Uma década atrás, o mundo da cultura pop japonesa era bastante diferente aqui para esse lado do globo. Garanto que era ainda mais nichado que hoje. Serviços de streaming apenas começavam a caminhar, a exibição de animês na TV já era bem limitada e o número de mangás publicados por editoras era ínfimo em comparação com hoje em dia. Os fãs encontravam auxílio por meios alternativos.
Com o tempo, as coisas foram mudando. Players como a Netflix, Prime Vídeo e outros surgiram, incluindo desenhos nipônicos em seus catálogos. Assim como a Crunchyroll e a Funimation, que têm seu foco exclusivo em produtos desse tipo. Editoras menores e medianas em escala também contribuíram para a publicação de vários títulos da nona arte, enquanto outra, bem maior, praticamente dominou o segmento.
Lá do outro lado do mundo, as coisas continuaram saindo, com mais força que nunca, e para vários públicos. Novas modas surgiram, outras se segmentaram para uma fatia de público menor. Contudo, animês ainda não são conseguiram sua grande explosão em popularidade mundial como filmes de herói da Marvel, jogos MOBA como League of Legends e Dota, ou o K-Pop de BTS e BLACKPINK. Mas o nicho resiste e foi bem alimentado nos últimos 10 anos.
Cada um tem seus prediletos e preteridos, de modo que listas rankeando os melhores sempre serão alvo de discussão. O bom é que o Brasil ainda é um país livre e todos podemos discordar. O que importa mesmo é celebrar bons trabalhos que, nos últimos 10 anos, contribuíram para nos transportar para outros mundos, histórias, discussões e realidades. Sem nem mesmo precisarmos sair de nossos sofás!
Abaixo, elenco quais foram os meus 20 animês prediletos da segunda década dos anos 2000 (que compreende o intervalo entre 2010 e 2019*). Apenas os que estrearam nela foram considerados. Houve os que me deixaram com o coração apertado por não serem incluídos, caso de The Time That I Got Reincarnated as a Slime!, Flip Flappers e Beastars. A ausência de alguns, como Attack on Titan, Sword Art Online e Hunter X Hunter, deve ser sentida pelos fãs, mas eles só arranharam a superfície da lista em vez de fazerem o corte. Já outros, como Goblin Slayer, The Rising of the Shield Hero, Dragon Ball Super e Demon Slayer sequer foram considerados.
Vá ao banheiro, pegue um lanche na cozinha e venha comigo nessas mais de quatro mil palavras que formam o listão a seguir…
20. Psycho-Pass
(Naoyoshi Shiotani e Katsuyuki Motohiro, Production I.G, 2012-2013)
O universo animado nipônico é expert em nos apresentar histórias deliciosamente pessimistas a respeito do futuro, das evoluções tecnológicas e de como o fator humano nessa equação é decisivo para tudo dar errado. Se décadas atrás tivemos grandes obras como Akira e Ghost In The Shell levando às telonas essa turbidez cyberpunk, seu melhor exemplar recente foi para as telinhas, com Psycho-Pass.
Num Japão onde um sistema biomecânico decide o destino dos cidadãos a partir de avaliações cerebrais em tempo real, Akane, uma jovem com o luxo de escolher entre opções de carreira bastante almejadas, opta por se tornar uma investigadora no departamento de segurança pública no Ministério do Bem-Estar.
Só que as coisas saem um pouco dos trilhos quando, numa missão, é necessário usar mais que os zero e um protocolares daquele mundo. Daí em diante, a trama se desenrola num neo-noir esquisito, soturno, recheado de estilo e que vale ser redescoberto.
Disponível na Netflix.
19. Yo-kai Watch
(Shinji Ushiro, OLM, 2014-2018)
O nicho de desenhos infantis feitos para exibir produtos bastante marketáveis é todo um outro mundo dentro do universo dos animês. Há quem ame, quem deteste, aqueles que levam a sério demais coisas nele que não deveriam, até mesmo quem não entenda que o público caseiro precisa de séries assim para ter por onde começar.
