Olhando para o calendário que tenho na parede do meu escritório, eu pensei o seguinte: “Poxa, já faz quase um ano que a Band deixou de exibir Jaspion, Changeman, Jiraiya e Kamen Rider Black. Parece que foi ontem”. Pois bem, a emissora do Morumbi deixou de exibir tais séries por causa de uma situação crítica: a justa reivindicação dos seus direitos conexos do dublador Élcio Sodré pela veiculação da série do Black.

As más línguas diziam à época que os clássicos sairiam do ar por simplesmente serem tapa-buracos. Em parte, não é errado afirmar que a Band e a distribuidora Sato Company firmaram esse acordo – inicialmente em caráter provisório – para cobrir o horário que era do Sub-20, que não estreou em 22 de março em razão da pandemia da COVID-19.

Jaspion, Changeman e Jiraiya estrearam naquele mesmo dia, com formato de tela desproporcional, closed captions pra lá de esquisitos e cortes bruscos de eyecatches (as vinhetas de intervalo). Problemas à parte, a Band havia registrado uma média de 2,2 pontos de audiência na grande São Paulo, com pico de 2,6. É muita coisa para os padrões da emissora, que dificilmente consegue alcançar essa pontuação com sua programação esportiva nas manhãs de domingo.

Imagem: Jiraya, Jaspion e ranger azul de Changeman em montagem.

A trinca que animou as manhãs de domingo da Band | Foto: Montagem/JBox

O sucesso fez com que a Band ficasse mais atenta, mas era perceptível sua visão meio turva pra coisa. Primeiro ponto: as séries eram exibidas no bloco infantil chamado Mundo Animado, tentando visar as crianças de hoje. A nova geração acompanhou? Sim, graças aos seus pais, que assistiam aos heróis japoneses que fizeram sucesso na saudosa Manchete.

Mas o público-alvo mesmo é majoritariamente formado por adultos que estão na casa dos 30 e 40 e poucos anos. Nisso a Band e Sato tiveram êxito.

Segundo ponto: a Band fazia uma divulgação para o atual público geek. Oi? Como eu disse acima, as séries são voltadas para as crianças dos anos 80, que hoje são adultos. Claro, não que alguém mais novo não possa assistir. Mas qual público ajudou a engajar/impulsionar a audiência? Enfim, se até Chaves conseguiu atravessar gerações, por que Jaspion e cia não conseguiriam? Com boa estratégia, seria possível.

Terceiro ponto: a alegação para justificar o formato de tela, que era uma espécie de “widescreen” meia-boca, era para “evitar as (barras) laterais pretas”, e que a medida também tentava “agradar uma nova geração que não conhece tokusatsu”, segundo informou a Band para Danilo Modolo, do canal TokuDoc.

Ora, era só colocar barras personalizadas, como o SBT fazia com os episódios de Chaves. Simples assim. Sendo assim, por que então as reprises de antigas partidas de futebol não tiveram o mesmo prejuízo de imagem?

Demorou, mas a Band consertou esse erro crasso no começo de maio. Só que apenas corrigir erros ainda não era o suficiente. A emissora carecia de uma ponte formada por gente que produz conteúdo e realmente entende de tokusatsu.

O caminho tinha algumas pedras, como a tentativa de encurtar a exibição das séries tokusatsu para dar lugar a um show da Claudia Leitte, que teve uma baixíssima audiência. A Band voltou atrás e resolveu exibir as três séries com dois episódios cada.

A Fórmula 1 voltou à programação da Globo e a Band sentiu uma considerável queda de audiência, absolutamente natural se tratando de qualquer grande evento esportivo. Enquanto uns pareciam comemorar essa “derrota” (acredite se puder), a Band prometeu que as séries seriam exibidas em outro horário, quando o futebol voltasse a ocupar a grade dominical em setembro. Prova disso era o anúncio de Kamen Rider Black para o dia 30 de agosto, substituindo Jaspion.

Tudo parecia ter um rumo certo, já que a Band garantia a exibição do último episódio em uma das chamadas (infelizmente eu não consegui registrar esse material). Mas Black foi suspenso e por uma boa razão, queira ou não. Isso jamais deveria ter acontecido, pois faltou planejamento, como escrevi nesta coluna. O resto é História.


Oportunidades jogadas ao vento

Imagem: Kamen Rider Black lutando com inimigos.

Por enquanto, Black está impedido de ter um final feliz na TV | Foto: Divulgação/Toei

Fiz questão de recordar os principais pontos dessa exibição na TV para frisar que os clássicos tinham potencial sim para seguir no ar por mais algum tempo.

Era necessário ter anunciantes, mas temos que considerar que a exibição foi colocada às pressas na grade e a economia estava se recuperando aos poucos. Vale também destacar as falhas da própria emissora, seja pelo lançamento emergencial e também pela falta de informações sobre os produtos e seu público.

Quando Black retornou à TV, nem tudo tinha uma definição. Não sabíamos nem qual seria o horário. Numa live do canal Resistência Tokusatsu, da qual eu havia participado, Bone Lopes, que tem boa relação com Nelson Sato, afirmou que Jiban entraria no lugar de Jiraiya (segundo ele, a chamada estava pronta) e Flashman no lugar de Changeman.

Não dá pra fazer uma projeção de como seria as exibições dessas séries em outro horário e tampouco se seria uma série por dia (um ou dois episódios de cada?). Se eu fosse o programador da Band, eu visaria a faixa das 22h ou das 23h, pois o legítimo público alvo estaria em casa e não haveria tanta competição com novelas e telejornais

Infelizmente, a Sato Company não costuma trabalhar em longo prazo e não é de hoje que isso é perceptível. O caso dos direitos conexos é um bom exemplo. As suspensões de dublagens de clássicos que são licenciados atualmente pela distribuidora – animê e tokusatsu – poderiam ser evitadas lá atrás. Talvez tudo fosse diferente se essas pendências fossem resolvidas com antecedência.

Toda essa polêmica acabou saturando os produtos. E isso, somado aos sumiços das séries na plataforma de streaming Prime Video, que não tiveram aviso de expiração e uma satisfação ao público. Tudo bem que alguns dos clássicos de tokusatsu foram adicionados nas plataformas gratuitas Pluto TV e VIX. Mas é meio triste acessá-los sem a dublagem. Não é a mesma coisa.

Talvez Jaspion e cia estivessem nessas mesmas plataformas em condições diferentes: com todos os clássicos finalizados na Band. Se assim fosse, a missão dos heróis já estaria cumprida. Se haveria reprise na sequência, jamais saberemos. Seria um bônus. O fator determinante estaria na divulgação que a Sato poderia trabalhar para engajar o último episódio, que até hoje não teve a oportunidade de ser exibido com dublagem.

Não é fácil manter séries tokusatsu na TV, ainda mais depois da extinção da Manchete e longos jejuns desse tipo de produto pelas nossas emissoras. Jaspion, Changeman e Jiraiya mostraram suas respectivas forças durante seis meses.

Kamen Rider, Flashman e Jiban poderiam manter alguma popularidade em outro horário, por pelo menos mais seis meses. Só que oportunidades foram desperdiças. Elas voam como vento e as chances de retornar para o ponto de origem é extremamente difícil.


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