Depois de um breve hiato (foram cinco anos desde o último episódio de Sailor Moon Crystal ter ido ao ar na TV japonesa), Sailor Moon regressa com mais uma adaptação fiel ao mangá com o filme, dividido em duas partes: Sailor Moon Eternal.

De todas as propriedades da Toei Animation que chegaram ao Brasil entre os anos 1990 e a primeira década dos anos 2000, Sailor Moon foi o título mais problemático. Passando por problemas com a dublagem, a existência de um fandom polarizado, um esquecível lançamento em DVD (da fase S, lembra?) e conquistando a má fama de serfracasso em licenciamento, chegamos em 2021 com a grata surpresa do lançamento de um material inédito em um dos maiores streamings do planeta – a Netflix –, com direito a selo de Netflix Original, embora saibamos se tratar de uma produção da Toei Animation, sem algum envolvimento do serviço.


A expectativa em torno do regresso das heroínas mais amadas da cultura pop japonesa passou a ser gigantesca depois do anúncio oficial, mas novamente a Toei conseguiu executar um planejamento desconcertante com a série no Brasil.

Desde idos de 2019 a empresa tenta colocar as guerreiras da lua novamente no ar, mas em um cenário onde a TV aberta não tem mais o olhar estratégico para qualquer enlatado estrangeiro (salvo raras exceções) Sailor Moon ficou a ver navios (rs) quando negociações com o SBT naufragaram.

Levar a série para um serviço de streaming “forte” soa pra qualquer um de nós, meros mortais, sem poder decidir nada, como uma ideia até meio óbvia. Mas em se tratando de Sailor Moon e Toei Animation, nada pode ser “fácil demais” para o retorno e sucesso das guerreiras por aqui.

Assistir a um filme que é sequência direta de eventos de três temporadas de uma série de TV nos leva uma simples pergunta: porque não dublaram a série antes e lançaram o filme depois, na própria Netflix?

Imagem: Capa do DVD de Sailor Moon S lançado no Brasil pela CD & DVD Factory.

O único volume de Sailor Moon S lançado em DVD.

Mesmo com os episódios de Sailor Moon Crystal disponíveis de forma legal e oficial no Brasil na Crunchyroll, o público fora do nicho, que não viu esta série, pode ter uma falta de compreensão de alguns eventos dos filmes. Assistir ao filme só com a lembrança do desenho da Manchete ou do que passou na Record, ou Cartoon, no começo do século, não colabora para fortalecer o título no país de forma alguma.

Felizmente, isso acaba não sendo um grande problema pois não é necessário um background muito vasto para assimilar os fatos apresentados na história

Na trama, um eclipse solar traz invasores do espaço ao nosso planeta, com a intenção de tomar nosso mundo, há muito almejado. Os invasores são parte do Dead Moon Circus, liderados pela bela e cruel Rainha Nehalenia, que sempre nutriu um profundo ódio pelos habitantes do Reino do Milênio de Prata desde eras longínquas.

Imagem: O circo Deadmoon.

Reprodução: Netflix,

Quando o circo chega, Usagi, Mamoru e Chibiusa avistam também a aparição de um misterioso Pégaso. O ser encantado se comunica telepaticamente com a pequena filha do casal protagonista, vinda do século 30, e pede ajuda para se livrar do seu cativeiro. Enquanto investigam misteriosos eventos que giram em torno do Dead Moon Circus, o terror da Lua Nova invade a Terra e debilita Mamoru e, em certo ponto, também Usagi.

Todas as guerreiras protegidas pelos planetas, além de Chibiusa, precisam encontrar forças para superar suas inseguranças, medos e incertezas para derrotar os novos inimigos e impedir que seu príncipe e princesa caiam diante da maldição de Nehalenia.

Imagem: Usagi e Chibiusa vendo o Pégaso.

Reprodução: Netflix.

Enquanto no mangá (publicado no Brasil pela JBC) este arco é um tanto corrido, os filmes desenvolvem satisfatoriamente todos os principais eventos, até melhorando a compreensão de certas passagens. É importante apontar que a trama original de Naoko Takeuchi possui alguma fragilidade na construção da história e, por isso, as versões em animê de Sailor Moon sempre são uma oportunidade de preencher melhor o enredo principal dos arcos.

Todavia, a equipe resolveu ousar pouco e transpor com segurança toda história, apresentando batalhas mornas e uma resolução de conflitos fácil e conveniente. Hélios/Pégaso, por exemplo, consegue aparecer sempre que tudo parece rumar para a derrota e ao longo do filme inteiro ele reclama estar prestes a morrer.

A opção por produzir dois filmes, ao invés de mais uma temporada para TV, deixa pouco espaço para momentos arrastados ou mesmo para comédia. Saber um pouco mais da vida das meninas é sempre interessante, mas exploraram isso de uma maneira um tanto rasa, com exceção de Ami .

Uma pena que, por conta dessa decisão, os interessantes personagens do Amazon Trio ficaram pouco valorizados quando comparamos sua presença aqui e na série antiga (Sailor Moon Super S) da mesma forma que meninas do Amazon Quartet perderam a chance de ter alguma profundidade (vieram da Amazônia e…???).

