator opta por pegar um pouco mais leve na “canastrice” do personagem original, mas o resultado final é bem agradável. As cenas com o herói na forma magricela talvez sejam as que mais casem bem, mas ele sabe como ninguém dosar sua voz e variar em um instante para a entonação que se espera nas frases heroicas de efeito.

O saldo final é extremamente positivo e só nos resta a torcida pela manutenção desse elenco para uma possível dublagem da série no futuro – e que não esperem o Lipe Volpato (Midoriya) chegar aos 30 anos para isso.


My Hero Academia – O Filme: 2 Heróis estreia nos cinema brasileiros no próximo dia 8 de agosto, com sessões limitadas em algumas datas e cópias dubladas e legendadas. Quem adquirir o ingresso na pré-venda também garante um postal exclusivo.

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