Existem obras, como The God of High School e John Wick, que parecem feitas para despertar a empolgação do espectador através de grandes cenas de ação, visualmente instigantes, montadas para tirar o fôlego; outras, como Keep Your Hands Off Eizouken! e WandaVision, investidas nos detalhes, cuidadosas na ideia de usar a própria narrativa como um gatilho para cativar quem estiver acompanhando; há ainda, como Akira e Falcão e o Soldado Invernal, aquelas apoiando suas temáticas em pautas político sociais tão interessantes quanto quando as levamos para o debate fora da tela.
O bom da arte e dos produtos originários dela é o fato de existir praticamente de tudo. Ela consegue despertar quaisquer tipos de emoções naqueles que apreciam dela. Inclusive, emoções diferentes em pessoas diferentes, ou mesmo na mesma pessoa, mas em circunstâncias diferentes.
Dessa última temporada japonesa de inverno, um dos grandes destaques entre os lançamentos foi Horimiya (ou Hori-san to Miyamura-kun, para os mais exigentes com títulos). E se for para encaixar a série numa dessas caixinhas sobre o que ela quer despertar no telespectador, chuto que seu grande intuito era… dar um abraço!
Usando definições mais cafonas, mas que cabem como uma luva nesse contexto: Horimiya é um enorme quentinho no coração, ou um chocolate quente com cobertor no frio, ou um vento refrescante num fim de tarde no verão, um afago, um cheiro, um acalanto, e por aí vai.
Isso porque todo o animê é como um recorte perfeito de uma época que, convenhamos, não é perfeita de verdade para quase ninguém: o final da adolescência.
Nele, somos apresentados à uma turma de último ano do Ensino Médio, tendo como foco principal a dupla que dá nome à história. Hori é uma jovem bem popular na escola, mas mantém um “grande” segredo sobre suas atividades fora das salas: ela cuida de seu irmão mais novo, Souta, além de acumular serviços de dona de casa, encarnando nesse tempo um visual bem menos preocupado que o geral.
Miyamura, no entanto, é tido como um esquisitão na sala, pois não interage muito, usa o cabelo bem maior que os demais garotos, além de frequentemente vestir roupas mais fechadas que o necessário. Porém, o rapaz faz isso pois, quando mais jovem, furou piercings nas orelhas e fez tatuagens no braço, algo que ele prefere esconder, pois a sociedade japonesa descrita ali não é tão a favor desse visual em pessoas de idade escolar.
Por um acaso do destino, envolvendo o menino Souta, Hori e Miyamura acabam por se encontrar fora dos portões da escola. Ela, mais desleixada. Ele, bem mais cool que o esperável daquele rapaz tímido de dentro da classe. Passados os choques iniciais, eles se tornam colegas, depois amigos, até que, enfim, descobrem um grande amor. E a formação do novo casal passa a afetar aqueles que os rodeiam, com novas amizades e novos amores sendo descobertos. No fim, todos se dão bem e o Ensino Médio se torna inesquecível para cada um daqueles alunos.
Digo que Horimiya é como um abraço quentinho, pois todo ele é montado para ser o mais positivo e escapista possível. Não existe um grande conflito na trama. É comum em romances japoneses colegiais mais famosos que o casal demore até o fim para se declarar (não é a toa que Kaguya-sama: Love Is War se tornou um novo clássico ao, justamente, satirizar esse clichê).
Aqui, no entanto, quando Miyamura e Hori entendem estarem apaixonados um pelo outro, eles ficam juntos, sem tantos rodeios. Tal como ocorre no também muito bom Wotakoi: sobra tempo durante a série para que, então, eles vivam esse amor como um casal. E isso é legal demais de acompanhar.
Mas a visão positiva acerca de temas da adolescência não para por aí. Outros tópicos frequentemente abordados em animações nipônicas também aparecem aqui, todos com finais felizes. Em dado momento da trama, um moleque com quem o Miyamura estudou no Fundamental, que praticava bullying com ele, reaparece, trazendo de volta o terror que o protagonista sentia naquela época. Mas isso é resolvido logo depois, com a Hori tomando as dores do namorado e indo para cima do valentão, levando-o a repensar suas atitudes e, ao fim, se arrepender, trazendo a conclusão que o Miyamura precisava há tanto tempo.
