Sabe aquelas obras que impressionam de início, possuem elementos que podem dar um caldo e dão a impressão de que irão agradar bastante pela ousadia, mas desandam feio a partir de algum ponto e tudo se transforma num trem descarrilado? World’s End Harem (Shuumatsu no Harem) está nessa classificação.

Esse é um animê feito em conjunto pelos estúdios Gokumi e AXsiZ (Seiren), com direção de Yuu Nobuta (de Faraway Paladin), que adapta o mangá de mesmo nome, escrito por LINK, em publicação desde 2016 na plataforma online Shounen Jump+, da editora Shueisha, já com 14 volumes compilados nesse meio tempo.

O animê desperta curiosidade tanto pela premissa, quanto pela maneira que ela é executada. No enredo, acompanhamos um futuro onde um vírus mortal, o MK (Male Killer, “mata-macho” nas legendas da Crunchyroll), que afeta apenas homens (du-uh), se espalhou pelo mundo e dizimou boa parte da população masculina. Alguns têm sobrevivido através de um sistema hibernação no qual são mantidos, mas eventualmente terão os dias contados, já que esse “congelamento” só atrasa a ação do vírus, não o impede em definitivo.

As exceções, ao menos no Japão, são cinco caras que, por determinados motivos, estavam nesse sono criogênico e se mostraram imunes à doença. E então, uma organização que domina o Japão e parte do mundo, com abordagens pensadas à cada um, tenta fazer com que eles “acasalem” com o maior número possível de garotas. Desse modo, poderão tentar repovoar a Terra com uma geração de meninos que consigam herdar tal “acidente genético” que impede o vírus.

Imagem: Protagonista acordando de sono criogênico.

Reprodução: Gokumi/AXsiZ/Crunchyroll.

Não teria como ser de outra maneira. Por motivos relacionados ao vírus, apenas crianças nascidas dessas relações sexuais “naturais” conseguem sobreviver. Logo, opções como inseminação artificial e demais fertilizações com tecnologias futuristas não funcionam. Só que há muito mais por baixo dos panos, e motivações políticas envolvendo esse programa de “repovoamento” e a própria existência do vírus podem ser mais escusas do que aparentam.

Nessa, o animê divide a atenção entre dois protagonistas. Um deles é Reito Mizuhara, o reprodutor “número 2”, um médico e pesquisador que não quer transar com nenhuma garota, pois é apaixonado por Elisa Tachibana, também pesquisadora, mas que desapareceu ao encontrar informações sobre o vírus MK. O

outro é o estudante de Ensino Médio Shouta Doi, o “número 3”, que sofria bullying em sua antiga vida. Agora, ele é enclausurado, justamente, na escola em que estudava. Porém, dessa vez, o moleque dispõe de várias garotas para envolvimentos amorosos todos os dias.

No plano de fundo, acompanhamos também o “número 1” Kyouji Hino, que já está nessa há mais tempo e já engravidou várias mulheres, além de outros coadjuvantes, como a irmã de Reito, Mahiru, as integrantes da organização que comanda o Japão, dentre outros.

O tema é bom e o modo como trabalham ele na série, indo com força no ecchi, faz de World’s End Harem uma peça interessante no entretenimento atual. A direção não tem medo de ser assumidamente erótica. Como a história é sobre colocar os protagonistas para transarem com o maior número possível de garotas, são várias e várias cenas de sexo. Quase gráficas, inclusive.

Imagem: Garoto tocando piano com garota assistindo.

Reprodução: Gokumi/AXsiZ/Crunchyroll.

Isso na versão sem cortes exibida em uma das emissoras no Japão que transmite o animê. A que chegou (oficialmente) aqui pro Brasil através da Crunchyroll é a censurada, com tarjas que cobrem “o ato”, partes íntimas e, por sabe-se lá qual motivo, beijos de língua.

Mas mesmo na versão “para família” fica explícito que o foco principal é… sacanagem. O animê não tem vergonha alguma disso. Tem gente pelada no chuveiro, gente pelada na sauna, sexo no quarto, na sala de aula, na piscina, a dois, a três, a quatro, gemidos, gritos, e por aí vai.

O uso de erotismo é um recurso interessante aqui. Diferente de uma boa parte do animês ecchi, onde os formatos voluptuosos das mulheres em tela e os closes ginecológicos não acrescentam nada à história contada, em World’s End Harem isso faz sentido. Porque é uma pornochanchada sci-fi em animação. E há até uma reflexão maior acerca do erótico que o geral, já que questões mais espinhosas são pontuadas e resolvidas, ainda que sem tanta profundidade.

Sobre o moe, por exemplo: há uma personagem bem mais nova no núcleo da escola que também é colocada como uma pretendente. Contudo, o Doi deixa claro que sequer a considera desse modo, já que ela ainda é criança. Sobre estupro, há menções de que nem todas as garotas que participam dos haréns, de fato, gostariam de estar ali, e que algumas inclusive são obrigadas, e essas passagens ajudam a quebrar a idealização que poderia existir na narrativa. Esse é um universo apresentado como ruim para quem não quer fazer parte dele.

