Chegamos ao ponto alto de Kamen Rider, o mangá original de Shotaro Ishinomori (1938~1998) que atualmente está sendo publicado pela Editora NewPOP. Esta resenha é sobre o terceiro e último volume da versão brasileira, que tem algumas influências da mudança de trama da série tokusatsu de 1971, mas sem perder a dramaticidade do rei do mangá. Caso não tenha lido, confira as resenhas dos volumes anteriores aqui e aqui.

A edição dá continuidade ao quinto capítulo do mangá intitulado O Vilarejo do Monstro do Mar, onde o passado de Hayato Ichimonji é explorado. Ele é o segundo Kamen Rider – sendo um personagem criado originalmente para a série de TV, quando o astro Hiroshi Fujioka sofreu um acidente de motocicleta nas gravações.

Hayato retorna ao seu antigo vilarejo, onde seus entes queridos são controlados pela Shocker. O herói enfrenta o Homem-Caranguejo, que não tem uma contraparte na série de TV. A continuação é praticamente só de luta entre o Kamen Rider e as criaturas marinhas controladas pela organização maligna, além de mais alguns monstros. O desfecho tem um leve clima de final de série, uma vez que o Rider dá de cara com os vassalos da Shocker em uma de suas bases secretas. Mas ainda não é o fim.

Imagem: Cenas de Kamen Rider e tubarão.

Kamen Rider contra um tubarão controlado pela Shocker | Foto: Lídia Rayanne

O Mundo Através da Máscara, sexto e último volume de Kamen Rider, é o mais longo de toda a série, totalizando cerca de 220 páginas. Como o Hayato da série de TV era mais engraçado, sua versão em mangá também teria um alívio cômico em alguns momentos e muitas situações críticas em sua volta.

Hayato aparece cuidando de uma criança chamada Koji, que é bastante esperta, mas sofre de uma grave doença. Para esconder de Hayato as suas dores, Koji mantém seu senso de humor. Junko, a irmã do garoto (e o amor platônico de Hayato) trabalha para a empresa Hinoshita Denshi, cujo diretor de tecnologia foi encontrado morto.

Tudo começa a desenrolar quando Hayato recebe uma mensagem de alguém que atende pelo codinome X, dizendo que tem “um assunto de suma importância relacionada à Shocker” – com direito a uma referência fácil fácil do leitor captar.

A conspiração está ligada ao October Project, que tem como objetivo fazer uma lavagem cerebral na população japonesa através de um supercomputador. Durante a missão, Kamen Rider conhece o atrapalhado Jiro Taki, um agente da FBI que é nada menos que a contraparte do detetive Kazuya Taki, da série de TV.

Imagem: Hayato e membro da Shocker.

Hayato enfrenta um dos vassalos da Shocker | Foto: Lídia Rayanne

O Taki da TV foi interpretado pelo veterano Jiro Chiba (seu nome original é Matsuho Maeda e usou o nome artístico Jiro Yabuki entre 1976 e 2006), que originalmente havia participado de uma audição para interpretar Takeshi Hongo. Chiba chegou a participar de episódios das séries tokusatsu Akumaizer 3 e Robot Keiji (ambas criadas por Ishinomori).

Curiosamente, Chiba é tio do ator Mackenyu Arata, que esteve no filme Kamen Rider Drive: Surprise Future (2015) como Eiji Tomari, o filho do herói Shinnosuke Tomari/Kamen Rider Drive que veio do futuro. Mackenyu também foi Enishi em Samurai X: O Final (2021) e será Seiya de Pégaso no filme live-action de Os Cavaleiros do Zodíaco, atualmente em produção e previsto para estrear em 2023.

O Taki do mangá também aparece na novel Kamen Rider Eve -Masked Rider Gaia- (2007), que é a sequência deste mangá. Já o Taki da TV serviu de inspiração para a criação do agente da Interpol Ryusuke Taki. Ou melhor, Suda Ryusuke como ficou conhecido na versão brasileira de Kamen Rider Black (1987~88).

Alguns monstros aparecem neste capítulo, com destaque para Jaguarman, que teve sua versão na série televisiva, mais precisamente nos episódios 53 e 66 – além de aparecer nos filmes Kamen Rider × Kamen Rider W & Decade: Movie Taisen 2010 (2009), OOO, Den-O, All Riders: Let’s Go Kamen Riders (2011) e Heisei Rider vs. Showa Rider: Kamen Rider Taisen feat. Super Sentai (2014).

