Em tempos de cólera, em que muitas são as preocupações (um vírus atacando a humanidade, a política nacional em cacos, esse frio descomunal no Rio de Janeiro), é sempre bom poder afastar tais aflições da cachola, desligar o cérebro durante um pouco mais de vinte minutos, onde a atenção é dedicada a uma narrativa que não exige qualquer esforço mental para ser assimilada. Ou entendida. Ou questionada. Para esse intuito, precisamos agradecer a The God of High School, que segue como o melhor animê ruim da temporada. A obra-prima compila tantos clichês batidos de gênero no tempo de um episódio que sequer necessitamos empreender importância em infortúnios como desenvolvimento de personagens, trama ou subtexto. Afinal, se tantos outros já fizeram isso antes, pra quê repetir aqui?
No sétimo episódio, tiozão do EJA, humilhados não sendo exaltados e burgueses jogados aos tubarões…
Recapitulando: por vontade do chefe dos organizadores, as regras mudaram e, em vez de apenas o vencedor de cada eliminatória da Coreia do Sul participar da etapa principal do God of High School, agora o torneio se dará em equipes de três, contendo, respectivamente, o primeiro, o segundo e o terceiro colocado de cada uma delas. As fases ocorrem no esquema “melhor de 3”, com o time que conquistar duas vitórias primeiro se qualificando para a próxima.
O primeiro da equipe de protagonistas a participar é o Jin. Vale lembrar que, nesse meio tempo, ele estava sendo treinado por aquele vovô curandeiro que deu as caras no episódio anterior. Ele o ensinou uma técnica de pontos de pressão, que, quando ativados, intensificam os golpes contra o adversário, coisa que o Jin anuncia logo que começa a partida, apertando alguns em seu corpo. O problema é que o rapaz faz isso de forma errada e, por consequência, acaba paralisado, perdendo o combate quase que por W.O.
O trio de oponentes é formado por esse jovem que derrotou Jin, por seu irmão mais velho e por uma garota ruiva de óculos praticante de kendo (um estilo japonês de luta com espada). O segundo embate envolve Daewi e esse irmão mais velho do npc anterior.
O rapaz tem 38 anos de idade, sendo o mais velho dentro do lineup do torneiro, e usa um estilo de luta do proletariado (será que ele é fã do Bruce Springsteen?). Sua história com a equipe, na verdade, é bem interessante. Visto na vizinhança como um grande fracassado, pois frequentemente tentava entrar no Ensino Médio, mas acabava reprovando na prova de admissão, ele trabalha numa construção civil, o que provavelmente o ajuda a desenvolver seus dotes físicos. Em certa ocasião, um grupo de meninas estudantes faz chacota dele no meio da rua, com a garota de sua equipe entre elas, taxando ele e seu irmão, que havia lhe levado materiais de estudo para se preparar novamente para o vestibular, como fracassados, longe da imagem social que ela mesma colocava para si.
Mais para frente, a quatro-olhos chega na final de uma competição de kendo, enfrentando uma rival que, nos anos anteriores, a havia vencido. Ela perde, descontando sua raiva em sua espada, a quebrando no corredor do local onde ocorria o evento. O tiozão presencia a cena e vai consolá-la, sendo recebido com quatro pedras na mão, humilhado pela jovem. Ele responde de um jeito positivo, contando sua história de dor enquanto uma trilha sonora orquestral emocionante toca atrás para que nos emocionemos. E funciona, ao menos, com ela, que percebe o quão chata e pedante estava sendo, decidindo ajudá-lo nos estudos (mesmo sem ele pedir) para que, enfim, ele consiga voltar pra escola.
Uma pena para eles que os roteiristas já haviam queimado a única possível derrota do time de estrelas na primeira batalha, com o Jin paralisado enfrentando o único do trio sem quase nenhum tempo de tela no flashback inteiro, pois o tiozão de 38 perde sem muitas emoções para o Daewi e a ruiva do kendo é escorraçada sem quaisquer dificuldades pela Mira. Boost de protagonismo.
Contudo, ao fim da rodada, após perder novamente uma luta de espadas, tenho certeza que ela se sentiu muito bem com tais sábias e criativas palavras vindas do colega:
Tocante.
Paralelo a isso ocorre uma luta entre comissários da competição contra missionários da gananciosa seita satânica que quer utilizar os poderes obtidos dos deuses, seja lá quais forem, e seja lá de que maneira, para seus propósitos maquiavélicos. E tudo nela foi muito bacana. Todos os personagens, com suas profundidades de pires, exibiram visuais interessantes e poderes criativos, rendendo segmentos de ação pura que enchem os olhos.
Destaque especial para uma das vilãs, com a habilidade de evocar uma entidade sadomasoquista estranhíssima, usando também um crucifixo com ursinhos de pelúcia com canhões na boca. Há uma piada metalinguística bem legal em sua participação, com ela soltando uma porção de palavrões e gestos obscenos, todos censurados de alguma forma no animê, rendendo um comentário esperto de um dos comissários no local.
Voltando pro torneio, a segunda rodada começa enquanto o trio de protagonistas ainda caminha para a saída do estádio, mostrando que não há tempo a perder. De um lado, está o time formado por um npc, um herdeiro ricaço de um grande conglomerado, e uma empregada da família, vestida de empregada, pois ela não deve ver muito sentido na vida quando não está usando seu uniforme. De outro, aquele cara de cabelo azul que ficou entediado com a performance dos participantes da rodada de Seul.