O lance é que há joias nele, exemplares capazes de o elevar a uma execução excelente e extrapolar o público-alvo, atingindo outros espectadores.
Caso de Yo-kai Watch, que em seu melhor é tão bom quanto o melhor de Pokémon, Digimon, Medabots e semelhantes. Enquanto caçava insetos numa floresta, Nathan (ou Keita, no original) encontra uma máquina de vendas de cápsulas. Ao abrir uma delas, ele entra em contato com um yokai fantasma, que lhe entrega o yokai watch, um aparelho para identificar e se associar a yokais.
Então, o moleque vive várias aveturas ligeiramente absurdas enquanto penetra cada vez mais nesse universo paranormal. Tudo muito divertido e com um texto que parece não subestimar o público.
Disponível na Netflix.
18. Space Dandy
(Shinichiro Watanabe, Bones, 2014)
O diretor Shinichiro Watanabe tem, ao menos, uma obra prima a cada década de atividade na indústria da animação. Nos anos 90, ele foi responsável por Cowboy Bebop, um dos pilares da ficção científica do universo pop nipônico. Nos 2000, ele voltou séculos ao passado e entregou sua própria interpretação do período Edo no também incrível Samurai Champloo. E dentre seus vários bons trabalhos na última década, Space Dandy é aquele que encabeça a concorrência interna.
A história gira em torno de Dandy e sua tripulação, composta por um robô cheio de sentimentos e um alienígena felino, que tentam caçar espécimes extraterrestres raros. O problema é que eles são bem ruins e quase sempre metem os pés pelas mãos.
O Watanabe dá para a série um visual estupendo, recheia os personagens com camadas interessantes e utiliza a favor da narrativa uma porção de clichês de óperas espaciais, mas de um jeito bem subvertido. Grande comédia nas mãos de um grande diretor.
Disponível na Funimation.
17. My Hero Academia
(Boku no Hero Academia, Kenji Nagasaki, Tomo Ōkubo e Masahiro Mukai, Bones, 2016-2020)
Boas histórias focadas em agradar um público muito grande não parecem difíceis de serem feitas quando nos deparamos com My Hero Academia. Há no animê (como herança do mangá) um aparente esforço em atingir diferentes espectadores, indo de fãs da cultura pop nipônica num geral até consumidores do enorme universo de heróis que dominou os cinemas e a TV na última década a partir de esforços das Marvel com a Disney, da DC Comics com a Warner e por aí vai.
Não só pela temática de um mundo onde todos são “super”, mas pela própria aparência cartunesca da animação, talvez mais palatável para o público daqui, My Hero é um enorme produto para os “não-otakus”.
No fim, temos aqui uma história bem identificável sobre a jornada (quase literal) do herói. O jovem Midoriya é o menos especial onde todos são especiais, então precisa se esforçar mais que a concorrência para chegar onde tanto quer.
Some isso a um panteão de personagens carismáticos, dezenas de poderes malucos e uma porção de pequenas tramas que, juntas, resultam em outras de escalas bem maiores e o resultado é uma grande série de ação que diverte na mesma proporção que emociona. Plus ultra!
Disponível na Funimation (completo) e Crunchyroll (T4-T5)
16. Erased
(Boku dake ga Inai Machi, Tomohiko Itō, A-1 Pictures, 2016)
A sinopse de Erased pode parecer complicada demais: após ter sua mãe assassinada, um mangaká sem muito sucesso profissional, mas com uma habilidade esquisita de conseguir voltar alguns minutos no tempo para evitar determinadas tragédias, retorna à sua infância para tentar impedir o assassinato de uma colega de classe.
No meio do processo, ele se envolve numa teia de mistérios e descobre que os traumas dessa época escolar se refletem direta e indiretamente até hoje em seu dia a dia.