Rolam dois casos de amores não correspondidos entre os personagens secundários. Uma menina do grêmio estudantil gosta do melhor amigo do Miyamura, enquanto o gatão da escola fica a fim da melhor amiga da Hori. Ocorre que os dois alvos de admiração acabam se apaixonando um pelo outro. E os que foram rejeitados terminam por seguir suas vidas, mas ainda continuam amigos de todos, o que mostra que eventos afetivos assim são passageiros e devem ser tratados sem tanta seriedade nessa idade.
Falando no grêmio estudantil, o presidente dele sofre por se sentir pouco masculino, fraco, acredita não ser o modelo ideal para garotas. Mas sua autoestima é elevada por sua namorada, que entende suas inseguranças e reforça seus pontos positivos para ajudá-lo (ainda que ela mesma não precise, por exemplo, de outra pessoa matando uma aranha que aparecer, pois ela poderia fazer isso sozinha).
Todas essas narrativas que poderiam ser frustrantes na adolescência de qualquer um (aposto que você, leitor, se identificou com alguma) são retratadas em Horimiya com bastante leveza, dando de imediato o payoff que muitas séries demorariam para atingir. Com tudo dando certo, podemos acompanhar o quão bom esse período idealizado da vida pode ser através daqueles personagens e suas rotinas cativantes.
É uma graça se deixar levar pela ótima relação do Miyamura com a família da Hori (principalmente com o sogrão), rir de bobagens como uma empregada intrometida se chocando pelo filho da família levar uma garota para jogar videogame em seu quarto, se emocionar com uma formatura. Até gargalhar com todo um segmento sobre fetiches malucos que um casal pode dizer ter para constranger um ao outro.
Horimiya é um animê que faz bem. Que desperta coisas boas. É como comédias românticas do Hugh Grant nos anos 90 que reprisaram por décadas na Sessão da Tarde. Ou como uma boa novela das 7 onde a maior preocupação é saber se a personagem da Isabelle Drummond vai se tornar uma grande VJ. Escapismo dos bons, pois retrata uma realidade irreal de tão idealizada, que quase ninguém vive de verdade, mas na qual, aqui entre nós, ninguém reclamaria de adentrar.
E a música de abertura ainda é legal assim…
Horimiya está disponível completo, com áudio em japonês e opção de legendas em português, na Funimation. A plataforma fornece um acesso de imprensa ao JBox.
O texto presente nesta resenha é de responsabilidade de seu autor e não reflete necessariamente a opinião do site JBox.
Eu gostei de Horimiya, no entanto, eu tive problemas pra digerir duas coisas. A primeira é a protagonista, Kyoko Hori. A crítica não aponta, mas ela é possessiva e ciumenta. Tá, eu posso não estar acostumado com animes de romance (assisti esse, Tonikaku Kawaii e Kaguya-sama), mas sei reconhecer um ciúme doentio quando vejo um. Muitas vezes, vemos o Miyamura agindo pra satisfazer os fetiches dela (por mais absurdos que fossem), mas ela sempre desconfia dele. Inclusive a protagonista acaba tendo ciúme dele com seus amigos. Fora que ela solta umas piadinhas problemáticas. O segundo problema se chama Clover Works. Os caras conseguiram adaptar 15 volumes de mangá em 13 episódios. Muitas coisas ficaram rushadas, personagens apareciam e sumiam rapidamente, sendo “esquecidos no churrasco”. Não li o mangá, mas ficou estranho. Aliás, não foi o único anime desse estúdio que teve isso: The Promised Neverland sofreu com isso, tendo aquele final em slide. Por sorte, Horimiya escapou disso. Mas valeu a pena assistir. Não é o melhor anime de todos os tempos, mas não vai te fazer passar raiva.