Boku no Hero academia (ou My Hero Academia, vai da sua preferência) é fácil uma das ideias mais legais e bem executadas da indústria pop japonesa atual. O animê, ainda em exibição e com uma quinta temporada já anunciada, é um dos mais divertidos da década passada, reunindo uma porção de personagens cativantes, subtextos bacanas e arcos intrigantes dentro de uma fórmula “shounen de lutinha” que, para muitos, já pode estar batida em repetições, mas é aqui executada em perfeição. E ele não tem vergonha de ser assim, não tenta disfarçar adicionando camadas de filtros fúnebres para que possa ser confundido com algo mais adulto à distância. É fun, colorido, berrante, ligeiramente ridículo até. A epítome do conceito de desenho de ação japonês “para meninos” – e aqui me refiro somente à demografia oficial, pois ele pode e deve ser apreciado por todo tipo de público.
Posto isso, é uma pena que o segundo filme da franquia, A Ascensão dos Heróis, seja tão básico e “não cinematográfico”, funcionando mais como um episódio longo, mas menos aprofundado (já chego nisso), da série de TV do que como um longa-metragem em todas as possibilidades que o meio exigiria e proporcionaria ao espectador. Isso não faz dele um produto ruim, já que há entretenimento garantido do início ao fim. Mas fica ali aquela impressão de que o resultado poderia ser ainda melhor caso embutissem um pouco mais de empenho para que ele preenchesse checkpoints condizentes com a mídia escolhida para contar essa história.
Na trama, Deku, Bakugo e os demais alunos da turma 1-A são selecionados para agirem como os heróis oficiais de uma pacata ilha que já não tem mais o seu protetor de anos. Essa seria uma tarefa fácil, visto o lugar não abarcar um crime mais sério há décadas, restando ao grupo tarefas rotineiras, como consertar baterias de veículos, procurar malas perdidas de turistas, carregar idosos e coisas no estilo. Contudo, o local é invadido por um quarteto de vilões liderado por Nine, um experimento que adquiriu a habilidade do All For One de absorver as individualidades alheias. Com o intuito de roubar os poderes de regeneração celular dum menino chamado Katsuma Shime, eles isolam a ilha de comunicações e começam a destruir tudo por onde passam, restando aos estudantes salvar o moleque, proteger os cidadãos e sobreviver ao ataque sem o auxílio de nenhum herói profissional. Aí está o nosso filme.
O plot é muito legal, mas o lance é que isso tudo, talvez, ficasse bem melhor caso inserido dentro da série de TV, tomando um número considerável de episódios, pois teria assim mais tempo garantido para seu desenvolvimento. Em um pouco menos de duas horas de rodagem, a impressão final é de que o roteiro e a direção não souberam construir uma narrativa cinematográfica eficaz por si só. Como disse, a experiência não chega a ser ruim, mas também não carrega aquela grandiosidade que filmes assim de ação necessitam, consequentemente não impressionando de verdade.
Acredito que algumas coisas poderiam ser melhor explicadas. As motivações do Nine não são aprofundadas. Ele quer criar um mundo onde os títulos de “herói” e “vilão” não valerão de nada, com a importância estando na quantidade de poder que cada cidadão carrega. Aqueles que teriam mais dominariam aqueles que teriam menos. Porém, o porquê disso, como ele formulou essa ideia, o que levou ele para esse pensamento, não acha lugar na trama. Assim, ele é só um agente do caos, o “mal” em si, sem camadas. O texto faz um pouco mais por Chimera, um dos capangas. Considerado um monstro por sua individualidade misturar diferentes animais em sua aparência física, a proposta de mundo oferecida por Nine lhe enche os olhos, fazendo sentido que ele siga o vilão e se arrisque por ele. Já Mummy, um cara com ataduras que consegue mover objetos físicos como fantoches quando os envolve com elas, e Slice, que solta espetos de cabelo, são tão unidimensionais quanto seu líder.