Aqui, a graça está na execução. Erased alterna diferentes linhas do tempo caprichando no modo como elas são percebidas pelo espectador. A infância é mais lúdica, as coisas são mais urgentes, há quase um ar fantasioso no jeito como a história é apresentada, na maneira acolhedora como as crianças interagem.
A vida adulta, no entanto, é mostrada mais sínica, deprimente, sem tanto brilho ou resoluções elaboradas. Esse é um animê bem triste, angustiante, mas com um pagamento lindíssimo no final.
Disponível na Crunchyroll e Netflix.
15. Made in Abyss
(Masayuki Kojima, Kinema Citrus, 2017)
Esse aqui é uma armadilha. Embora apresente personagens com design fofinho e todo um universo esteticamente radiante aos olhos, Made in Abyss é como uma fantasia infantil antes do polimento da Disney. Todos os caminhos levam à dor, à desgraça, ao desespero.
Na trama, em uma ilha, há um abismo que desce até o centro da Terra. Esse é um enorme sítio arqueológico, onde aventureiros denominados como Escavadores exploram seus andares a fim de informações sobre criaturas raras e civilizações há muito consideradas extintas.
Nessa, uma menininha acompanhada de um robô resolve descer o buraco para descobrir o paradeiro de sua mãe, uma famosa Escavadora. O problema é que esse é o ambiente mais macabro para qualquer humano. Quanto mais descem, piores as reações do corpo quando tentam retornar para cima.
Quanto mais a dupla afunda, maiores são os mistérios não só sobre os habitantes do abismo, mas também sobre demais exploradores por ali – alguns mais nefastos que qualquer besta demoníaca. É uma enorme espiral de desengraças, que incomoda pela confusão mental causada pela fofura como ela é retratada.
Disponível no HIDIVE.
14. Devilman Crybaby
(Masaaki Yuasa, Science SARU, 2018)
O Masaaki Yuasa é um pirado. A visão dele sobre o clássico do Go Nagai (outro maluco) conseguiu não só fazer jus aos pontos principais de Devilman, como também elevar seu conceito e execução para um patamar ainda mais despirocado do que o original.
A história gira em torno de um moleque que é convencido a se unir a um demônio para enfrentar um eventual apocalipse que acontecerá. Contudo, ela acaba soando como uma alegoria sobre as barreiras que necessitamos quebrar na adolescência, sobre religião e concepções de bem e mal, sobre a amizade, inveja e amor que sentimos por alguém próximo.
A maneira como a narrativa mostra a “corrupção” de uma “boa alma” é encantadora e totalmente amoral. O protagonista parte de uma figura intimidada, quase que ilibada, para alguém com uma maior autoconfiança, que destrói os bons modos através do erotismo (as cenas dele acordando com a “goteira”, dele assistindo um determinado filme na escola com o volume bem alto e da corrida com a roupa apertada se tornaram icônicas).
O maior antagonista? É, em sua figura, aquilo considerável como o máximo do que seria a bondade: um anjo. Devilman Crybaby não é para todo mundo, deve despertar reações desconfortáveis dos desavisados, mas é uma obra de arte em sua melhor forma.
Disponível na Netflix.
13. Shokugeki no Souma
(Yoshitomo Yonetani, J.C.Staff, 2015-2020)
O ecchi em animês gera muito discussão. Creio que a presença deles em obras apenas pela sua simples existência, sem qualquer relação com a história, deve ser a maior causa dessa insatisfação por parte do público. Mas se tem um desenho onde o ecchi é bem usado, esse é Shokugeki no Souma.
Nele, as cenas mais sensuais não são só jogadas pelo apelo visual que elas podem causar. Na verdade, elas têm uma função narrativa dentro da trama: descrever, em som e imagem, a sensação no paladar do êxtase causado por uma comida muito boa. Pra este que vos escreve, é uma ideia genial.
