Chuto que uma coisa bastante característica do processo de amadurecimento pessoal, vindo com a idade, é a negação da infância. Negação essa que pode ocorrer, ao se posicionar em meios sociais adultos, quando elementos que foram bem inerentes a tal período inicial da vida são deixados de lado, natural ou ativamente da parte do indivíduo.
Brinquedos, programas de TV favoritos, filmes, músicas, ídolos admirados, ambientes frequentados, amigos feitos: essas são só algumas das peças constituintes do todo infantil que, quando mais velhas, pessoas podem rejeitar. Afinal, estão se formando como sujeitos. Estão “matando seus pais”.
A cultura pop, em seus múltiplos desdobramentos, retratou essa coming of age ceremony através de diferentes pontos, buscando a identificação de diferentes públicos. Em Toy Story 3 (2010), por exemplo, Andy, o dono dos brinquedos, prepara-se para ir à faculdade e já há algum tempo guardava Woody, Buzz e os demais companheiros de diversão num local isolado.
Na música, isso também é bem comum: a cantora pop Miley Cyrus, que ficou conhecida quando criança por interpretar a personagem Hannah Montana na série de mesmo nome, do Disney Channel, em 2013, declarou que gostaria de apagar suas músicas antigas. À época, ela promovia seu primeiro disco fora da Hollywood Records, gravadora da Disney, e buscava se distanciar da imagem da personagem que lhe deu fama anos antes.
Tomando essa ideia de amadurecimento como abdicação da infância, Digimon Adventure: Last Evolution Kizuna se mostra um dos recortes mais agridoces da franquia de monstrinhos digitais em todos os tempos. É um excelente filme sobre envelhecer, mas fazer isso sem deixar que as coisas boas dos tempos de crianças sejam totalmente apagadas.
Dirigido por Tomohisa Taguchi (de filmes de Persona) e escrito por Akiyoshi Hongo e Akizuki Yamatoya, o longa-metragem se passa 5 anos após os eventos ocorridos em Digimon Adventure: Tri.
Nele, digimons já não são uma grande surpresa no mundo humano, várias pessoas carregam seus parceiros digitais e o número só tende a crescer dali em diante, o que leva os digiescolhidos a criarem uma força tática para lidar com problemas relacionados a isso utilizando portais digitais que permitem que eles viagem por todo o planeta.
Tai e Matt estão prestes a se formar na faculdade, Izzy chefia sua própria empresa, Mimi possui uma start-up, Joe é um médico, TK, Kari e os digiescolhidos da fase Zero Dois, mais novos, levam a vida duma maneira mais descontraída e Sora preferiu deixar tudo isso de lado para trabalhar com arranjos de flores tradicionais.
Contudo, diversos digiescolhidos ao redor do mundo estão entrando em coma de uma hora para outra, fato esse que parece ser causado por um novo digimon, o Eosmon, que transita pela internet. Como ajuda para investigar o mistério, uma pesquisadora chamada Menoa se apresenta à Izzy e os outros, que já são conhecidos mundialmente por suas atuações.
Só que o maior de todos os problemas surge quando, durante o primeiro embate contra o novo vilão, um contador surge nos digivices do Tai e do Matt, indicando o tempo que eles ainda teriam como parceiros de Agumon e Gabumon. Caso evoluíssem seus companheiros mais vezes que os ponteiros indicavam, os dois digimons desapareceriam.
São muitos os trunfos em Last Evolution Kizuna, muitos os pontos altos, muitos os momentos onde é possível enxergar a dedicação de todos os envolvidos para não só honrar a mitologia que tinham em mãos, mas também elaborar um filmaço que consegue tocar fundo fãs que cresceram com a franquia.
Essa é uma história sobre as dores do crescimento, sobre nostalgia, sobre idealização, sobre tristeza e felicidade. Onde vários paralelos podem ser traçados com a vida real utilizando conceitos provenientes da própria série.
Enxergo o roteiro como um belo retrato da vida adulta. Todo ele é uma grande alegoria para os conflitos existentes nela, em crescer. Seus lados bons e ruins são representados através da figura do Tai. Enquanto ele se vê parcialmente livre, com o direito de viver a vida morando sozinho, tendo seu emprego e quase terminando a faculdade, o rapaz ao mesmo tempo sente-se ligeiramente culpado por abandonar o passado.
Passado esse que pode ser representado pelo Agumon, como um totem do que viveu em sua infância no Digimundo. Tanto que, até certo ponto do longa, ele ainda sequer havia levado o amiguinho em seu apartamento, mesmo já morando fora há bastante tempo.