Posto isso, podemos entender que World’s End Harem é como uma pornochanchada desavergonhada de se portar como tal, com o plus de trazer um crítica bem válida a outras obras que não são assumidamente assim, mas utilizam desses mesmos recursos eróticos dentro da narrativa.

Imagem: Jovem ao ouvido do "número três".

Reprodução: Gokumi/AXsiZ/Crunchyroll.

O problema é que, tal como uma pornochanchada, o roteiro é extremamente mal escrito. Poderia não ser um problema, caso ficasse claro que a sacanagem não é só sua motivação central, mas a única motivação do animê como um todo. Só que o enredo tenta dar voos mais altos. No início, isso funciona, mas tais esforços despencam em desgraça conforme os episódios passam.

Sabe aquilo de dividir a atenção entre dois protagonistas? Uma dessas histórias começa muito bem. O roteiro e a direção dão à trama do Doi dentro da escola um ar paranoico bem bacana. O terceiro e o quarto episódio são daqueles que prendem na cadeira.

A perfeição artificial do colégio e das alunas nele, junto do fato de, basicamente, não aparecerem professoras (exceto por uma, só que por motivos muito bem calculados), convertem a narrativa num thriller esquisito e desconfortável. Me lembrou Corra! e O Show de Truman naquilo de um mínimo movimento errado poder levar o protagonista ao horror.

O arco do Doi é bem feito. Gosto que o psicológico dele acompanha a escalada de perversões na qual ele se permite levar. É angustiante acompanhar o começo dele, como um moleque extremamente inseguro, já que sofria bullying social e físico antes de ser congelado, só para depois espiar ele perdendo a “inocência” episódio a episódio.

No começo, ele não sabe como reagir às investidas sexuais das mulheres, mas sua confiança aumenta na medida que ele faz sexo com mais garotas, de diferentes aparências, personalidades, em diferentes quantidades e locais. Junto dessa confiança, aflora um lado sombrio e vingativo, capaz de levar o mal àquelas que o já lhe fizeram antes.

Dava para ser um animê sci-fi de horror com erotismo dentro desse microverso construído pro Doi. Só que quando a coisa parte para uma escala maior, prum macroverso, tudo desanda de modo constrangedor. Esse macroverso tem como rosto o outro protagonista, Reito. Pois é no núcleo dele onde está o lore daquele universo, mas tudo é mal escrito, mal montado, com um abuso irritante de coincidências narrativas só para a história andar, sem desenvolvimento para nenhum dos muitos personagens, onde o mistério é raso como um pires, de resoluções bocós e coisas que ganham e perdem importância com a velocidade de uma cena.

Imagem: Diversas mulheres de diversas idades na série.

Reprodução: Gokumi/AXsiZ/Crunchyroll.

Por ser a parte com o lore, o roteiro apresenta um sem número de coisas que deveriam ser importantes para a história: a presença de mulheres refugiadas, que tiveram suas vidas pioradas quando os homens foram varridos da face da Terra; uma trama por baixo dos olhos públicos onde grandes cientistas que começam a rascunhar possíveis curas ao vírus MK desaparecem de uma hora para outra; embates internacionais acerca do controle populacional; organizações vistas como terroristas; e por aí vai. E bem pouco é aproveitado ou desenvolvido de verdade.

Mesmo as decisões da parte “de ação” do animê parecem não ter tido o mínimo de cuidado para fazerem sentido. Dando um spoiler mínimo do último episódio: há um segmento onde o “número 2” precisa fugir das instalações onde ele é mantido prisioneiro. E o que acontece é que ele e as várias garotas que cercam ele… fogem.

Eles escapam de equipes com formação militar tática em um mundo com tecnologias de segurança bem avançadas com a mesma facilidade que eu, quando criança, pulava o muro da escola pra matar aula quando estava de saco cheio. Nem há um esforço de mostrar que eles estão executando um plano ou algo parecido.

Dá a impressão de que os responsáveis pelo roteiro, sejam os que adaptaram o mangá pra 11 episódios na telinha, ou talvez o próprio escritor do material original, não foram capazes de colocar o mesmo empenho para o lado mais escalafobético da trama que injetaram na parte mais intimista.

A parte da escola é carregada de tensão, drama, conflitos internos que se traduzem em conflitos externos. O clima aterrorizante construído nela abarca bem o rótulo de thriller erótico da obra. Já a parte do “número 2”, que parecia ser a principal, é confusa, atolada de elementos mal utilizados, praticamente amadora em comparação. E meia bomba, broxa, estéril, não levanta nem com viagra.

World’s End Harem tinha tudo para ser um dos grandes títulos dessa temporada de inverno: o tema intrigante, a escolha narrativa sexual “ame ou odeie” igualmente cancelável e comentável. Só que faltou o mínimo, que é saber contar uma boa história dentro dos elementos oferecidos. O resultado é uma sacanagem, mas não no bom sentido.


World’s End Harem foi exibido pela Crunchyroll com legendas em português de forma simultânea com o calendário japonês, estando ainda disponível no catálogo. A empresa fornece ao JBox um acesso à plataforma.


O texto presente nesta resenha é de responsabilidade de seu autor e não reflete necessariamente a opinião do site JBox.