Mas há tão mais em Shokugeki no Souma. Ele é também um dos animês que melhor elaboram uma alegoria antifascista em seu decorrer, usando o ambiente gastronômico para tratar sobre censura, poder, controle e hegemonia. É também um desbunde visual, detalhando ao máximo os pratos servidos para nos dar água na boca.
É também uma reimaginação interessante dos conceitos de animes esportivos. E uma bonita história escolar sobre azarões, amizades que furam bolhas sociais e momentos importantes que ficarão nas memórias dos personagens dali em diante.
Disponível completo legendado na Crunchyroll e com as duas primeiras temporadas dubladas na Netflix.
12. Kaguya-sama: Love is War
(Shinichi Omata, A-1 Pictures, 2019-2020)
Interessante observar no crescimento da cultura pop nipônica o quão forte ela consegue ser ao se autorreferenciar. histórias românticas colegiais são bastante comuns dentro desse universo e são muitos os clichês identificáveis nelas: o garoto que não sabe lidar com esses sentimentos e sente vergonha de se declarar para a amada; a garota que também tem esses conflitos internos, mas responde a eles de modo mais agressivo, embora guarde uma personalidade adocicada longe dos olhos dos outros (as tsundere); os melhores amigos atrapalhados que dão uma leveza quando os ânimos extrapolam e segue lista.
Kaguya-sama: Love is War extrapola esses chavões ao máximo e cria uma paródia do segmento… ao mesmo tempo que entrega um animê incrível desse mesmo estilo do qual faz piada.
Se tudo mergulha no absurdo quando gags visuais como um placar de quem vence cada “batalha” ou quando a imaginação dos personagens descreve as cenas mais abobalhadas possíveis, é na medida que as reações se tornam verdadeiras que descobrimos o quão bonita uma história de amor pode ser. Ah, e aquela primeira música de abertura…
Disponível na Crunchyroll.
11. KonoSuba
(Kono Subarashii Sekai ni Shukufuku o!, Takaomi Kanasaki, Studio Deen, 2016-2017)
Obras isekai se tornaram uma febre nessa década que passou. E existem diferentes possíveis explicações para isso. Há quem diga que isso é um reflexo de um público consumidor da cultura pop no Japão, que se comporta de maneira mais retraída, menos social no offline e mais engajado dentro de mundos escapistas online.
Então, novos mangás, novels e animês, agora, pulariam a etapa de construir personagens que crescessem por si próprios, já jogando tudo para um novo mundo, onde eles garantiriam a posição de heróis que, em suas vidas reais, eles não conseguiram.
Então, é hilário que uma das melhores séries desse gênero tenha como intuito arrastar para a lama o romantismo e a seriedade que colocam nos isekai para fazer chacota desses clichês. Como o Casseta & Planeta fazia com os pontos mais bizarros das novelas da Globo, KonoSuba tira sarro de tudo o que mais exaltam nesse tipo de narrativa.
O protagonista não se transforma de cara no grande herói que ele imaginava ser, o mundo para onde ele é mandado não facilita em nada sua ascensão, as figuras divinas nele são deturpadas e têm suas importâncias reduzidas ao nada. É ridículo e, principalmente, engraçado demais. Só não é o maior isekai em todos pois um outro aí conseguiu ser ainda melhor, mas falarei dele no pódio…
Disponível na Crunchyroll.
10. Girls’ Last Tour
(Shoujo Shuumatsu Ryokou, Takaharu Ozaki, White Fox, 2017)
Afinal, o que mesmo aconteceu com o mundo em Girls’ Last Tour para que tudo ficasse naquele estado pós-apocalíptico? Ah, não importa! Pois Girls’ Last Tour não é exatamente sobre “o que”, mas sobre o “como”. É como essa história sobre duas garotinhas militares em seu kettenkrad descobrem o mundo – ou o que sobrou dele – nos é contada que encanta tanto.
O animê se apoia nos primeiros volumes do mangá de mesmo nome para construir uma narrativa melancólica, esquisita e bastante agridoce, onde os cenários gigantescos quase oprimem as protagonistas em suas figuras tão frágeis.
