Depois de anos, The Great Ace Attorney finalmente fez sua estreia internacional, há mais um ou menos um mês. A duologia The Great Ace Attorney Chronicles, trazendo os jogos lançados apenas no Japão em, respectivamente, 2015 e 2017, se ambienta mais de um século antes dos games com Phoenix e seus amigos (ou conhecidos).

Como cortesia, a Capcom enviou ao JBox uma cópia do jogo, na versão da Steam. Os fãs da série sempre rasgaram seda para essa duologia, mas será que vale a pena?

Imagem: Tela de Cross-Examination.

“Interrogatório”. | Reprodução: Capcom.

Na minha experiência com Ace Attorney, nunca imaginei nada capaz de fazer frente à trilogia original. Phoenix Wright: Ace Attorney, Justice for All e Trials and Tribulations se amarram tão bem, ao mesmo tempo funcionando cada um como um jogo solo ótimo para entrar na franquia, que pensava ser impossível repetirem o feito.

Não é por falta de fé, mas todos os jogos posteriores lançados por aqui passam longe do que é qualquer um dessa trilogia. A partir de Apollo Justice, que ainda tem seus méritos, a produção parece ter trabalhado com a ideia de inserir novas mecânicas a todo custo, e criar plot twists a qualquer custo (a série Investigations é um caso a parte, com o perdão do trocadilho).

O resultado foi, a cada jogo mais recente, os casos parecem cada vez mais… baratos, digamos. São somadas a essas histórias forçadas (até para o padrão de Ace Attorney!) mecânicas “inovadoras” e cansativas. Não que isso seja exclusivo da série – oh, não cansamos de ver até mesmo na vida real grandes nomes da indústria tecnológica competindo pela ideia mais estúpida (pois a humanidade precisa de viagens turísticas ao Espaço enquanto passa fome numa pandemia!).

Mas voltando ao nosso assunto, a verdade é que os jogos mais recentes perderam parte da graça, talvez tentando entender qual o charme da série. Para mim, não é questionar uma testemunha sobre o motivo dela coçar o queixo ao dar um depoimento. Nem descobrir se ela está com raiva quando não deveria.

Imagem: Susato na frente, com Iris Wilson e um homem deitado ao fundo.

“Não! … Acho que não, senhor Sholmes.” | Reprodução: Capcom.

Mas The Great Ace Attorney Chronicles segue outro caminho, o diretor Shu Takumi sabe bem como criar seu filho. Obviamente seguindo a trilha de um outro grande acerto da série, Professor Layton vs. Phoenix Wright: Ace Attorney, o jogo introduz algumas mecânicas bastante interessantes (pois o problema não é criar novidades em si).

São mecânicas que casam bem com a proposta e ambientação dos games, além de serem bem trabalhadas. Junto a isso, temos uma história muito bem construída e amarrada, com uma releitura divertida de personagens icônicos da literatura e personagens originais igualmente carismáticos.

Mas um ponto de cada vez, meu caro… Wilson!

Investigação, Parte 1: História

O protagonista é Ryunosuke Naruhodo, um antepassado de Phoenix Wright (cujo nome em japonês é Ryuchi Naruhodo). Evitando spoilers, Ryunosuke acaba entrando no mundo da advocacia um tanto contra sua vontade e com uma mãozinha de seu amigo Kazuma Asogi.

Imagem: Kazuma em desenho 2D, em mesa de restaurante.

Kazuma Asogi. | Reprodução: Capcom.

Numa virada do destino, ele vai parar em Londres, bem na época na qual o já lendário detetive Herlock Sholmes (Sherlock Holmes, no original) está na ativa!

Ao lado de nosso protagonista, está quem realmente merecia uma licença da OAB, a assistente judicial Susato Mikotoba, capaz de resolver 80% dos casos sozinha (se você contar todas as vezes que ela salvou Ryunosuke com um conselho ou uma prova de última hora durante um julgamento).

Inclusive, Susato facilmente seria uma advogada se a Corte Japonesa não proibisse mulheres de sequer pisarem num tribunal em andamento… exceto como acusadas ou testemunhas.

Imagem: Ryunosuke e Susato.

Ryunosuke e Susato. | Reprodução: Capcom.

Com alguns casos no Japão, a maior parte do jogo se passa no Reino Unido, onde Ryunosuke enfrenta o temido promotor Barok van Zieks, uma versão vampiresca de Miles Edgeworth. O personagem britânico certamente merece o posto de “melhor promotor da franquia”.

Com seu hábito de tomar um cálice de vinho durante o tribunal (ou algo próximo a isso, pois nosso promotor mal toca na bebida por certos motivos), humor sarcástico e o mistério em torno de um comportamento um tanto… reprovável para com os japoneses (e o motivo você vai descobrir!), o Lorde van Zieks vai se tornando cada vez mais um promotor único na série, capaz de deixar uma bela marca nos fãs do jogo.

Imagem: Van Zieks com um cálice de vinho, conteúdo da fala abaixo.

“[Um brinde] à sua futura carreira no circo.” | Reprodução: Capcom.

Uma menção também vai para Gina Lestrade, a releitura de G. Lestrade da série de livros de Sherlock Holmes. Mostrando que genderbending não é apenas “coisa de adaptação americana”, Lestrade aqui é uma garota de 15-16 anos com um enorme carisma. De longe, uma das minhas favoritas do jogo.

Imagem: Gina dando depoimento.

