ODDTAXI já é o grande animê de 2021? Motivos para especular isso não faltam.
Das séries lançadas nessa mais recente temporada de primavera, talvez essa seja a com a premissa menos chamativa e, de certa forma, mais “sóbria” para uma animação japonesa: a vida de um motorista de taxi chamado Hiroshi Odokawa nas noites urbanas que, por determinados arranjos do destino, acaba se metendo em confusões envolvendo a máfia. O que traz as aspas ao “sóbria”, no entanto, é algo na execução: os personagens são todos animais.
Mas OddTaxi é ainda mais interessante que isso. Ao assistí-lo, tive a impressão de ser uma grande homenagem ao cinema norte-americano feito entre o final dos anos 60 e o começo da década de 80, onde ocorreu um movimento conhecido como Nova Hollywood.
Influenciados por movimentos cinematográficos europeus como o neorrealismo italiano e a nouvelle vague francesa, e com o empurrão de fatos sociopolíticos da época, como a guerra do Vietnã, a morte de figuras influentes (o presidente John F. Kennedy, o pastor Martin Luther King Jr., a atriz Sharon Tate, dentre outros) e todo o clima pessimista pela crescente da violência urbana, novos diretores começaram a imprimir uma visão menos idealizada dos Estados Unidos em filmes que já não apresentavam mais o “sonho americano” como ilibado ao cidadão médio.
Muitos longa-metragens dessa época passaram a brincar com o formato que apresentavam suas histórias, explorando temáticas onde o certo e errado não eram tão delineados, onde a paranoia era recorrente, onde havia desejo de escapismo por parte da juventude pelos empecilhos da realidade, onde anti-heróis ou vilões eram quem prosperava ao fim.
OddTaxi conversa bastante com esse cinema. A referência mais clara me parece ser Taxi Driver (1976), do diretor Martin Scorsese. Pois o protagonista aqui também é um taxista que trabalha durante a noite e está exposto aos perigos urbanos. Pois ele também precisa conviver com a solidão e o tanto de problemas mentais que a ausência de companhias saudáveis pode acarretar. Pois também se apaixona por uma garota que parece desprotegida num primeiro momento, mas traz uma bagagem maior conforme a trama se desenrola.
Também pela escalada da violência que a história toda toma até o fim. Claro, o filme vai por um lado bem mais trágico, mas as sementes estão ali. Taxi Driver retrata a Nova Iorque de sua época. Embora a cidade hoje (bom, não hoje exatamente, porque ainda tem a pandemia) seja um grande ponto turístico, nas décadas de 70 e 80 isso era bem diferente.
O lugar era tão violento e abandonado à própria sorte que gangues uniformizadas dominavam as ruas. As pessoas migravam a outras cidades para tentar uma vida melhor. Tudo estava à beira dum colapso financeiro.
O animê faz o mesmo, mas representando a Tóquio atual, com os problemas urbanos e sociais da metrópole interferindo na vida do Odokawa como os problemas da Nova Iorque de quarenta e tantos anos atrás interferiam na vida do personagem do Robert De Niro.
A narrativa apresenta uma porção de personagens que, de início, não parecem ter muita ligação além de pegarem o taxi ou conhecerem o protagonista. Um grupo feminino idol e seu empresário, um jovem fã desse grupo que ganha na loteria, um universitário que tenta a todo custo viralizar na internet, uma dupla de comediantes de rádio fracassados, um solteirão com um emprego péssimo que procura mulheres num aplicativo de encontros, um médico e sua enfermeira misteriosa, uma dupla de policiais gêmeos onde um é um idealista e o outro é corrupto, e um programador viciado num jogo de celular.
No entanto, os caminhos deles vão se cruzando: o trio idol é gerenciado por um mafioso (algo bem O Poderoso Chefão) e guarda algumas caveiras em seu armário; ao ganhar na loteria, o fã delas entra na mira de bandidos dessa máfia (um deles só fala como se estivesse fazendo rimas de rap) e de um gangster rival; o estudante que se esforça para acontecer na internet começa a chamar atenção ao se intitular um caçador desse gangster; um dos comediantes começa a chamar mais atenção que o outro ao se tornar uma celebridade de TV e uma racha da dupla tem início; o solteirão é pego numa armadilha por conta de um encontro; a enfermeira é chantageada; os policiais são envolvidos; e o programador cai numa espiral de psicopatia que abrange quase todos ali.
O desenho se mune do clima neurótico e pessimista desses filmes da Nova Hollywood e adiciona também elementos do cinema noir enquanto amarra todas essas histórias numa grande narrativa central. Isso é feito de modo lento, dando fôlego e importância ao que é mostrado. O que deve desagradar aqueles que esperam ações mais desenfreadas e uma narrativa mais ágil. Mas eu achei cada minuto maravilhoso.
A maneira como tudo vai crescendo em importância, urgência e escala ao longo dos episódios é bacana demais de assistir. É como se espalhassem peças num tabuleiro e todas elas fossem se alinhando num golpe maior que leva várias rodadas para ficar pronto, mas é matador quando enfim surge. A direção é muito precisa em dragar sutilmente a atenção até que tudo exploda.
Em especial, tem esse episódio que é protagonizado pelo já citado programador. É um dos negócios mais bonitos e intensos que assisti esse ano, em qualquer mídia. O roteiro e a direção pintam todo um arco narrativo de autodestruição pelo vício, da infância até a vida adulta, mas usando coisas que soam bem bobas como fruto do problema, como colecionar borrachas ou um joguinho de celular. É bizarro e sensacional.
Tudo fica ainda mais interessante por esse, aparentemente, ser o grande trabalho de estreia do diretor Baku Kinoshita. OddTaxi é muito bom. É esperto em suas referências, sabe adaptar conceitos de antigamente à uma realidade atual. O roteiro prende como uma teia de aranha, cujo final é o bote mortal que não conseguimos escapar.
Então, é, talvez esse seja o grande animê de 2021. Ansioso pelos que tentarão batê-lo daqui em diante.
Os 13 episódios de OddTaxi estão disponíveis com legendas em português na Crunchyroll. A empresa fornece ao JBox um acesso de imprensa à plataforma.
O texto presente nesta resenha é de responsabilidade de seu autor e não reflete necessariamente a opinião do site JBox.
Excelente texto.
Uma das melhores obras que já vi e a melhor até o momento no ano. A trama é bem desenvolvida e o final fecha de uma forma excelente, superou a minha expectativa.
tinha dropado mas vou dar uma segunda chance….arigatou pelo texto