Mas conforme os episódios vão passando, conseguimos observar que a grandiosidade na qual elas estão inseridas é não mais que plano de fundo para uma trama sobre amizade, camaradagem, confiança e família. E perdas, e falta de controle da própria vida, e sobre um fiapo de esperança no futuro em tempos tão ruins. Chito e Yuuri se encontram como uma dupla enquanto viajam por um local devastado por sabe-se lá o que.
Cada passo delas é preenchido por puro entretenimento dramático, com viradas de mesa interessantes e ganchos autossuficientes como só os maiores slice of lifes conseguem proporcionar. O final do primeiro episódio é um dos melhores já feitos. É tudo bem sensível e tocante. E pensar que o diretor, anos depois, deixou toda a sutileza narrativa de lado para fazer aquele Goblin Slayer horroroso. A vida é estranha.
Disponível do HIDIVE.
09. Dr. STONE
(Shinya Iino, TMS, 2019)
É até engraçado pensar, mas esse aqui é um dos animês mais emocionantes da última década. Dr. STONE tem uma premissa maluca demais: após um brilho misterioso transformar toda a humanidade (e as andorinhas) em pedra, milhares de anos se passam e a natureza novamente toma conta da Terra.
Contudo, Senku, um moleque super gênio, conseguiu passar milhares de anos consciente enquanto petrificado e voltou à forma humana como consequência disso. Daí em diante, com todo seu conhecimento científico, ele se propõe a trazer de volta todos aqueles que ele puder, retomando passo a passo o desenvolvimento tecnológico de antes da humanidade ser petrificada – mas não sem diferentes empecilhos.
São muitos os pontos interessantes em Dr. STONE: a mistura de conceitos científicos reais dentro de outros ficcionais para dar liga à trama; os questionamentos morais e sociais levantados pelos diferentes pontos de vista dos personagens (o maior antagonista, inclusive, flerta com o fascismo); o quanto uma adaptação animada pode melhorar uma obra original (visto que o mangá usa do ecchi sem nenhum propósito).
Mas a maior coisa sobre Dr. STONE é o jeito como ele vende a paixão do Senku pela ciência. Ela é trabalhada como algo forte, épico, profundo, através de cenas que a ressaltam bem em incontáveis momentos. A experiência de assisti-lo é tocante. Adaptações animadas de mangás da gigante Shonen Jump não ficaram melhor que isso na última década.
Disponível na Crunchyroll.
08. Miss Kobayashi’s Dragon Maid
(Kobayashi-san Chi no Maid Dragon, Yasuhiro Takemoto, Kyoto Animation, 2017)
Tenho um fraco por comédias urbanas sobre amizades que acabam ganhando uma importância familiar. Sejam ambientadas em Nova Iorque, como How I Met Your Mother, ou em Copacabana, como em Tapas e Beijos. É um tema comum, mas que rende bastante se bem escrito. Miss Kobayashi’s Dragon Maid traz mais ou menos essa ideia de TV entre os anos 90 e 2000, mas faz isso apelando para o surreal, o que deixa tudo com um gostinho ainda melhor.
Tudo começa quando uma jovem recebe em seu apartamento um dragão transformado em empregada. Esse é o clique para outros dragões irem praquele mundo, tendo de se habituar ao dia a dia cosmopolita, se adaptar a tudo o que acontece, trabalhar, fazer amigos, se divertir, etc. Ele explora em esquetes de poucos minutos o humor de situação criado pela presença das criaturas nesse plano, exagerando propositalmente. Chega ao entretenimento pastelão.
Em especial, o episódio 10, “Troupe Dragon, On Stage! (They Had A Troupe Name, Huh)”, comemorativo de natal, deve ter sido um dos troços mais hilários que assisti nos últimos anos. Quando começam com a peça, misturando diferentes contos folclóricos num roteiro só, criando um dos momentos mais no-sense da temporada, lembro de descambar a gargalhar escandalosamente, a ponto de minha mãe vir ao meu quarto preocupada com o que estava acontecendo.