Então o que eu fiz foi, eu usei a claraboia. Abri a trava e pulei para dentro.” | Reprodução: Capcom.

Outro personagem transformado foi Watson – aqui, quem cumpre o papel deste parceiro de Holmes é a jovem (bem jovem!) Iris Wilson. E, claro, temos outros personagens, ou referências, ao universo de Sherlock, como Tobias Gregson, Baskervilles, e mais. Mas não é só isso, personagens (por vezes inspirados em pessoas reais) do mundo literário japonês também dão as caras!

O primeiro jogo é um pouco mais “solto”. Aqui, boa parte dos casos não tem conexão entre si mas, como de costume, temos alguns eventos correlacionados. O segundo jogo, no entanto, é de cair o queixo, não só pela forma como ele se conecta com a narrativa do primeiro, mas pela construção das reviravoltas.

O último caso, dividido em dois capítulos, é simplesmente o melhor já feito na franquia. A vítima, o acusado, a promotoria, o juiz e, claro, os fatos descobertos ao longo do julgamento. Tudo desemboca num grande clímax de tirar o fôlego, para deixar qualquer um vidrado querendo aproveitar cada momento da resolução desse quebra-cabeças.

Para quem quer ainda mais, há conteúdos bônus da seção Escapades, com algumas mini-histórias extras ambientadas ao final de alguns capítulos.

Investigação, Parte 2: Gameplay

Os jogos seguem o gameplay padrão de Ace Attorney, com momentos de investigação e momentos julgamento no tribunal. Como estamos no passado, nem todas as técnicas de investigação comuns são possíveis. Análises de DNA, sangue e digitais ainda não existiam direito (mas o Sholmes nos dá algumas possibilidades do impossível).

Durante as investigações, temos a implementação da Course Correction (“correção de curso”), quando Ryunosuke precisa corrigir as deduções do detetive Sholmes, que estão quase certas por linhas tortas. Essa sequência é um adendo bastante divertido, dá um pouco mais de cor a essa parte do jogo, principalmente por toda a apresentação cinematográfica.

Imagem: Começo do 'Course Correction'.

“Correção de Curso / Um momento, senhor Sholmes!” | Reprodução: Capcom.

Já no tribunal, temos a volta das múltiplas testemunhas depondo ao mesmo tempo, algo já presente no crossover com Professor Layton. Além disso, como existe um júri, por vezes os jurados podem concluir, todos de uma vez, que o acusado é culpado.

Nesta hora, a defesa pode pedir uma Summation Examination (“análise dos argumentos”, em tradução livre), na qual exige que os jurados justifiquem a base de seu voto. Colocando a fala de um contra a de outro, Ryunosuke pode reverter um veredito precipitado caso consiga mudar a opinião de 4 dos 6 jurados, e assim, seguir defendendo seus clientes.

Imagem: Jurado número 6, falas abaixo.

“… está dizendo que esses irmãos com cara de criminosos estavam mentindo?” | Reprodução: Capcom.

Além dessas mecânicas serem divertidas em si, elas somam por fazerem sentido onde são inseridas. Como dito anteriormente, elas casam bem com a ambientação do jogo e trazem um pouco mais de emoção aos casos. Nada melhor que mais espaço para gritar “Objection!” e afins!

Julgamento: Declaro aberta a sessão!

Nós vivemos em um momento muito delicado, e jogos não são baratos. A coletânea, que não é vendida em separado, custa R$119,99 na Steam e R$ 169,00 no Nintendo Switch ou PS4 – é mais barato que o preço padrão da maioria dos jogos chamados “AAA” (em torno de 300 reais), mas não é barato.

O jogo não é só muito divertido e bem elaborado, mas, com na verdade dois games inclusos, é longo como alguns JRPG (e nem é um RPG!). Mesmo quem tem muito tempo livre, vai levar uns dias para terminar tudo e, certamente, vai se entreter a cada momento.

Imagem: Tela de Dedução Completa (quando encerra o "Course Correction"), com Naruhodo e Sholmes.

“Dedução Feita / Elementar!” |Reprodução: Capcom.

The Great Ace Attorney Chronicles traz uma baita de uma história, com uma trilha sonora e personagens marcantes, e vale toda a viagem, além de também servir muito bem quem nunca teve contato com a série. Os “novatos” vão perder algumas referências aqui e ali aos jogos anteriores, mas ainda sobra muito para aproveitar.

Os únicos defeitos desse jogo são a inexistência de tradução oficial em português e também de uma sequência ou spin-off com a Susato protagonizando. É uma pena ter demorado tanto, mas que bom que finalmente chegou. Seria lastimável tamanha obra-prima dos advogados de primeira ficar restrita ao Japão para sempre.

Então o veredito é: sim, para quem gosta desse tipo jogo ou quer experimentar, o investimento vale a pena!

Imagem: Susato e Ryunosuke, fala abaixo.

“Você esperaria menos que isso?” | Reprodução: Capcom.

Quer ver um pouco mais? Confira um trailer:


Esta resenha foi feita com base em cópia gentilmente cedida ao JBox pela Capcom Brasil. O texto presente é de responsabilidade de seu autor e não reflete necessariamente a opinião do site.


Outras informações

Jogo: The Great Ace Attorney Chronicles (The Great Ace Attorney: Adventures + The Great Ace Attorney 2: Resolve)
Data de lançamento: 27 de julho de 2021.
Plataformas: Nintendo Switch, PlayStation 4, Steam.
Desenvolvedora: Capcom.
Publicadora: Capcom.