Em 1996, após 15 anos de um jejum de séries Ultra na TV – com o final de Ultraman 80 (Eighty) em 25 de março de 1981, a Tsuburaya tentava emplacar uma comemoração de 30 anos da série original de Ultraman. Nesse meio tempo surgiu alguns filmes e spin-offs da franquia, mas ainda faltava algo para revitalizar a marca.

A primeira tentativa foi em 9 de março daquele mesmo ano, quando a Tsuburaya lançou os filmes Revive! Ultraman e Ultraman Zearth. O primeiro era um curta-metragem de 23 minutos, composto de cenas da série clássica de 1966 e cenas adicionais, recém-filmadas até então.

O segundo era uma paródia tosca que, apesar de ter alguns atores de Ultraman, era pra lá de sem graça. Rendeu uma sequência em 1997 com as participações de Kohji Moritsugu (Dan Moroboshi/Ultraseven) e Jiro Dan (Hideki Go/Ultraman Jack).

Imagem: Ultraman lutando com monstro.

No ano em que Ultraman completava 30 anos, a extinta Manchete reprisava os primeiros 12 episódios; o herói ainda usava a medonha máscara Type A! | Foto: Divulgação/Tsuburaya

Enquanto isso, aqui no Brasil, a Sato Company já tinha iniciado os lançamentos das fitas com episódios de Ultraman em VHS.

Alguns fãs mais antigos reclamaram pelo fato da série ter sido redublada (no caso, pela BKS), mas o que importava mesmo era a volta de um dos mais importantes heróis japoneses ao Brasil.

Em entrevista para o livro Ultraman – O Gigante da Terra da Luz, escrito por Danilo Modolo, do canal TokuDoc, Nelson Sato disse que o resultado do lançamento foi “abaixo do esperado“.

Mesmo assim, a Sato Company conseguiu lançar todos os 39 episódios. Ele ainda disse nesta mesma entrevista que tinha a intenção de “trazer todas as séries da franquia“, incluindo também inéditas.

Ainda em 1996, Ultraman retornou à TV brasileira na noite do dia 25 de março de 1996, pela saudosa Manchete. Na ocasião, a emissora dos Bloch inaugurava o bloco JapAction.

De segunda a quinta, a dobradinha era formada pela inédita série nipo-americana Superhuman Samurai (adaptação de Gridman), a partir das 19h. Na sequência entrava Ultraman às 19h30. Nas sextas, a dobradinha era formada pela reprise do clássico National Kid (às 19h) e Solbrain (às 19h30).

Foi também no JapAction que aconteceu a estreia do animê Shurato, na noite do dia 13 de maio de 1996. O lançamento acabou jogando Superhuman Samurai para a faixa das 19h30, de segunda a quinta. Já Ultraman ocupava o mesmo horário às sextas-feiras.

Relembre a vinheta de abertura/encerramento do JapAction:

Com o tema principal do filme animê Akira utilizado para a vinheta de abertura e encerramento, o bloco JapAction durou cerca de 3 meses, chegando ao fim em 31 de maio de 1996. Na semana seguinte, estreava o animê Samurai Warriors (às 18h15), que entrou no meio das séries do gênero como Sailor Moon (17h45), Shurato (18h45) e as infindáveis reprises de Os Cavaleiros do Zodíaco (19h15).

Superhuman Samurai foi jogado para as noites de sexta, das 19h15 às 19h55 e mais tarde para a faixa vespertina. Ultraman formou dobradinha com National Kid nas noites de sábado, antecedendo o tradicional Jornal da Manchete. Ambas jamais passaram dos primeiros 12 e 3 episódios, respectivamente.

Voltando para o Japão, a Tsuburaya finalmente acertou a mão com a estreia de Ultraman Tiga em 7 de setembro de 1996. Exibida nas noites de sábado pelas emissoras TBS e MBS, das 18h às 18h30 (de Tóquio), a série iniciava uma nova era da franquia na TV japonesa. Em outras palavras, a era Heisei (1989~2019) finamente começava para Ultraman.


A saga do gigante de Tiga

A trama se passava entre 2007 e 2008, numa cronologia diferente dos Ultras da era Showa. A Terra estava sendo atacada por monstros gigantes e visada por alienígenas. Assim se realizava parte de uma profecia apocalíptica que sinalizava um caos que fugiria do controle. A humanidade estaria à beira da destruição.