Do lado dos mocinhos, os arcos narrativos também não engajam com tanta importância. Dos heróis, Bakugo é o com maior destaque, mas a experiência que ele deveria adquirir, na verdade, já vinha sendo construída na série. Ela se resume a entender que, nas lutas contra o Nine, ele precisa da ajuda do Midoriya, pois não dará conta do vilão sozinho. Entre os inéditos do filme, o menino Katsuma, alvo dos bandidos, é quem está no centro. Todavia, novamente, não há para ele um arco de crescimento realmente significativo. Ele começa o filme querendo se esforçar para ser um herói no futuro, então termina o filme querendo se esforçar para ser um herói no futuro. Aí está o maior problema em A Ascensão dos Heróis: ninguém parte de um ponto a outro e evolui de verdade nesse caminho. Nada do que é feito serve à história (e ao público) como aprendizado. A única adição dessa quest em questão de lore é a descoberta de expansão dos poderes de um personagem, mas isso só aparece mesmo nos momentos finais do longa.
Elencando assim tantos pontos negativos, pode parecer que esse filme é bem ruim de assistir, mas não é bem esse o caso. Em questão de ação pela ação, são várias as cenas bem legais de ver, onde os personagens utilizam suas individualidades de maneira criativa em tela. Tem uma parte envolvendo pedregulhos e a Ochaco Uraraka que são puro entretenimento. A luta de alguns alunos contra o Mummy, onde ele converte vários elementos do cenário em soldados, é bem bacana. E quando o Todoroki usa ao máximo seus poderes congelantes em alguém, o resultado é esteticamente excelente.
Ao fim, rola muito bem como uma opção descompromissada de animê, que satisfaz pelo capricho com a adrenalina e o estilo visual característico de Boku no Hero. Como um gostinho a mais para os fãs. E é essa mesma a fatia de público buscada quando esses longas-metragens de animês atuais vão pras telonas nipônicas. Só não é, ahn, “cinematográfico” o bastante para colar como filme. Vale a conferida, mas sem tantas expectativas.
E a dublagem?
Sendo novamente distribuído pela Sato Company, o filme mantém o elenco de vozes utilizado ano passado em 2 Heróis (leia aqui a crítica do colega Rafael Jiback), também distribuído por aqui com dublagem em português. A única exceção é a voz da Ochaco, agora vivida por Bianca Alencar. Outra diferença é que o estúdio responsável agora é o Dublavídeo (de Bucky, Shurato, El Hazard e Slayers), com direção do Rogério Vieira, e não mais o Unidub.
Não sou o maior entendedor de dublagem e adaptação, mas creio que trabalhos do tipo são eficazes quando conseguem dragar o espectador para a história como se ela fosse mesmo contada no idioma natal dele. E My Hero Academia 2: A Ascensão dos Heróis faz isso na maioria do tempo. As exceções que me tiraram da experiência um pouco, em minha opinião, foram duas: ao não traduzirem “Kachan”, apelido que o Midoriya e outros personagens chamam o Bakugo, perdendo assim todo o sentido vexatório original nele, já que “-ちゃん” não é um honorífico que faça sentido no nosso idioma sem a tradução (em dado momento, até chamam ele de “Kazinho”, mas é só uma vez); e quando colocam o Katsuma para repetir “maninho Deku” ao se referir ao Midoriya, provavelmente numa tradução quase literal de “お兄にいさん“, pois esse tratamento por honoríficos familiares, ainda que seja comum no Japão, não é usado dessa forma aqui no Brasil.
Essa resenha foi feita utilizando um screener disponibilizado pela Sato Company como material de divulgação do filme para a imprensa antes de seu lançamento.
My Hero Academia 2: A Ascensão dos Heróis está disponível para aluguel e compra no Looke (confira aqui). O filme, em sua versão brasileira, ainda chegará nas plataformas NOW, Claro Vídeo e Vivo Play na próxima semana (segundo a Sato Company, a estreia deve ser no dia 22 de outubro).
Queria saber se é canônico o filme.
Deve ser, mesmo com o migué do roteiro terminando o filme como começou.