Nota do editor: Essa é a primeira coluna Café & Matchá, um espaço quinzenal tocado pela nossa redatora Laura Gassert, que trará sempre pautas curiosas sobre o universo da cultura pop do Japão.


Encerrado há alguns meses, o mangá de Demon Slayer: Kimetsu no Yaiba tornou-se um grande sucesso logo após da estreia do animê, em abril de 2019. Em fevereiro daquele ano, logo após o lançamento do volume 14, a série tinha vendido 3,5 milhões de cópias, uma média de 250 mil cópias vendidas por volume. Quando o #17 saiu, poucos dias depois da exibição do animê terminar, a média já era 1,2 milhões de cópias vendidas por volume, com 20 milhões de cópias em circulação.

Segundo o ranking da Oricon, Kimetsu chegou até a vender mais que One Piece em 2019, uma conquista de poucas séries – embora dados da Shueisha sejam diferentes. Inclusive, em maio deste ano a série ainda estava com fortes vendas, superando as do ano anterior.

É esperado que uma febre quente como essa escape para além do universo mangá-animê. Junto com o sucesso nas telas, veio o sucesso nas rádios (ou o substituto disso para a juventude de hoje). A abertura do animê, “Gurenge“, rendeu à compositora LiSA um certificado de platina e recordes em downloads. Mas vamos abordar aqui uma influência menos comentada de Kimetsu em seus fãs: o turismo.

Com o sucesso da série, os fãs descobriram lugares com algumas semelhanças à ela. Três cidades acabaram se tornando locais de interesse para os leitores de Demon Slayer: Dazaifu, Beppu e Yagyu. Seja pelo nome, pelas lendas ou pelo espaço físico mesmo, vamos entender como esses locais acabaram “bombando” por causa da série.

 

Os Templos Kamado

 

Templo Kamado (Kamado Jinja), em Dazaifu.

Templo Kamado, em Dazaifu. | Via site oficial. | Reprodução.

Na cidade de Dazaifu, na província de Fukuoka, há o templo xintoísta (“jinja”) Kamado, escrito com os mesmos kanjis do sobrenome do protagonista, Tanjiro Kamado. O templo se localiza no topo do monte Homan, mas faz parte de um “complexo”, havendo um outro templo ao pé da montanha.

De acordo o jornal Nishinippon, os responsáveis por cuidar do jinja começaram a pesquisar sobre a série quando receberam um e-mail perguntando se podiam ir ao templo e tirar fotos fazendo cosplay, descobrindo então algumas possíveis relações entre ambos. O templo Kamado foi construído em 644, para proteger um escritório do governo do então Estado Yamato, especialmente de oni (espécie de demônios do folclore japonês), já havendo aí uma relação temática com Kimetsu.

Além disso, o monte Homan é conhecido como local de prática de Shugendo, uma religião cujas práticas incluem retiros severos em montanhas e os praticantes utilizam roupas xadrez. As roupas não são estampadas, necessariamente, nas cores do haori de Tanjiro mas é outra curiosa semelhança.

Parte da escadaria de pedra que leva ao templo Hachiman Kamado. | Via Jalan Net. | Reprodução.

Mais informações sobre o local podem ser encontradas no site oficial do templo Kamado, mas apenas em japonês. Há também algumas imagens no site.

O outro jinja é o Hachiman Kamado, na cidade de Beppu (distrito de Oita). Esse “Kamado” também é escrito com os mesmos kanjis do sobrenome do personagem. Segundo o jornal Oita Press, uma escadaria de pedra guia o caminho até o templo e, conforme diz a lenda, está relacionada a um oni canibal que assombrava a cidade todas as noites.

Um deus teria mandado o oni construir 100 degraus de pedra em uma noite e, se ele conseguisse, poderia continuar comendo pessoas. Caso não conseguisse, deveria sumir para sempre. Ele teria construído 99 degraus, mas, ao chegar no último, a manhã já estava nascendo, fazendo-o fugir. Na trama de Demon Slayer, os oni também são vulneráveis à luz solar e a semelhança não passou batida pelos fãs.

Mais informações (e imagens) também podem ser encontrada pelo site oficial do templo Hachiman Kamado, mas, como no caso anterior, os textos estão apenas em japonês.

Em ambos os casos, os fãs tiram fotos e deixam mensagens com desenhos ou mencionando a série. É comum, ao visitar um templo xintoísta, deixar mensagens em plaquinhas de madeira, com desejos e preces – essas plaquinhas são chamadas Ema. Mesmo com tantas coincidências, a Shueisha nega qualquer relação oficial entre os locais e a trama de Kimetsu no Yaiba.

 

A Pedra

A pequena cidade de Yagyu, na região de Nara, atraiu a atenção de muitos fãs e, principalmente, cosplayers de Demon Slayer por causa de uma pedra peculiar. Chamada Ittoseki (“pedra cortada”), ela tem em torno de 7 metros e está dividida no meio, parecendo rasgada por alguma lâmina muito poderosa (e gigante). De acordo com a Associação de Turismo de Yagyu, o interesse no local teve um boom em outubro de 2019.

Na história de Kimetsu, Tanjiro divide uma pedra enorme ao meio enquanto treina para entrar no Esquadrão de Exterminadores de Onis. Por isso, muitos fãs querem ir para lá e tirar fotos, reproduzindo a cena em um cosplay de Tanjiro. A Associação passou até a oferecer quarto na residência Yagyu (um antigo clã da região), por 1000 ienes por dia, além de uma autorização que permite tirar fotos em mais 11 locais.

Cosplayer vestido de Tanjiro, de 'Kimetsu', frente à pedra em Nara.

Cosplayer como Tanjiro. | Via Sankei News. | Reprodução.

A lenda diz que Muneyoshi Yagyu, fundador do estilo de arte marcial com espadas Yagyu Shinkage-ryu, cortou a pedra enquanto treinava todas as noites com um tengu (outra entidade do folclore japonês). Curiosamente, quem guia o treinamento de Tanjiro e pede para ele cortar a pedra na trama é Urokodaki, personagem com máscara de tengu. A Sankei News aparentemente não tentou contatar a Shueisha sobre a similaridade entre o local e a série.

 

 

Meras Coincidências?

 

Mensagens ("Ema") no templo Hamachi Kamado.

Mensagens deixadas no templo Hachiman Kamado, muitas delas possuindo desenhos de ‘Kimetsu’. | via Oita Press. | Reprodução.

É relativamente comum existirem similaridades entre lugares fictícios e lugares reais. Não sabemos muito sobre a autora de Demon Slayer, Koyoharu Gotouge, mas poderia ela conhecer ao menos algum desses lugares? Apesar do pronunciamento da Shueisha indicar que não há relação, não é de todo impossível.

Ao escreverem obras, autores geralmente se inspiram em lugares e pessoas que conhecem no mundo real, por isso, pode até existir uma relação não proposital entre os locais e série (ou proposital mesmo, vai saber). Apesar do fenômenos, Kimetsu não foi a primeira – e nem será a última – série a estimular o turismo, acidentalmente ou não.

É mais comum, obviamente, isso ocorrer com séries com lugares reais, como foi o caso da Biblioteca Pública de Nova Iorque, “ponto turístico” de Banana Fish – podem apostar no aumento de fãs de Haikyuu visitando o Rio de Janeiro por causa da reta final da série, com Hinata no Brasil. Coincidência ou não, é interessante ver as proporções que o sucesso de um animê pode tomar.


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