A história nos conta sobre os feitos dos homens, mas raramente sobre quem eles realmente foram. Veja o caso de Katsushika Hokusai (1740-1849), um dos maiores pintores e xilógrafos do mundo. Criador de obras como A Grande Onda de Kanagawa (1831), Hokusai Manga (1814-1878) e as Trinta e Seis Vistas do Monte Fuji (1830-1832), muitas vezes esquecemos que, mesmo com um talento ímpar, Hokusai ainda era um homem.
Se a história esqueceu de nos mostrar esse lado do artista, Shotaro Ishinomori (1938-1998) fez questão de pegar seu nanquim e nos lembrar através de seu mangá Hokusai. Mais conhecido pelos brasileiros como o pai da franquia Kamen Rider, Ishinomori nos mostra uma visão mais humana da vida do artista, mesmo que alguns destes momentos não sejam dos mais belos.
A obra começa já nos últimos momentos de vida de Hokusai, para então nos levar de volta no tempo. E aqui o mangaká toma a melhor escolha narrativa possível: ao invés de nos contar uma história progressiva, o autor segue um fluxo não linear de se contar uma história que em nenhum momento deixa de se conectar. Os capítulos são divididos retratando fases diferentes da vida do pintor, mas no fim todos eles se encaixam.
Outro ponto que merece destaque é a decisão de focar a história quase que totalmente em sua carreira, mas sempre nos mostrando algo que aconteceu bem antes sempre que necessário, como momentos em sua infância que já demonstravam por qual caminho ele seguiria.
Ishinomori poderia simplesmente retratar Hokusai como um gênio incompreendido que sempre quis se dedicar à sua arte e que fazia de tudo para se tornar um dos maiores pintores de todos os tempos. Felizmente ele não fez apenas isso. O mangaká nos mostra uma realidade mais crua e cruel: vemos problemas familiares, financeiros e uma constante necessidade de se reinventar, tudo aliado a seus próprios defeitos, como sua teimosia e sua constante queda por mulheres.
Mesmo sendo baseado numa história real, com algumas licenças poéticas ali e aqui, o retrato de Hokusai é o mais próximo que poderíamos encontrar. É interessante ver como ele conseguiu criar fama com sua arte, mas ainda tenta se desvencilhar dela. Um misto de querer sempre se superar e o de fazer com que sua obra falasse por si mesma. Complicado, né? Todos somos, por que ele seria diferente? Falar mais sobre a história seria injusto: com ela, pois não faria justiça e a quem ainda não leu.
A arte pode parecer um pouco “datada” para quem está acostumado com os mangás atuais. Mas isso não deveria ser visto como demérito, pois Hokusai tem uma arte belíssima. Ishinomori retrata bem todas as emoções dos personagens, assim como as paisagens e as próprias obras de Hokusai, em especial quando mistura as duas em lindos quadros.
Se elogiamos os trabalhos dos mestres, também precisamos elogiar o trabalho da editora Pipoca & Nanquim. A edição brasileira faz jus a toda obra – que vale mencionar, é o primeiro mangá de Ishinomori a chegar ao Brasil. Desde a sobrecapa trazendo A Grande Onda de Kanagawa, passando pela lombada que fica linda na estante e chegando ao acabamento interno e ao papel utilizado, vemos que a edição foi feita não apenas com amor, mas com o respeito que ela merece.
No início do ano, uma mostra com trabalhos de Katsushika Hokusai chegou ao Brasil. Mesmo assim, o artista continua quase totalmente desconhecido pela grande maioria do público ocidental. Suas obras, como Hokusai Mangá por exemplo, deixaram de ser algo apenas estético para se tornarem retratos da sociedade em sua época. E por ser um autor que viveu entre os séculos XVIII e XIX, muito de sua vida acaba aberto para especulação. O mangá serve como uma excelente porta de entrada para quem quer conhecer mais sobre o artista. Não só isso, mas também é uma leitura mais que indicada para qualquer um que goste de quadrinhos, sejam eles japoneses ou não.
Se a história foi capaz de eternizar Hokusai e Ishinomori, apenas arte foi capaz de juntar os dois, mesmo com séculos os separando.
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Essa resenha foi feita com base edição de Hokusai cedida como material de divulgação para a imprensa pela editora Pipoca & Nanquim.
O texto presente nesta resenha é de responsabilidade de seu autor e não reflete necessariamente a opinião do site JBox.
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