O amor é uma guerra. Essa é a premissa básica de Kaguya-sama: Love is War e, inclusive, de diversas outras obras por aí. Uma ideia que na vida real talvez traga mais dor de cabeça que satisfação, mas capaz de funcionar muito bem no entretenimento.

A ideia geral do mangá é colocar dois personagens, Kaguya Shinomiya e Miyuki Shirogane, no meio de uma disputa de quem se declara primeiro. Estudantes em uma escola de elite, ela é filha de um dos maiores empresários do país e ele, um “plebeu” que está lá por suas notas, sendo o primeiro da turma.

Ele é o presidente do conselho estudantil, e ela, a vice-presidente. Com a convivência de ambos nesse ambiente, surgem boatos de um namoro entre eles. No começo, os sentimentos são “se ele/ela se declarar, até dou uma chance”, mas isso logo evolui para um xadrez 4D onde um faz de tudo para o outro se declarar. É um jogo, e perde quem for honesto primeiro.

Orgulho é o fator que mais parece atravessar essa relação. Kaguya não quer ceder devido à sua linhagem, os Shinomiya não se prestam a esse papel. Já Miyuki possui seu orgulho de homem, ou de “gênio”, enfim, ele também não quer ceder. Esse pode não parecer um bom pontapé inicial (e nem uma boa forma de se enxergar relacionamentos), mas toda história é potencialmente boa, então vamos lá.

A ideia não é ruim. Aliás, diria até haver um certo mérito em criar tramas de romance nas quais a tensão tenta fugir de clichês como protagonistas correndo atrás de alguém desesperadamente, ou então levando tempo para perceber seus sentimentos.

Em Kaguya-sama, os dois já parecem entender que possuem interesse um pelo outro e, inclusive, até imaginam ser recíproco, eles só não querem largar o osso. Essa é para ser a graça da comédia romântica. O problema é que esse casal não tem química alguma.

Imagem: Kaguya jogando mico com Shirogane, os textos dizem "Então ele... Vai se enganar... E achar que quero ir no cinema com ele a todo custo".

Reprodução.

Os capítulos colocam eles em diversas situações onde alguém quase se declara. Como isso não pode acontecer tão rápido, há sempre uma quebra de expectativa.

Às vezes, faz parte do “plano infalível” de algum dos dois, mas um recurso já bastante óbvio para emperrar esse namoro é a personagem Chika Fujiwara, a extrovertida secretária do conselho estudantil, próxima de ambos personagens.

A Chika é como uma zona neutra nessa guerra. Aparentemente alheia às trincheiras instauradas na escola, a garota bagunça toda cena como um furacão, mudando o rumo de qualquer conversa. Não por menos, é quem rende os momentos mais divertidos do volume.

É como se o autor Aka Akasaka soubesse que uma trama sustentada por Kaguya e Miyuki logo se tornaria enfadonha – sinceramente, a maior curiosidade é como ela vai se sustentar por mais um volume sequer, pois já está bastante cansativa, mesmo considerando o tom humorístico.

Essa dinâmica enjoa rápido e as incontáveis narrações ao longo do encadernado também não ajudam a torná-la mais palatável. O narrador deve funcionar muito melhor na animação, já que os recursos audiovisuais permitem infinitas formas de aproveitá-lo, mas, em texto, fica apenas chato e cansativo.

A falta de química entre os dois não é um problema dos personagens em si, mas de suas interações um com o outro. Constantemente jogando, não há espaço para mais nada entre eles. Chega ao ponto de precisarmos de uma cena na qual Miyuki conta a um outro personagem o que pensa sobre Kaguya, enquanto ela ouve pela porta, sem ele saber – é extremamente bizarro que nada aconteça após isso e a série siga como se esse momento nunca tivesse ocorrido.

A ausência de interações mais signficativas destaca a guerra em curso, tornando-a mais interessante que pensar ou torcer por um eventual relacionamento entre eles, ficando até um pouco difícil dizer se nesse mangá existe a parte “romântica” ou é só uma sátira sobre fazer joguinhos.

