Ainda estamos na semana da criança. É inevitável que as lembranças de quando a gente era pequeno venham à mente. Isso deixa a memória de tempos que não voltam mais ainda mais presentes de alguma forma. É como dizia uma das clássicas canções da Xuxa: “Coisas que o coração/Hoje quer relembrar“. E motivos do tipo não faltam para quem assistia, ou melhor, cresceu assistindo tokusatsu.

Falar no gênero, às vezes, pode significar falar em programas infantis para algumas pessoas. Não necessariamente. Pode ser meio difícil de explicar isso, pois esse problema é o mesmo para quem consome HQs, mangá, animês e filmes de super-heróis no cinema. Desenhos animados são referências de programas infantis. Mas não é de hoje que existem desenhos feitos especialmente para um público mais velho. Basta procurar séries como Os Simpsons, South Park e Beavis and Butt-Head para constatar.

No caso de produções japonesas, os animês eram tidos como programas especialmente voltados para crianças. E é claro que haviam séries destinada às crianças que falam a língua dos mais velhos, além de abordar temas mais complexos como, por exemplo, no animê Patrulha Estelar. Com tokusatsu, a coisa não é muito diferente. Mas vejamos alguns pontos.

Imagem: Cena de luta de 'Changeman'.

O violento duelo entre Change Dragon e Buba marcou a infância de quem assistia Changeman | Foto: Divulggação/Toei

Era comum ver cenas extremamente violentas nas produções mais antigas do gênero, especialmente dos anos 60 e 70. Não é por isso que elas se tornaram automaticamente produções “juvenis” e “adultas” da noite pro dia. Elas podem ser apreciadas por adultos em qualquer tempo. Por outro lado, foi a chegada do tokusatsu para a TV no final dos anos 50 (antes era um gênero predominante nos cinemas japoneses) que possibilitou o merchandising de produtos relacionados.

Fabricantes como a Bandai passaram a ditar rumos de novas produções, criando com o tempo robôs, naves, dispositivos de transformação, etc. Determinadas tramas são feitas, até hoje, para se adequarem ao mercado da venda de brinquedos. As trocentas formas dos Kamen Riders são exemplos da demanda atual. Sem isso, as séries deixam de ser produzidas.

Mas os roteiros também são essenciais, pois eles podem ser marcantes. Boa parte também tem, digamos, sua cota de infantilidade. O bom humor visto em alguns episódios de Jaspion e Changeman, por exemplo, atenderam ao público infantil da época, sem deixar a dramaticidade em momentos cruciais, como as duas mortes de MacGaren e o inesquecível duelo entre Change Dragon e Buba ao entardecer.

Imgem: Capa de revista Robot 8-chan (fala-se "ha-chan").

Primeira produção da franquia Toei Fushigi Comedy Series, Robot 8-chan (Hatchan, 1981~82) era bem bastante infantil – e divertida | Foto: Divulgação/Toei

Metalder e Jetman são dois exemplos de séries com a grande maioria de seus episódios mais sisudos, mas que vendiam brinquedos no Japão. Há quem diga que as séries tokusatsu de antigamente eram mais “adultas” e que as recentes são mais infantis. Concordo em partes.

Confesso que eu usava até algum tempo o termo “adulto” para me referir à algumas séries tokusatsu, mas é meio estranho, pois isso pode remeter a um outro tipo de conteúdo.

Em tempo, existiam sim séries mais bobinhas como, por exemplo, Patrine e outras da extinta franquia Toei Fushigi Comedy Series, criada em parceria com o saudoso mangaká Shotaro Ishinomori.

Hoje em dia as séries Kamen Rider, Super Sentai e até Ultraman estão mais infantis do que antigamente. A qualidade depende muito de cada roteiro, assim como produções de qualquer época.

Mas séries recentes com um teor mais sério, como Kamen Rider Build, podem atrair facilmente um adulto aficionado por tramas sobre conspiração e ficção-científica, sem deixar de vender brinquedos para as crianças. E voltando a falar sobre o termo “adulto”, as séries Garo se encaixariam de alguma forma nesse termo por causa das cenas de nudez.

Independentemente da proposta de cada produção, são os enredos e, principalmente, seus efeitos especiais que atraem públicos de várias idades. O termo tokusatsu é uma abreviação de tokushu kouka satsuei, que significa algo como “filmes com efeitos especiais”.

Outros elementos característicos são os monstros de borracha, as poses de transformações, as belíssimas cenas de naves voando dentro de um estúdio, maquetes prontas para serem destruídas, etc. Mas há séries que não utilizam alguns destes ou nenhum deles. Basta ter efeitos especiais. Se a história vai ser boa ou ruim para o espectador, aí são outros quinhentos.

Imagem: Pôster promocional de 'Garo'.

Garo; só para adultos! | Foto: Divulgação/Tohokushinsha

Atribuir tokusatsu como sinônimo de conteúdo infantil não é errado, salvo exceções em determinados contextos. Eu já passei dos trinta (mantendo a carinha de vinte e poucos anos) e não tenho vergonha de assumir que ainda gosto de tokusatsu. Me vejo ainda consumindo produções do gênero daqui a 50 anos, pois é maravilhoso.

C.S. Lewis, o renomado autor da série de livros As Crônicas de Nárnia, escreveu um pensamento interessante em seu artigo Três Maneiras de Escrever Para Crianças que se encaixa muito bem ao contexto do fã adulto de tokusatsu: “Hoje gosto de vinho branco alemão, coisa de que eu tenho certeza de que não gostaria quando criança; mas não deixei de gostar de limonada.” Ou seja, alguém pode curtir Garo sem deixar de gostar de um National Kid, um Ultraman ou um Jaspion da vida, sem pecado e sem juízo.


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