Outro dia eu postei uma notícia aqui no JBox sobre o lançamento do mangá de Gorenger nos EUA. Na ocasião, um leitor havia questionado sobre a inclusão da série na franquia Super Sentai. Pensando cá com os meus botões, resolvi escrever sobre Gorenger e JAKQ serem ou não os pioneiros da mesma, fato que pode ser controverso até, mas que tem um sentido.

Para entendermos melhor, vamos traçar uma linha divisória entre antes e depois dos anos 1990.

Antes dessa década, o entendimento de Super Sentai era outro, diferente do que conhecemos. Ou seja, o conceito estava se formando. Como sabemos, Himitsu Sentai Gorenger (Esquadrão Secreto Gorenger, 1975~77) e JAKQ Dengekitai (Tropa Relâmpago Jacker, 1977) são criações de Shotaro Ishinomori (1938~1998), o mangaká responsável também pelas criações de Kamen Rider, Cyborg 009, Ganbare!! Robocon, entre outros. Talvez você tenha ouvido falar de um boato de que ambas as séries não foram incluídas na franquia por direitos autorais e coisas do tipo. Mas não é bem assim.

Spiderman foi uma das produções da Toei em 1978, o ano sem Super Sentai | Divulgação/Toei/Marvel

Vamos agora fazer uma breve viagem para o final de 1978 (o ano que não teve série Super Sentai). As únicas séries que a Toei Company estava produzindo eram Ganbare! Red Vickies (série sobre beisebol, assinada por Ishinomori) e Spiderman (a versão nipônica do Homem-Aranha, roteirizada pela equipe que atende pelo pseudônimo Saburo Hatte). Ambas estavam com os dias contados. A primeira chegou ao fim em 29 de dezembro e a segunda em 14 de março do ano seguinte. Nesse período, a Toei estava enfrentando a sua primeira instabilidade de super-heróis (a segunda ocorreu em 1981). A produtora tinha que correr atrás para criar uma nova série para o ano de 1979, para não ficar no prejuízo, digamos assim. Ela ainda tinha a parceria com a Marvel e a concepção seguiu os moldes de Spiderman.

O projeto inicial se chamava Captain Japan. Se você associou a referência ao Capitão América, acertou. O Steve Rogers asiático se chamaria Masao Den (esse nome é familiar, eu sei) e ele seria um ciborgue que enfrentaria a organização secreta Beta. Assim como o cabeça-de-teia oriental, Captain Japan teria uma nave-mãe que se converteria para um robô gigante. No caso, era o Captain Baser que mudaria para o modo de combate Nelson. O diferencial de Captain Japan era que o herói-título teria uma ajudante chamada Miss America. Nada menos que a contraparte da Miss Marvel.

No meio da pré-produção, o desenvolvimento seguiu outro caminho ao serem incluídos mais três heróis. Originalmente baseado em Leopardon (de Spiderman), o robô gigante Nelson passou a ter uma aparência de samurai. A organização Beta mudou de nome para Egos. E o herói Captain Japan mudou de nome para Battle Japan. Portanto, surgia Battle Fever J, o verdadeiro embrião das séries Super Sentai, historicamente falando. Mas vale lembrar que tal série não foi feita pretensiosamente para formar uma franquia. A ideia surgiu naturalmente, como qualquer outra do gênero tokusatsu. Em outras palavras, o termo Super Sentai sequer era utilizado. Aliás, o termo começou a ser mencionado em meados de 1981, com Taiyou Sentai Sun Vulcan (Esquadrão Solar Sun Vulcan), quando houve praticamente um estabelecimento dessa linha.

Os líderes de Gorenger, JAKQ, Battle Fever J, Denziman e Sun Vulcan | Divulgação/Toei

Tudo ainda era incerto, pois dependia do sucesso. Geralmente uma série tokusatsu dura um ano. Caso alguma não tivesse audiência na época, ela poderia ser cancelada sem mais nem menos. Por cautela, a Toei fazia contratos de cerca de seis meses com os artistas. Foi o que afirmou, certa vez, o ator Ryusuke Kawasaki, que interpretou Ryusuke Ohwashi, o primeiro Vul Eagle em Sun Vulcan. Como ele não renovou, o ator Takayuki Godai entrou em seu lugar, interpretando Takayuki Hiba, o segundo – e definitivo – Vul Eagle. O mesmo viria a acontecer com a atriz Takako Kitagawa, que interpretava a líder das Zero Girls. A vilã foi morta antes da metade de Sun Vulcan. Quem também estava na dança das cadeiras era o ator Kinya Sugi, que interpretava o Kinya Samejima/Vul Shark, mas felizmente seu contrato foi renovado.