A primeira parte dos filmes foca no núcleo principal, com destaque para o relacionamento entre Chibiusa e o misterioso Pégaso, enquanto a segunda dá espaço para as quatro Outer Senshi (Pluto, Uranus, Neptune e Saturn). A celeridade que o filme toma a partir do segundo ato (parte 2) em comparação ao primeiro pode fazer alguém mais distraído se perder. Mas o final é bem resolvido com um entendimento mais claro da relação entre Helios e Endymion, se comparado com o que apresentaram na adaptação dos anos 1990.

Por fim, as queridinhas Outers, ganham um bom destaque – livre de censuras ao relacionamento entre as personagens – e a transformação de Sailor Moon em sua versão Eternal (aquela com asas fixas e, aparentemente, pouco práticas na roupa), no auge da parte 2, preenchem de alegria o coração de qualquer fã que adora ver o mangá de Naoko Takeuchi ganhando “vida” em animação.

Imagem: As Outer Sailors.

Reprodução: Netflix.

Falando da parte técnica, o filme traz uma animação muito melhor do que a vista nas três temporadas que o antecede, mas isso não passa de uma obrigação para o estúdio Deen e a Toei Animation por conta da mídia. O design de personagens ganha sua melhor versão aqui, deixando de lado as versões com altos e baixos da fase clássica e o estranho traço de Crystal – que melhorou apenas da terceira temporada. A trilha sonora não é muito diferente do que foi apresentado nas três fases de Sailor Moon Crystal, com a assinatura de Yasuharu Takanashi no trabalho.

Adaptação

Agora o ponto mais polêmico deste filme no Brasil: a versão brasileira.

Imagem: Todas as Sailors.

Reprodução: Netflix.

As escolhas da direção foram em boa parte imposições da Toei Animation. Termos em inglês buscam construir um padrão (desnecessário) para globalização da marca no mundo e o uso de honoríficos japoneses (os “-chan” e “-san” a cada grito) causam uma certa estranheza e dificuldade de gerar uma “relação” com as personagens. Os nomes adaptados do passado finalmente dão espaço para os originais, mas a essa altura do campeonato isso gera mais um desconforto para os “espectadores comuns” ou mesmo para os fãs, que uma alguma comemoração.

De todas as colocações, as mais perturbadoras envolvem a forma como as sailors se referem a Usagi e Mamoru: Princess e Prince! Parece uma saída feita para deslanchar a venda de funkos pop da série… Flora Paulita, diretora da dublagem, nos passou que tentou ao máximo dissuadir o cliente (a Toei) de certas decisões, e com o que conseguiu de “liberação”, optou por aplicar os termos da versão da BKS (que foi a orientação inicial do cliente, desde o princípio) além de realizar uma bela homenagem aos fãs de Marli Bortoletto (que agora dubla a Rainha Serenity, que virou Queen Serenety só pra causar mais desconforto…).

Como dito anteriormente, a versão da BKS foi a base da Toei para a nova dublagem. Também pudera: foram 4 temporadas dubladas com aquele elenco e, por mais que os fãs batam o pé, Sailor Moon no Brasil é mais BKS que Gota Mágica. A exigência de buscar uma nova voz para Sailor Moon nos brinda com um trabalho gostoso de ouvir da dubladora Agatha Paulita.

Um filme, sem dúvidas, foi pouco para mostrar seu talento – já comprovado em inúmeras outras produções. Cesar Marchetti, dublador do Tuxedo Mask, conseguiu fazer um Mamoru (Darien) muito superior ao que entregou na BKS e adequado ao personagem no filme. Diego Lima é outro profissional com uma entrega muito competente como Pégaso/Hélios.

Imagem: O protagonista Mamoru.

Reprodução: Netflix.Ima

A última vez que o elenco de guerreiras (agora, defensoras!) de Sailor Moon realizou um trabalho foi em 2002. Passado tantos anos, é muito natural que os profissionais apresentem alguma mudança na voz e essa era uma grande preocupação por parte do fandom. Com exceção de Úrsula Bezerra (Chibiusa), todas as meninas conseguem uma entrega segura e que enaltece a nossa memória – com as interpretações mais adequadas e lineares.

O caso de Úrsula Bezerra é muito delicado pois sabemos que a dubladora é uma profissional excelente, mas notadamente não é a voz mais adequada para uma criança da idade que a personagem Chibiusa possui. Mas o cliente pediu seu nome e… aprovou. E sabem aquela máxima né? “O cliente sempre tem razão”.  Pois é… Aqui não teve.

Agora só nos cabe aceitar e esperar que em uma eventual continuação ou dublagem de temporadas antigas (ou das temporadas de Crystal ) exista um novo direcionamento para a situação. E não adianta apontar culpados ou despejar hate nos dubladores: a TOEI aprovou.

Há chances sim de Crystal e até da série clássica chegaram na plataforma, mas pra que isso só vai ocorrer dependendo do desempenho do filme na plataforma. Só depende dos fãs deixarem de lado suas birras e se unirem, em nome da Lua, em pró da longevidade de Sailor Moon no Brasil. Convenhamos: a série também merece!


Sailor Moon Eternal está disponível com opção dublada na Netflix. A parte anterior da história, Sailor Moon Crystal, está legendada na Crunchyroll.


O texto presente nesta resenha é de responsabilidade de seu autor e não reflete necessariamente a opinião do site JBox.