Disponível na Crunchyroll.
E um adendo: sou grande entusiasta do consumo de animês dublados em português. Inclusive, mais da metade dessa lista está disponível com dublagem nas devidas plataformas. Mas sugiro que, nesse caso, você confira Dragon Maid no idioma original, pois acho a adaptação nacional péssima em vários sentidos.
07. One-Punch Man
(Shingo Natsume e Chikara Sakurai, Madhouse e J.C.Staff, 2015-2019)
A premissa de One-Punch Man é tão simples, mas tão simples, que poderia ser extremamente complicada em sua execução. Temos aqui Saitama, o mais poderoso super herói em todos. Sua grande habilidade? Ele consegue vencer qualquer inimigo com um golpe só. Qualquer inimigo. Contudo, por ser tão esmagadoramente poderoso, ele mergulhou em tédio, perdendo quase que toda a empolgação em ser um protetor da paz.
Soma-se a isso o fato de poucos realmente levarem ele a sério, já que sua aparência não é a das mais intimidadoras. Então, temos a história heróica de um herói que já não se importa mais tanto com isso, rodeado de outros com um espírito não tão heróico, embora se esforcem ao máximo para demonstrar o contrário.
Poderia dar muito errado, poderia ser uma paródia repetitiva (afinal, sempre termina com ele derrotando o vilão sem nem suar), mas o roteiro esperto, os diálogos ridículos e toda a construção daquele mundo absurdo transformam One-Punch Man numa comédia deliciosa, que ancora os temas abordados com hipocrisias bem reais de nossa sociedade.
Impossível de não ser cativado já nos primeiros episódios. E de nível bem alto mesmo passando para um estúdio e equipe criativa diferentes entre uma temporada e outra. Será que se eu seguir a rotina de treinamento dele consigo matar essa barriga que adquiri durante a pandemia?
Disponível na Crunchyroll (completo, legendado) e Netflix (T1, dublado).
06. Laid-Back Camp
(Yuru Camp, Yoshiaki Kyōgoku, C-Station, 2018)
Séries slice of life são oportunidades especiais de contar histórias partindo de temas que podem soar cotidianos demais para despertar o interesse alheio. E dentro desse enorme universo muito investido por estúdios, em Laid-Back Camp surgiu o seu melhor produto até então.
Na superfície, pode parecer só um animê sobre amigas de escola que gostam de acampar e dedicam seu tempo livre a isso. Só que o resultado é não menos que inesquecível. Tudo é tão bonito e divertido que, ao final da primeira temporada, até da vontade de comprar uma barraca e se aventurar noite adentro, naquilo de fugir do urbano para entrar em contato consigo sem interferências externas.
É que Laid-Back Camp vende tão bem a rotina dessas meninas e a paixão delas por acampamento que é impossível não se cativar. Não é o tipo de animê que gera uma empolgação imediata, não traz cenas de ação, viradas de mesa criativas nem nada, mas que vai nos envolvendo em sua atmosfera de calma, tal como essas playlists lo-fi agradáveis que nos ajudam a desviar dos problemas diários conforme elas passam.
E quando ele vai mais para a comédia, ele descamba numa loucura deliciosa de assistir. Até hoje me pego rindo de um segmento onde elas ensinam a colocar molho num bolinho dentro de um saco plástico, fazendo vários barulhinhos ridículos no processo.
Disponível na Crunchyroll.
05. Steins;Gate
(Hiroshi Hamasaki e Takuya Satō, White Fox, 2011)
Steins;Gate tem tudo para ser um grande animê cabeça. Ser uma dessas obras para que diz que gosta de usar o cérebro, reunir pista para teorias, interpretações pautadas em comparações de frames e por aí vai. Mas cá entre nós: não é bem isso o que faz de Steins;Gate um novo clássico. O que torna Steins;Gate especial é… todo o resto! Porque não há conjectura o suficiente sem os ingredientes certos para manter o interesse em uma obra episódio a episódio.
