A Panini fez, neste 8 de março, uma live para falar dos seus lançamentos do mês de maio, dentre os quais foram reveladas 3 novidades: os shounens Missão Yozakura Family Deadpool Samurai; e o seinen Alma.

A bola estava quicando, o gol praticamente sem goleiro. Era só chutar e “ir pra galera”, mas a editora conseguiu finalizar pra fora e garantir uma vaga no “IFC”, o Inacreditável Futebol Clube.

No Dia Internacional da Mulher, a Panini perdeu a ótima oportunidade de atender um pedido que tem voltado a se fazer notar, seja nos chats das lives ou em comentários nas redes sociais. Boa parte do público consumidor clama por mais mangás shoujo e josei no Brasil, e a data poderia servir como um impulso para uma nova tentativa.

É inegável que, apesar de qualquer coisa, a editora de matriz italiana foi umas das que mais vezes se movimentou para a publicação de shoujos e joseis por aqui. Nos últimos anos, a Panini foi quem mais investiu nessas demografias, tendo sido a responsável por trazer títulos de impacto, como AoharaidoKimi ni TodokeBanana Fish, além de apostas menos conhecidas, como Last Notes (da autora de Black Bird), Game, Wedding Eve, Furi Fura (da autora de Aoharaido), Hal, o relançamento de Paradise Kiss.

Embora menos esparsas que as publicações da JBC, que também publica um shoujo aqui e outro ali (e recentemente trouxe o aclamado My Broken Mariko, josei de Waka Hirako), ainda é pouco e, repito, a data de ontem seria uma boa oportunidade para um novo movimento nessa direção.

Imagem: Sawako e Shouta Kazehaya, de 'Kimi ni Todoke'

‘Kimi ni Todoke’, shoujo publicado pela Panini. | Reprodução.

Uma coisa a pontuar é que, apesar da prerrogativas que fazem parte da construção de uma demografia ou outra, não devemos levar tão a sério esse tipo de divisão, até porque não existe “mangá para menino” e “mangá para menina”, como talvez sugeriria algum ministro de Estado.

Acontece que, mesmo assim, pelo menos parece haver no Brasil uma demanda por shoujo e josei atrelada ao público feminino. Como as editoras não fazem pesquisa de mercado, fica difícil comentar pontos como esse sem uma boa dose de intuição.

Mas já que a única coisa que temos de concreto é esse conceito que nos chegam de fora, basta ver a infinidade de títulos shounens e seinens nas bancas e livrarias – enquanto os materiais de outra ordem acabam sendo agulha no palheiro – para notar uma disparidade um tanto assustadora (recomenda-se a leitura dos índices disponibilizados no Biblioteca Brasileira de Mangás para que se veja com mais clareza).

No limite, podemos lembrar que as demografias nada mais são que uma projeção feita pelas editoras japonesas para tentar traçar o público alvo de suas séries, o que, na lógica do mercado japonês, provavelmente diminui os riscos de um determinado mangá fracassar diante de um determinado tipo de leitor que as próprias editoras imaginam como “o leitor ideal” de uma revista (entenda melhor no nosso guia sobre as demografias).

Obviamente que grande parte dos leitores de uma Shounen Jump foge à regra do que traça a editora como “leitor ideal” (crianças e adolescentes identificadas ao gênero masculino), mas ainda assim essas balizas fazem parte do modelo de produção que lá se consolidou.

Tirando isso por base, o que vemos atualmente no Brasil é uma quase completa ausência de títulos shoujo ou josei, cujo alvo é o público feminino. Num mercado que se proponha a explorar todas as possibilidades, isso é um absurdo, mas não parece ser este o caso brasileiro.

As editoras estão muito confortáveis publicando os maiores sucessos da Jump e companhia. Em linhas gerais, se não há o interesse na publicação de obras criadas mirando num determinado público alvo – com todas as ressalvas já feitas ao efeito prático dessa proposição demográfica –, então não há a intenção de tentar incluir esse público.

Imagem: Protagonista de 'Paradise Kiss'.

‘Paradise Kiss’, josei recém-publicado pela Panini. | Reprodução.

Era comum, nos tempos de eventos presenciais, ouvirmos em palestras que os shoujos eram “tiros no escuro” e que as tentativas já feitas ao longo dos anos causaram prejuízo. No entanto é curioso como não é nada fácil encontrar os exemplares desses títulos que eventualmente acabaram encalhando (e as editoras, por seus motivos, preferem não revelar o desempenho de seus títulos, dificultando ainda mais a discussão em torno do problema).

Ora, lembremos que, por muito tempo, mangás com público-alvo mais velho tiveram dificuldade de engrenar no Brasil. Vejam quanto tempo Junji Ito demorou pra ganhar nova chance – e agora as editoras brigam entre si para ver quem publicará a próxima coletânea de contos do autor. O próprio Junji Ito, aliás, é responsável pela chegada de alguns “shoujos por acaso” da Pipoca & Nanquim, que trouxe o shoujo Tomie e o josei A Sala de Aula Que Derreteu, mas que vieram pelo fato de serem mangás do Ito, não pela demografia.

Não seria o momento de pensar uma estratégia nova para os mangás shoujo e josei, agora que o nosso mercado está aparentemente mais maduro?

Imagem: Pop-chan anunciando o selo Sakura em ilustração.

Selo Sakura: uma esperança para os shoujos e joseis? | Reprodução.

Enfim, mesmo que tenhamos inúmeras ressalvas e considerações sobre o quão aplicável é o modelo de separação por demografia num mercado que não seja o japonês, não se pode ignorar o fato de que há um grupo insatisfeito com a falta de publicações shoujo/josei. E imaginando que esse grupo seja formado por uma maioria de mulheres, a memória do 8 de março poderia ter sido melhor aproveitada (ou simplesmente aproveitada).

Infelizmente, não parece ser algo da alçada da divisão brasileira da Panini, cujo catálogo está cada vez mais uniformizado entre as filiais espalhadas pelo mundo e pouco parece ser possível variar dentro desses limites.

Resta esperar o efeito que a criação de um selo para obras desse segmento por parte da NewPOP pode gerar nas concorrentes. No fim das contas, ainda é preciso que se diga: em qualquer lugar que seja, um pouco de diversidade nunca é demais.


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