Imagem: Ultraman em 'Tiga'.

Ultraman Tiga, o lendário guerreiro da luz | Foto: Divulgação/Tsuburaya

Mas nem tudo estava perdido. A Terra contava com a TPC (Terrestrial Peaceble Concert) e sua equipe anti-monstros GUTS (Global Unlimited Task Squad).

Um dia, pesquisadores descobrem uma antiga cápsula com uma mensagem holográfica da sacerdotisa Yuzare, que falava sobre uma pirâmide dourada que fora construída há milênios por uma antiga civilização.

Numa operação para desvendar os mistérios da pirâmide, os oficiais da GUTS encontram três estátuas de gigantes protetores, que poderiam ser revividos e salvar a Terra. Porém duas das estátuas são destruídas pelos kaijus Golza e Melba.

Antes que a terceira estátua fosse destruída, o oficial Daigo Madoka desperta misteriosamente uma energia espiritual que deu vida novamente ao gigante de Tiga. Assim ressurgia Ultraman Tiga para defender nosso planeta!

Daigo é, na realidade, um descendente da mesma civilização que construiu a pirâmide. Ele passa a viver em simbiose com Tiga, se tornando em um com o brilho do dispositivo de transformação Sparklence. O herói gigante possui 50 metros de altura, podendo lutar também em tamanho humano. Inicialmente, Tiga possui três formas: Multi Type (roxo e vermelho), que equilibra sua força e velocidade; Power Type (vermelho), que possui mais força e menos velocidade; e Sky Type (roxo), que possui mais velocidade e menos força.

Boa parte dos episódios eram extremamente dramáticos e às vezes terminavam de maneira trágica. Era uma atmosfera ainda mais carregada que as séries tokusatsu que o público da extinta Manchete estava acostumado, inclusive. Os grandes momentos que destacaram a série foram a saga de Evil Tiga, que teve a participação do ator e dublê Takashi Koura, o Lúcifer em Cybercop, que interpretou o cientista maligno Masaki Keigo.

Imagem: Takashi Koura em 'Ultraman Tiga'.

Takashi Koura, o Lúcifer em Cybercop, no papel do vilão Masaki Keigo, o hospedeiro de Evil Tiga | Foto: Divulgação/Tsuburaya

E, é claro, o episódio 49 em que Tiga se encontra com o primeiro Ultraman – que também serviu como homenagem ao Eiji Tsuburaya, criador de Ultraman e também de Godzilla.

Os últimos três episódios mostrou Tiga enfrentando sua maior ameaça: o monstro gigante das trevas Gatanothor.

O gigante de luz ainda deu as caras nos filmes Ultraman Tiga & Ultraman Dyna: Os Guerreiros da Estrela da Luz (1998) e Ultraman Tiga, Ultraman Dyna & Ultraman Gaia: A Batalha no Hiperespaço (1999) – lançados no Brasil em 2011 pela Focus Filmes.

Participações significativas, mas o público queria ver mesmo era a volta de Daigo.

Em 11 de março de 2000, os fãs japoneses foram finalmente agraciados com o lançamento do filme Ultraman Tiga: A Odisseia Final nos cinemas, revelando segredos sobre o passado do herói e apresentando pela primeira vez a tríade dos Gigantes das Trevas. Isso sem mencionar a quarta forma do herói: a Glitter Tiga.

Imagem: Os atores em 'Ultraman Tiga'.

Da esq. para dir.: o casal Rena Yanase e Daigo Madoka e mais a Capitã Megumi Iruma | Foto: Divulgação/Tsuburaya

Este filme deu mais destaque à Capitã Iruma (a primeira mulher comandante de uma série Ultra), interpretada pela atriz Mio Takaki, que já estava com 40 anos e ainda era muito admirada pelo público, tanto por sua interpretação quanto por sua beleza.

Além disso, A Odisseia Final – filme lançado no Brasil em 2008 pela Impact Records – explorou os laços do casal Daigo e Rena, que se casaram no fim do filme.