A pseudociência é interessante, mas ela de nada serviria sem uma trama instigante para ser incluída. Trama essa que envolve viagem no tempo usando um micro-ondas, bananas e celulares, mistérios, assassinatos e um possível futuro que levaria todos à ruína e precisa ser detido ao melhor estilo cyberpunk de quebra do sistema. Mas que encontra seu verdadeiro charme nas relações diárias entre os personagens, nas interações deles em grupo ou como duplas, em suas personalidades contrastantes, nas escolhas e sacrifícios individuais.
Disponível na Funimation.
04. Kill la Kill
(Hiroyuki Imaishi, Studio Trigger, 2013-2014)
Kill La Kill é uma daquelas animações que podem ser lidas de muitas formas. O diretor Hiroyuki Imaishi utilizou todo o capricho visual que se tornou a marca do estúdio Trigger para expandir aos olhos o que o meio poderia nos proporcionar, não se “comportando” nisso, ajudando a influenciar outras séries que viriam mais tarde.
Também fez isso com o modo como a premissa foi executada, apresentando uma história divertida de heróis e vingança, onde uma menina com uma espada em forma de tesoura vai em busca do assassino de seu pai, mas esticando os limites de gênero do ecchi até o máximo possível, a fim de fazer de tudo uma grande paródia que ainda causa confusões nas cabeças dos espectadores (há quem odeie, há quem ame).
Mas Kill la Kill é também sobre um sistema opressor que divide pessoas em castas, dando mais poder aos que são considerados “superiores” de acordo com seus parâmetros, e que castiga aqueles que resolvem se opor a isso, ainda que das maneiras mais caricatas possíveis. A moda e a beleza aqui, junto de todo o poder que isso acarreta e de como a falta disso ataca a população, são boas alegorias sociais, puxando pro humor uma série de questões que, na vida real, infelizmente não têm essa saída como escapatória.
É um animê político, inusitado, beirando ao escrachado, mas bem difícil de passar incólume. A magnum opus do Hiroyuki Imaishi e do estúdio Trigger.
Disponível na Netflix e na Crunchyroll.
03. Re:Zero
(Re:Zero kara Hajimeru Isekai Seikatsu, Masaharu Watanabe, White Fox, 2016)
Re:Zero tem provavelmente uma das melhores ideias de execução de um gênero nos últimos anos. Ao longo da última década, com a popularização dos animês isekai através do sucesso de Sword Art Online, foram várias as obras que seguiram nessa esteira, adicionando pequenas diferenças a fim de encontrar o seu próprio jeito de contar algo parecido.
No caso, a história de um jovem, geralmente um otaku, que entende de videogames, que é enviado para um mundo de fantasia medieval onde suas habilidades, vistas como inúteis e socialmente menores em sua terra, o auxiliam a se tornar um herói e superar as dificuldades postas na aventura.
Mas Re:Zero fez mais bonito que todos os outros ao levar os conceitos gamers pruma área não literal da narrativa, o que auxiliou num desenvolvimento muito maior do personagem principal, dos coadjuvantes e da história, regras e meandros daquele mundo. A alegoria com o save point dele voltar de um determinado lugar e tempo depois de sua morte, mas esse mudar conforme ele foi avançando na narrativa, é excepcional. O jeito como a ação, o perigo e os mistérios da trama vão escalonando a cada nova “fase” conquistada é muito legal de assistir.
E o Subaru é um dos protagonistas mais cativantes dos últimos anos, vai! Re:Zero é o ápice de animês isekai nessa década e quase o maior entre os de dark fantasy. Acima dele, apenas o próximo…
Disponível na Crunchyroll.