A tensão é mais pontual em “como essa cena vai se resolver?” do que “quando/como eles vão se acertar?”, porque você sabe que eles não vão no futuro próximo e isso, no fim, vai literalmente perdendo a graça. O humor também aparece mais forte nos momentos de respiro, as cenas onde Kaguya se depara com questões do dia-a-dia comum, com as quais não está acostumada, são mais engraçadas que seus planos mirabolantes envolvendo o Miyuki.

Imagem: Kaguya escolhendo assentos no cinema. Os diálogos dizem "Como assim reservar assento?"/"Kaguya Shinomiya é de uma das famílias mais ricas do país!"

Reprodução.

Conforme conhecemos os personagens como pessoas com sentimentos, essa “briga” começa a dar certa pena pois parece apenas uma bobagem sem fim. Fujiwara se destaca tanto justamente por ser a “personagem anti-jogos”, interagindo com ambos de forma natural e espontânea, como uma colega ou amiga. Sua personalidade e gostos bastante peculiares também somam bastante ao seu carisma.

Akasaka ainda percebeu logo de cara o problema de uma personagem como Kaguya dentro da narrativa. Quando outros personagens estão em cena, o Shirogane consegue se mostrar de forma mais genuína na frente deles. Mas a Shinomiya é alguém em constante modo de defesa.

Por exemplo, só sabemos que Chika e ela são amigas ao ponto de uma dormir na casa da outra porque um texto jogado no meio do volume informa isso – mesmo com a garota chamando-a de “Kaguya-san”, as ações de Kaguya com a “amiga” quase não indicam qualquer proximidade da parte dela.

Imagem: Chika colocando comida na boca sa Kaguya, dizendo "Kaguya-san... Abre a boquinha".

Reprodução.

Uma garota assim não vai “baixar a guarda” tão facilmente dentro do conselho estudantil, e ficaria fadada a um desenvolvimento meia-boca via pensamentos expositivos. Provavelmente já driblando isso, ganhou um capítulo solo, onde começamos a conhecer melhor a verdadeira Kaguya. É curioso que esse é, em toda trama até então, o momento em que melhor vemos seu potencial.

Longe das interações com seu interesse romântico, Kaguya se mostra uma personagem interessante, para além do estereótipo da rica mimada criada numa bolha, e nos faz querer conhecê-la melhor. Isso apenas ressalta a falta de química desse casal: os personagens em si não são ruins, mas as interações entre eles sim, por serem superficiais e, sinceramente, cansativas.

Apesar de termos um pouco mais de pinceladas na jovem, que é ainda um pouco mais carismática, Miyuki também promete questões interessantes, principalmente quanto a suas motivações e vivências na Academia Shuchiin, um provável lugar de extremo despertencimento para um garoto vindo de uma família comum. Não dá para saber, só por esse volume, se a obra entra em algo assim, mas há um espaço interessante para diversas discussões.

Enfim, esse jogo não parece um campo muito frutífero para os protagonistas em si, mas rende momentos maravilhosos, principalmente com personagens secundários. Se o mangá se afastar desse campo minado nos próximos volumes, pode render algo muito mais divertido. Por enquanto, Chika Fujiwara parece capaz de roubar qualquer cena, acidentalmente denunciando que ninguém vence quando faz do amor uma guerra. Resta saber quando Kaguya e Miyuki vão perceber isso.


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Ficha Técnica

Imagem: Capa brasileira do volume 1 de 'Kaguya-sama: Love is War'.

Divulgação: Panini.

Kaguya-sama: Love is War
Aka Akasaka
R$ 29,90
Editora Panini
Status no Japão: Em andamento com 21 volumes
Status no Brasil: 2 volumes lançados
Periodicidade no Brasil: Mensal
Licenciante: Shueisha

 

Capa: Cartão
Formato: 13,7x20cm
Páginas: 216, papel offwhite 66 (4 páginas coloridas em chouché 90)
Tradução: Caio Suzuki
Editor-chefe: Elcio de Carvalho
Gerente editorial: Beth Kodama
Produção editorial pela Mythos Editora


Esta resenha foi produzida com base no primeiro volume de Kaguya-sama, cedido como material de divulgação para o JBox pela editora Panini.


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