Daigo foi interpretado pelo ator e cantor Hiroshi Nagano, membro da boy band V6, que interpretou o contagiante tema de abertura Take Me Higher (o sexteto chegará ao fim em novembro deste ano).

Rena Yanase foi interpretada por Takami Yoshimoto, que é nada menos que a filha do ator Susumu Kurobe, o Hayata da série clássica de Ultraman.

E aqui também vale citar a atuação de Shigeru Kagemaru como o oficial Tetsuo Shinjoh, que tinha um jeitão mais heroico que o próprio Daigo.

Isso talvez porque Kagemaru já tinha sido herói principal na série Tokusou Exceedraft (1992~93) – a única série inédita no Brasil da trilogia Rescue Police, formada também por Winspector e Solbrain. Kagemaru se tornou um rosto bastante conhecido por participações em algumas séries Ultra produzidas em diante.


Legado no Japão e feixe de luz no Brasil

Imagem: Ultraman Tiga e Ultraman Trigger.

Tiga e seu sucessor, o Ultraman Trigger | Foto: Divulgação/Tsuburaya

Ultraman Tiga transformou o conceito dos heróis gigantes da Nebulosa M-78. O que antes era considerado como seres biomecânicos ou algo do tipo. Foi há 25 anos que o conceito de gigante da luz foi adotado nas produções seguintes. Isso ficou evidente na série seguintes Ultraman Dyna (1997~98) e Ultraman Gaia (1998~99), além de seus filmes e de outros heróis da franquia.

Por tudo isso e mais outras referências que não caberiam num só texto, Ultraman Tiga merece ser relembrado neste aniversário de 25 anos da trilogia TDG (sigla que se refere ao trio Tiga, Dyna e Gaia), que lançou a série Ultraman Trigger: New Generation Tiga, que está no ar pelo canal da Tsuburaya no YouTube e com legendas em português.

Sem dúvida alguma, Ultraman Tiga foi uma das melhores séries tokusatsu que passaram no Brasil. Uma pena que não teve o devido tratamento, uma vez que a audiência era maior que Pokémon, o carro-chefe da programação infantil da Record entre 1999 e 2000. Acredito que Tiga teria uma popularidade maior se fosse exibido em horário nobre, como a Manchete fazia com as séries japonesas nos anos 90.

Imagem: Encontro entre Ultraman e Tiga.

O episódio 49, onde Tiga se encontra com o primeiro Ultraman, foi exibido no Brasil uma única vez em 4 de julho de 2005, pela Rede 21 | Foto: Divulgação/Tsuburaya

E pensar que quase tivemos a chance de assistirmos Ultraman Tiga: A Odisseia Final nos cinemas, previsto para julho de 2000, não é mesmo?

Aliás, foi um ano importante para o boom dos animês Pokémon, Dragon Ball Z (que tiveram filmes nas telonas brasileiras naquele mesmo ano) e principalmente de Digimon.

Era a chance perfeita para a sobrevivência do gênero tokusatsu no Brasil, que sofreu um baque muito grande com a extinção da Manchete.

Um pouco mais de atenção da Record e provavelmente teríamos também Ultraman Dyna e Ultraman Gaia em 2001, como a Mundial Filmes planejava.

É praticamente impossível, para um fã de tokusatsu, olhar para o fenômeno Ultraman Tiga na Terra do Sol Nascente sem pensar no sucesso que faria no Brasil, se nada desse errado.

Tiga tinha muito mais chances de garantir retorno comercial em 2000 do que o primeiro Ultraman em 1996.

E isso não é um demérito ao clássico, veja bem. É que é não dá pra olhar para a média de 8 pontos que o gigante da luz rendia para a Record contra 6 de Ash, Pikachu e cia. A conclusão era que Tiga estava no horário errado e era dramático demais para ser uma atração de um programa tosco que não deixou muita saudade.

Brasileiro gosta de tokusatsu, seja fã inveterado ou não. O sucesso de Tiga era quase imediato e sua popularidade poderia vingar. Faltava mais um pouco pra isso acontecer. Aos menos tivemos uma única exibição completa de Tiga em 2005, na Rede 21, e seus filmes por aqui em DVD e nos serviços de streaming.

PS: Escrevi sobre esta breve passagem de Ultraman Tiga no Brasil na Coluna do Daileon #131.


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