02. Puella Magi Madoka Magica
(Yukihiro Miyamoto e Akiyuki Shinbo, Shaft, 2011)
Madoka é um dos troços mais malucos já feitos dentro do universo de animações japonesas. A ideia de mostrarem um “outro lado” do que poderia ser a vida de uma garota mágica é quase doentia.
Os clichês de shoujo magical girl são efetivos dentro do imaginário que séries desse tipo buscam criar. É um mundo mágico, colorido, divertido e radiante, onde, por mais que existam dificuldades e inimigos perigosos no meio do caminho, no fim do dia, as coisas voltam ao normal e toda a fantasia de ser uma heroína colegial termina como um ponto positivo na vida de uma adolescente. Mas Madoka destrói isso do modo mais desconcertante possível.
Aquilo de os desejos se virarem como resultados negativos para as meninas, elas se tornarem escravas do meio que as transformaram. A desesperança de conseguirem se livrar disso um dia, já que os próprios monstros, no fim, são garotas mágicas anteriores que se corromperam, com tudo se revelando um ciclo maldito sem escapatória. A antítese de designs fofinhos na maior parte do tempo para contar uma história tão macabra. O character design diferente das Bruxas para causar estranhamento imediato aos olhos. Aquele final lisérgico lindo em sua negatividade.
Puella Magi Madoka Magica é bizarro, grotesco, incômodo, desconfortável e, justamente por isso, espetacular do início ao fim. Uma obra-prima do animê como “forma” e como “conteúdo”.
Disponível na Netflix.
01. Mob Psycho 100
(Yuzuru Tachikawa, Bones, 2016-2019)
Mod Psycho 100 é um hambúrguer artesanal de luxo em um mundo lotado de franquias fast food deliciosas. É um Parasita de um 2020 onde a concorrência no Oscar foi altíssima. É um Let’s Dance na discografia do Bowie. É um Donkey Kong Country num final de era para o 16-bits. É tipo aquela parte na Fazenda 5 onde a Gretchen sai e a porteira vai se fechando lentamente enquanto a Vivi Araujo grita: “Mariaaa!”
É o ponto mais alto mesmo quando comparado com outros muito bons. Outro nível. Um ápice. Na mesma casta de Cowboy Bebop e Samurai 7, é daqueles animês seriados tão cuidadosamente bem feitos que não deixam nada a desejar em execução mesmo quando comparados com os esforços colocados em filmes em longa-metragem dedicados às telonas.
Tudo para contar uma história sobre um moleque que quer se encontrar dentro dos seus nichos sociais. Claro, com o porém dele ser um poderoso paranormal e coisas estranhas acontecerem nesse processo, mas nada que difira tanto assim da adolescência num geral. Lindamente apurado em sua técnica. Ousado em vários e vários pontos que eu sequer sentia falta que animes fossem ousados. Com um roteiro poderoso, que explora os personagens e acontecimentos que ditam o andamento deles através de um texto afiado, não de coincidências óbvias.
A animação é quase anárquica em suas muitas experimentações. Não existem nele momentos desnecessários. Cada episódio é uma experiência em si. Simples quando quer, uma viagem de ácido quando precisa. Mod Psycho 100 é o melhor animê da década de 2010. E nenhum outro desde então alcançou sua excelência. Mas espero que ninguém pare de tentar.
Disponível na Crunchyroll.
E os piores?
Ah, um dia a gente fala sobre isso.
*OBS: Pelo dicionário, uma década é qualquer período de 10 anos, mas aos que gostam de olhar pelo lado mais formal: segundo a Organização Internacional de Padronização (ISO), entidade composta de órgãos de padronização/normalização de 165 países, uma década começa sempre em um ano cujo número é divisível por 10 sem presença de resto na operação, ou seja, em ano cujo último dígito é 0 (ver seção 3.1.2.22). Como a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) é integrante da ISO, o JBox optou por seguir essa padronização ao considerar o conceito de “década” na lista.
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