Sono Bisque Doll wa Koi wo Suru ou My Dress-up Darling é uma comédia romântica em 12 episódios que conta o início e o desenvolvimento da amizade entre os colegas de escola Wakana Goju, um adolescente tímido e isolado que desde criança tem o sonho de assumir a loja de bonecas Hina do seu avô e continuar essa tradição artística; e a popular e expansiva, Marin Kitagawa, uma fã de animês que fica muito empolgada com a possibilidade de expressar seu amor incondicional às suas personagens favoritas por meio do cosplay.
A distância entre essas duas personalidades é o que molda o clima dos dramas traumáticos de aceitação e pertencimento, e o humor que acontece pelo choque entre repressão e liberdade sexual. O desdobramento da trama se dá na conjunção acidental desses dois interesses que a princípio não têm muito a ver, numa parceria entre modelo e estilista que desemboca num romance de desencontros.
O animê lembra bastante Paradise Kiss, mas não tem o mesmo esplendor e opulência que uma história de moda precisa: os designs são bonitos mas comuns, fazendo com que as homenagens prestadas aos figurinos de gêneros famosos, como o das Garotas Mágicas, acabem parecendo só uma forma de tentar compensar a pouca inventividade.
Em certos momentos, inclusive, a costura dos modelitos parecem só um pretexto pro foco obsessivo em decotes e calcinhas, e as justificativas para essas ocorrências são tão bobas que seria melhor se elas simplesmente não existissem.
Baixaria dissimulada não é chic, muito menos a pretensa liberdade individual feminina que é apresentada de uma forma incoerente e vazia, deixando exposta uma tentativa de assimilação cínica de pautas sociais para perpetuar certos problemas históricos como pressão estética e pedofilia.
Parece uma tentativa de transparecer um certo ar de consciência política para atrair novos públicos a um gênero que basicamente só existe justamente pela ausência total de interesse por esse tipo de consciência política do seu público “tradicional”.
Apesar de uma abordagem similar a Eizouken, onde a mídia é elemento compositivo da própria obra, isso só acaba servindo para falsificar uma afinidade entre o espectador e o animê.
O esforço por tentar normalizar o otaku e superar os estigmas da comunidade é fracassado porque ao invés de tentar lidar com a situação, dando provas de consciência real de processos e costumes, com em Lucky Star – que utiliza esses “códigos internos” como material para piadas irônicas –, simplesmente se ignora e se retrata com a menor dose possível de detalhes (inclusive dentro do foco principal de cosplay e redes sociais) como é entrar e viver nesse círculo de interesses.
Por causa disso, as questões de pertencimento e aceitação acabam ficando simplórias, com reflexões com pouco ou nenhum peso, como se fossem apenas um interlúdio emocional para que a constante extração de insinuações sexuais de toda cena não se torne tão repetitiva.
O que parecia a princípio ser uma forma interessante de lidar com problemas comuns e de fácil identificação, pela possibilidade de relações entre contrastes absolutos, se torna só um ruído estático, um enchimento, para que a pobreza de sentidos de My Dress-Up Darling não fique tão óbvia de cara. Como o animê não leva a sério a sociabilidade, tampouco é possível levar a sério o que é apresentado como uma relação social.
O próprio romance fica completamente sem chão porque acontece nesse vácuo onde duas pessoas não são pessoas porque simplesmente não estão situadas dentro de suas próprias fronteiras. São estrangeiros nativos.
E mesmo se, apesar de tudo, se considerasse apenas o que há de erótico, no sentido de inseguranças, vergonhas, desejos e expectativas, não haveria nada de novo porque se repete a confusão entre o erótico e o sexual, onde a graficalidade exagerada do segundo sobrepõe qualquer tentativa de experiência libidinal mais expansiva e imaginativa.
A insistência em certos tipos de interação que, pela falta de mutualidade (experimentadas quase que exclusivamente pelo protagonista masculino), tornam aquilo que poderia ser uma proposta de experiência das descobertas íntimas numa masturbação na companhia de um estranho.
E na verdade até mesmo isso seria algo interessante de ser comentado, mas nem mesmo as constantes referências a jogos eróticos são motivo suficiente para expressar algo maior do que um irônico excesso de pudor que nunca permite que esse “sexo”, que é só uma coisa, um elemento isolado, componha algo maior dentro do esquema das coisas.
Não é apenas um animê grosseiro e ignorante, é um animê covarde, não se contentando em reproduzir as representações mais óbvias, também as reproduz de um jeito tosco. Os poucos momentos de doçura e cumplicidade (um ou dois) são bonitos, mas nunca expandidos para além de um signo isolado e solitário.
É mais um animê que trabalha nessa mesma gramática herdada, caduca, que tem uma razão de ser justificada apenas e somente pela identificação de um público que festeja a conformação, tentando suprir esse lugar vergonhoso de propaganda do status quo com módicas torções de uma antítese antiga do novo com o antigo (com as bonecas hina), visuais chamativos (luzes brilhantes e rotoscopia) e um senso cômico que passa longe do ridículo autoconsciente, que se enxerga com a seriedade que o riso exige, como algo criado, imperfeito, volúvel, etc.
Não tendo nem crítica e nem projeto, é só um puxar de botões que se beneficia de reflexos condicionados, porque quando eu digo que não há projeto, é no sentido artístico, de estar ciente de sua qualidade de obra, de objeto de apreciação, e querer fazer algo quanto a isso, porque no sentido pragmático, dos negócios, do business, My Dress-Up Darling claramente se debruça no mundo do “público alvo” e se lambuza nas formas mais fáceis de chamar atenção. Um triunfo entre os “produtos de mídia audiovisuais”.
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My Dress-Up Darling foi exibido pela Crunchyroll com legendas em português de forma simultânea com o calendário japonês, estando ainda disponível no catálogo. A empresa fornece ao JBox um acesso à plataforma.
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