Nessa cena do apartamento, ocorre um embate decisivo entre os pontos de vista “infantil” e “adulto” quando Agumon encontra revistas pornográficas escondidas em baixo da cama do Tai. É “coisa de adulto”, o Digiescolhido responde, tentando contornar a situação. Agumon é a sua infância e não há espaço para sua infância em determinados âmbitos de sua vida. Super sutil, mas tão significativo.
Só que o filme vai ainda mais a fundo nas discussões sobre amadurecer quanto estabelece, através do verdadeiro vilão da trama, um paralelo entre esse crescimento ser ou não natural. Tal vilão, por determinados motivos, teve a infância reduzida, pulou direto para uma fase mais avançada sem ter se preparado de verdade para isso.
Seu grande plano, ao fim, é forçar a felicidade da infância nos outros, para que eles aproveitem tudo o que ele não pode – ainda que obrigados. De novo, bem sutil, mas estrondosamente significativo.
Ele abre tantas discussões. Faz pensar sobre viver cada ponto da vida ao máximo do que é disponível, sobre não se cobrar tanto para o futuro, sobre não estabelecer para si metas de sucesso que a sociedade tenta vender como ideais. Os digiescolhidos tiveram o privilégio de caminhar por toda a estrada do crescimento, o que permitiu que, mesmo ao fim dela, tivessem aproveitado o que podiam com seus companheiros digitais. Mas e se isso fosse retirado deles forçadamente?
Há espaço para a nostalgia, mas ela não está lá só pelo easter egg, sim para uma válvula que toca a trama para frente. O roteiro utiliza alguns elementos que são comuns ao lore de Digimon em situações da trama onde faz sentido que eles apareçam.
O design da internet em determinado segmento se assemelha bastante ao usado no segundo filme, Our War Game! (2000). Em dois momentos diferentes, envolvendo um Parrotmon e um apito, rolam rimas visuais com o primeiro filme, Digimon Adventure (1999), lançado antes mesmo da estreia do animê, como um preview do que poderiam esperar. A menção a esses filmes dá a Kizuna um sentido de ciclo se fechando.
Já outras alusões, como as digievoluções combinando digimon e digiescolhido (da temporada Tamers), as aparições da Meico (Tri), do Willis (Transcendent Evolution! The Golden Digimentals, o terceiro filme) e uma versão orquestral de “Target”, trilha sonora de Digimon Zero Two, entrando quando os personagens da segunda temporada aparecem pela primeira vez, são aqueles toques de carinho que tornam tudo muito mais especial.
O filme coloca os espectadores da série original de 1999, agora crescidos, na pele dos personagens. Nós crescemos e agora eles também, com problemas, inseguranças e vitórias que só quem já tem uma certa idade consegue compreender.
É necessária certa maturidade para entender, por exemplo, a decisão da Sora, que ultrapassou sua infância antes dos outros. Ou para se identificar com a falta de urgência que Davis e os outros Zero Twos lidam com a situação retratada, já que são mais jovens e estão colocando sua atenção em outras experiências. E para ter o coração partido na devastadora cena final, quando Tai e Matt, enfim, se descolam de seu passado.
Digimon Adventure: Last Evolution Kizuna é um filme lindo, emocionante, de tirar o fôlego. Uma obra que utiliza as táticas artísticas competentes ao mundo cinematográfico na medida certa para comover o espectador. Uma peça de amor à franquia que nunca havia sido feita antes. Honestamente, será difícil Digimon ficar melhor que isso daqui pra frente.
Digimon Adventure: Last Evolution Kizuna ainda não foi oficialmente lançado no Brasil, mas, para quem entende inglês e pode pagar, a versão em home video pode ser importada dos EUA e do Japão em diversos sites.
O texto presente nessa resenha é de responsabilidade de seu autor e não reflete necessariamente a opinião do site JBox.
Filme sensacional. No aguardo para uma (possível) continuação.
O final do 02, onde mostra todos adultos acontece em 2028.
Realmente, filme bem comovente. Mas acho que ja está bom de onde parou.
Um dos melhores filmes de anime que vi, e não é porque é do meu anime favorito (afinal o Tri teve pontos baixos e defeitos que não passei pano) mas o filme é completo, conseguiu encerrar a jornada dos digiescolhidos, mesmo que não tenha mostrado eles igual no final do 02, terminou bem e sabemos que no futuro o Tai e Matt reencontrarão seus parceiros, mas até lá eles ficarão sozinhos mas cada um seguindo seu sonho como o Tai sendo diplomata e Matt um astronauta.