Voltando a falar sobre Battle Fever J: não foi feito originalmente para formar uma franquia de heróis multicoloridos e tampouco foi baseado em Gorenger e JAKQ. Sua origem veio do sucesso de Spiderman. Outra coisa que temos que considerar é que não havia necessidade de creditar Ishinomori, pois ele não fazia parte da “sequência” de ambas.

Dito isso, vamos agora entender porque Gorenger e JAKQ foram canonizados nas séries Super Sentai. Isso é um mistério – ou quase. Provavelmente o motivo seja a antecipação do 20º aniversário da franquia. Caso Battle Fever J ainda fosse considerada a primeira série, os 20 anos de Super Sentai seriam celebrados em 1999.

Ohranger antecipou o 20º aniversário da franquia | Divulgação/Toei

O fato é que, de vez em quando, algumas publicações antigas citavam Gorenger e JAKQ como Super Sentai. Um exemplo disso era o livro Chodenshi Bioman Dai Hyakka (1984), da editora Keibunsha. Mas não dá pra levá-lo muito a sério, pois Ninja Captor (1976) também era citado como Super Sentai. Cho Seiki Zen Sentai Daizenshu, publicado em 1993 pela editora Kodansha, foi o primeiro livro que incluiu oficialmente os esquadrões de Ishinomori na franquia. Ou seja, eram listados de Gorenger a Dairanger. A editora Shogakukan demorou para fazer o mesmo em seus livros. A primeira edição do livro Super Sentai Chozenshu, de 1990, listava Battle Fever J até Fiveman. A segunda edição, de 1993, listava de Battle Fever J até Dairanger. Finalmente, a terceira edição, de 1995, listou de Gorenger até Ohranger.

Matematicamente falando, Choriki Sentai Ohranger era pra ser a 17ª série Super Sentai. Porém, foi anunciada como a 19ª, considerando Gorenger e JAKQ como as duas primeiras séries da franquia e Battle Fever J como a terceira. Essa mudança criou alguns furos. O 10º aniversário de Super Sentai era de Turboranger e acabou “ficando” com Changeman. Demorou, mas Ishinomori acabou sendo creditado, ao lado de Saburo Hatte, a partir de 2011, com Gokaiger, a série que celebrou os 35 anos de Super Sentai.

Ainda sobre Ohranger, a ideia inicial era fazer algo parecido com Gorenger – com um enredo mais sério e apresentando uma organização militar que lutaria para defender nosso planeta. Mas em 1995 aconteceram duas tragédias que abalariam o Japão: o grande sismo de Hanshin-Awaji (em 17 de janeiro) e o ataque com gás sarin ao Metrô de Tóquio (em 20 de março). Sendo seu último trabalho como produtor, Takeyuki Suzuki havia se questionado se era mesmo viável adotar essa linha mais sisuda em Ohranger. Ao concluir que os males da vida real eram maiores que qualquer organização maligna de uma série voltada para o público infantil, Suzuki decidiu deixar de lado o tom mais sério e inserir elementos cômicos na trama – mesmo contra a vontade da equipe.

Cena de JAKQ vs. Gorenger (1978), o primeiro crossover das séries Super Sentai | Divulgação/Toei

Vários roteiristas de Super Sentai trabalharam em Ohranger, inclusive o saudoso Shozo Uehara (falecido em janeiro deste ano), que foi roteirista principal de Gorenger e JAKQ. Uehara escreveu para 7 episódios, além do filme da série para o extinto Toei Super Hero Fair. Curiosamente, o astro Hiroshi Miyauchi (mais conhecido pelo público brasileiro como Chefe Masaki em Winspector e Solbrain) interpretou o Comandante Miura. No passado, ele foi Akira Shinmei/Ao Ranger em Gorenger e Soukichi Banba/Big One em JAKQ. Apesar dessas tragédias que marcaram a Terra do Sol Nascente, o ano de 1995 deu novos ares para as séries Super Sentai.

Gorenger e JAKQ foram duas séries que tiveram suas próprias origens e jamais surgiram como Super Sentai. Foram incluídos duas décadas depois. Perguntas como não ter uma série da franquia em 1978 ou JAKQ e Battle Fever J não terem os kanjis 戦隊 (Sentai) em seus respectivos títulos podem surgir na mente de quem está se aprofundando em tokusatsu. Foi uma mudança estranha, mas quem tem a última palavra é a Toei. Mas é preciso lembrar disso, considerando que já tivemos várias publicações (seja aqui no Brasil ou mesmo no Japão) que citam as duas séries de Ishinomori esquecendo ou ignorando que houve um curioso processo para que elas se tornassem os desbravadores oficiais da franquia.


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