No mangá, o visual de Jaguarman é simples, porém assustadora, e suas presas são capazes de “dilacerar qualquer roupa de proteção ou até os músculos cibernéticos” do Kamen Rider. Bem melhor que aquele traje cafona, venhamos e convenhamos.

Imagem: Líder da Shocker.

O Grande Líder da Shocker é na realidade… um robô! | Foto: Lídia Rayanne

Depois de surpresas, reviravoltas e um misto de tragédia e comédia, podemos conferir a batalha decisiva contra o grande líder da Schocker, criado por Ishinomori para o mangá.

Seu nome é Big Machine e seu visual é um tanto futurístico para os padrões setentistas, além de ser bem diferente das versões monstruosas do Grande Líder, que aparece na série original e em outras produções da franquia.

Aliás, o visual de Big Machine serviu de base para a criação do Embaixador do Inferno, vilão dos episódios 53 a 79 de Kamen Rider, além de aparecer nos episódios 27 e 28 de Kamen Rider V3 e nos filmes Kamen Rider Decade: All Riders vs. Dai-Shocker (2009) e Kamen Rider 1 (2016; o filme próprio do primeiro herói).

Uma outra curiosidade é que Big Machine foi o nome usado no famigerado filme Kamen Rider × Super Sentai: Super Hero Taisen (2012) para a combinação do Forte Crisis, a base do Império Crisis em Kamen Rider Black RX e do Giant Horse, a nave mãe do Império Zangyack em Kaizoku Sentai Gokaiger (a versão original de Power Rangers Super Megaforce).

O contexto do último capítulo de Kamen Rider é uma crítica de Ishinomori ao então primeiro ministro Eisaku Sato (1901~1975), que é representado em caricatura.

Sato havia iniciado a carreira política, pelo Partido Liberal Democrata, no momento em que era investigado por crimes de corrupção. Mas se tornou popular e até ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1974, no ano anterior à sua morte.

A condecoração foi devido à assinatura de um tratado em que o Japão se comprometeria a jamais possuir armas nucleares, embora Sato estivesse envolvido em controvérsias como o escândalo sobre negociações secretas com os EUA para o armazenamento de armas nucleares no período da Guerra Fria (1947~1989).

Ishinomori e outros mangakás da época eram opositores da renovação do Tratado de Cooperação Mútua e Segurança entre os EUA e o Japão, mais conhecido na época como Anpo. Sato não deu ouvidos aos protestos e renovou o tratado em 1970.

Imagem: Cenas do manga.

Que comece a batalha final! | Foto: Lídia Rayanne

Por ser natural da província de Miyagi, conhecida por suas belezas naturais, Ishinomori era crítico dos riscos ambientais gerados por instalações de fábricas e unidades petroquímicas, que foram essenciais na estrutura econômica do Japão após a Segunda Guerra Mundial (1939~1945).

Na visão do rei do mangá, a natureza representava uma espécie de mundo ideal e, portanto, era contra a produção de bens industriais que favoreciam o enriquecimento de políticos e negociantes. Ishinomori ficou mais convicto disso após se mudar para Tóquio ainda no início de carreira como mangaká, pois sua irmã mais velha Yoshie sofria de asma e o ar poluído da capital japonesa agravou a doença, causando sua morte aos 23 anos de idade ao lhe visitar.

Essa grande perda mudou a maneira de Ishinomori ver a vida e isso refletiu, obviamente, na criação de suas obras. E especificamente sobre o mangá, o final reserva uma grande surpresa para o leitor, mas o final nem sempre é feliz.

O mangá original de Kamen Rider foi desenvolvido em paralelo à serie tokusatsu e, mesmo sofrendo algumas influências do primeiro ano da versão da TV, seguiu até o que Ishinomori quis propor para o público mais velho da época, caminhando com as mudanças pós-Guerra que o Japão enfrentava.

Kamen Rider é muito mais do que entretenimento. É um cult a ser reverenciado e respeitado por qualquer fã de tokusatsu. O mangá que veio primeiro acabou sendo um complemento da série tokusatsu e vice-versa. É importante entender quais os contextos da época e como uma produção despretensiosa acabou se tornando tão popular até hoje no Japão.

E que venha Kamen Rider Black, a próxima publicação pelo selo Xogum da NewPOP.

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