Na década de 1950 para 1960, Joseph Hanna e William Barbera revolucionaram a forma de se fazer desenhos para TV. Com clássicos atemporais, eles popularizaram a animação limitada, conceito já utilizado no cinema e uma forma barata de se fazer imagens feitas em folhas de acetato se moverem. O macete era simples: fazer o mínimo de quadros movimentados, e quando fizesse, repetí-los o quanto desse.
Pegue qualquer episódio de Os Filntstones e veja apenas o rosto dos personagens se moverem (numa coloração destoante do resto do corpo) e as corridas pelos mesmos cenários. Mas isso tudo tinha um propósito, afinal, era uma era mais primitiva – ba dum tsss – e não se tinha como gastar muito em qualquer produção, principalmente em séries. O modelo se mostrou vantajoso e muitas empresas seguiram a fórmula com outros desenhos que também marcaram época; e aqui lhe convido a rever os rolamentos reciclados do He-Man, só para ter uma ideia.
A indústria japonesa também seguiu o mesmo caminho, com personagens quase não se movendo, cenas de longas conversas telepáticas, personagens de fundo num eterno mannequin challenge e golpes reutilizados a exaustão. Não que isso seja um demérito, ao contrário, são produtos de sua época; uma época na qual a história conseguia vencer qualquer limitação orçamentária e aceitávamos o que tinha.
Os anos passaram, e o ramo da animação foi evoluindo. Por mais que ainda se precise economizar, novas tecnologias como o flash e o 3D vieram para ajudar os animadores. Claro, nem tudo é perfeito, mas se compararmos a animação de hoje com a de 10 anos atrás, a melhora (na maioria dos casos) chega a ser ululante. Se por um lado temos Eizouken, BEASTARS e Demon Slayer como bastiões de boas animações, do outro temos… Gokushufudou.
Antes de entrar na história do animê, precisamos tirar o elefante da sala. Todos vimos, desde o anúncio da série, muitas críticas em relação ao estilo usado na animação. E devo dizer que toda a raiva sentida é justificável, pois a falta de animação chega a ser insultante, não só a nós espectadores, mas também a toda indústria. É difícil acreditar que, em 2021, temos uma animação similar às motion comics da década retrasada – e sua falha em fazer sucesso já naquela época diz muito sobre o formato.
Claro, pode aparecer alguém defendendo, dizendo sobre escolha artística da produção. Ora, se era pra manter igual, por que fazer? A graça de adaptações é justamente saber como aquela história se sairá numa mídia totalmente diferente. E a animação com certeza é a que melhor favoreceria o mangá – e sim, estou ciente de que há uma adaptação em série live action, mas não vamos entrar nesse campo, pois seria até humilhante – principalmente por se tratar de uma comédia que usa humor físico em alguns momentos chaves e cenas de luta. Os traços do mangá são bonitos, e aqui continuam, mas os quadros parados apenas os deixam sem vida.
Tirado o paquiderme da sala e todos concordando que a falta de animação foi um erro, vamos à história.
Tatsu era um membro da Yakuza, famosa organização criminosa que age no Japão. Agindo dentro do grupo, ele ganha fama e a alcunha de Imortal por seus inimigos, pois os mesmos nunca conseguiram tirar sua vida, por mais que tentassem. Um dia, Tatsu conhece Miku, quem viria ser sua esposa e o principal motivo para sua mudança de vida. Disposto a apoiar a carreira profissional de sua amada, Tatsu agora vira um dono de casa.
Por mais que a proposta inicial seja simples, ela permite muitas possibilidades. Tatsu é um personagem muito bem pensado, capaz de ganhar nossa empatia logo de cara. Parte disso se deve ao fato de ser um bom dono de casa, pois se a série girasse em torno de suas falhas ao tentar realizar o serviço doméstico, cansaria rapidamente.
Felizmente isso não acontece e é engraçado ver como ele usa muito de seu passado em sua nova vida, muita das vezes adaptando os costumes de um yakuza em suas tarefas. Seu jeito destoante de todo o resto e os problemas que isso lhe causa são engraçados de se ver, assim como todo o paralelo feita pela obra entre as duas vidas de Tatsu. As situações nas quais se envolve devido a sua aparência, ou o passado batendo a sua porta são bons momentos que dão mais profundidade ao personagem título.
Se por um lado Tatsu é um bom personagem, o mesmo não pode ser dito dos outros ao seu redor. Miku e Masa (amigo da época da Yakuza) servem apenas como escada. O ex-yakuza é o dono de casa, e por estar sempre em serviço, fica difícil manter todos na mesma cena. Porém, como são duas pessoas importantes na vida dele, faz falta sabermos mais sobre os dois.
Temos apenas pedaços de flashbacks ou de encontros que poderiam ganhar mais espaço e nos ajudar a criar empatia por eles logo no início, pois estes poucos momentos são bons. Além de ajudar a dar mais profundidade ou carisma a eles, principalmente ao Masa, que passa apenas a impressão de ser um jovem aprendendo com mãe a ser um adulto e elogia tudo que seu amigo faz, mesmo tendo bom tempo de tela. De um aprendiz que teria tudo para dar mais graça a série, ele acaba por se tornar apenas um personagem enfadonho.
Se a produção peca nos coadjuvantes humanos, não podemos dizer o mesmo sobre o gatinho Gin. O fofo mascote rouba a atenção, principalmente nos seguimentos que estrela nos episódios iniciais. Com momentos realmente divertidos, o felino consegue roubar a cena para si com seu jeito debochado e curioso. A promessa de termos pelo menos um segmento em cada episódio focado nele não se concretiza e tudo que nos resta é a vontade de ver mais um pouco do gatinho. E com a segunda parte já confirmada pela Netflix, fica a esperança de pelo menos um segmento por episódio com o felino.
A versão brasileira foi realizada nos estúdios da Vox Mundi e está ótima, com destaque especial a Dláigelles Silva dando voz ao protagonista. A escolha das vozes combina com cada um, sendo o único deslize a de um garoto que Tatsu precisa cuidar em determinado momento. A voz destoa do que vemos na tela, e não temos qualquer emoção passada; mas como é algo que acontece em apenas um segmento, rápido esquecemos disso.
Outra questão incômoda é a pronúncia da palavra “Google”; feita seguindo a forma como se escreve. Até achei que poderia ser algo do momento, mas isso se repete algumas vezes durante o animê. Pequenos momentos, que mesmo chamando a atenção, não impactam tanto no quadro geral.
Gokushufudou: Tatsu Imortal é uma comédia leve e simples, capaz de arrancar uns risinhos de qualquer um. Um ótimo animê para quem só quer ver algo para relaxar ou almoçar. Só faltava ser um pouco mais animado. A série está disponível na Netflix.
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