O arrogante abastado começou a batalha dando uma de abastado arrogante, estabelecendo que não terá misericórdia, ou algo assim, tocando sua flauta mágica e trazendo chamas ao palco. Entretanto, isso durou pouquíssimo, pois o cara de cabelo azul entediado, aparentemente, é full poderoso, conjurando um tubarão gigante que estraçalhou o riquinho. Sua empregada, cuja meta de vida é proteger seu patrão vestida de empregada em todas as ocasiões possíveis, mesmo em um torneio onde os participantes terão suas feridas curadas no fim de cada batalha, se mete no combate para ajudá-lo. Sem muitas chances, ela também é dominada pelo entediado de cabelo azul, que libera sua faceta misógina, declarando que aquilo não era coisa para uma mulher se meter, espancando-a de maneira humilhante na frente do público.
Deixando a ironia de lado por um momento, tenho que dizer que, honestamente, esse foi um episódio muito bom. “Muito bom”, claro, nos parâmetros de The God of High School.
Um leitor disse certa vez que esse animê é como se fosse a transposição daquelas cenas de jogos de luta em fliperamas para tela, o que faz bastante sentido. A narrativa se agarra a um fiapo de roteiro de modo a presentear o espectador com o que de melhor ela pode proporcionar baseada nessa lógica gamer: lutas espetaculares, personagens com habilidades criativas em tela e visuais interessantes, bem diferentes entre si, servindo de entretenimento garantido por alguns minutos. No sétimo episódio, tudo isso foi feito com maestria, colando como o bom fast food que a obra se propõe a ser do início ao fim.
No oitavo episódio, destinos cruzados e festa de aniversário!
Já nesse mais recente capítulo, The God of High School mostrou seu lado… fofo.
A terceira rodada apresenta ainda outro personagem que parece importante para as tramoias do enredo, o jovem Park Il-Pyo. Ele funciona como um líder estrategista para sua equipe, montando planos para que o trio consiga derrotar os adversários usando a arrogância deles como ponto fraco. Por exemplo, como o escolhido do outro grupo era bem mais alto e forte que a integrante do seu, ele identificou que caras desse porte costumam ser muito confiantes contra pessoas menores, atacando por cima, o que abriria uma brecha para que fosse acertado no queixo quando isso acontecesse.
Tiro e queda, ao menos na luta de sua colega. Na sua, foi mais ataque atrás de ataque até dar certo.
O lance todo é que Il-Pyo usava um tigre bordado em sua roupa, mesmo símbolo que o avô de Jin portava. Quando questionado pelo protagonista, ele explica, através de um flashback, que o parente havia lhe ajudado quando criança, entregando um caderno de seu pai contendo os truques para o estilo de luta arcaico que ele usa hoje. Toda a história do garoto mais novo, sendo abandonado por sua mãe para ser criado num dojo, com suas lembranças mais antigas sendo cortadas em fases, foi bem comovente de assistir.
Comovente também foi o segmento final, com Daewi e Mira comemorando o aniversário de Jin. Mesmo que o animê seja montado dum jeito mais veloz, apressado, o elo de amizade entre os três convence em momentos assim. Bem bonita a cena com a Mira mostrando o lanche horroroso que ela havia trazido, enquanto Daewi revelava em seguida um jantar completo lindíssimo e a criticava pela escolha de temperos, ao mesmo tempo que a dupla o ignorava e comia toda a comida. Bem bonito também o paralelo do Jin, no passado, ouvindo de seu avô que seus amigos de escola comemorariam seu aniversário no futuro, com isso realmente acontecendo no presente. Agradável, aconchegante.
Por mim, que The God of High School siga trazendo episódios legais assim daqui em diante, sem se levar realmente a sério, executando clichês batidos numa fórmula de entretenimento puro e sem maiores pretensões. Funciona como um ótimo escapismo para quando queremos desligar o cérebro.
Comentários dos episódios 1 ao 4 e 5 e 6.
Tendo estreado aqui no Brasil no dia 6 de julho, The God of High School é o mais recente animê com o selo de original da Crunchyroll a ver a luz do dia. Sua história é uma adaptação de um manhwa, uma “mangá sul-coreano”, escrito e ilustrado por Yongje Park, e seriado digitalmente na plataforma Naver Webtoon desde 8 abril de 2011, totalizando 11 volumes encadernados publicados pela editora ImageFrame até então. Essa já é a segunda produção original da plataforma de streaming nesse ano baseada em alguma publicação da Coreia do Sul. Na temporada passada, sua grande aposta foi Tower of God, oriundo de outra webcomic do país.
Sinopse oficial: Jin Mori diz a todos que é o colegial mais forte que existe. Sua vida muda quando é convidado a participar do “God of High School”, um torneio que decidirá quem é o colegial mais forte de todos, e que garantirá ao vencedor a realização de qualquer desejo que ele tiver. Todos os participantes são poderosos guerreiros que lutarão com afinco para alcançar seus sonhos. Uma batalha caótica entre lutadores colegiais inacreditavelmente fortes está prestes a começar!
Os episódios estão oficialmente disponíveis aqui no Brasil através da Crunchyroll (assista aqui).
Deixe um comentário