No começo dos anos 90, a maioria das videolocadoras contavam com sessões voltadas para locação de games — um “brinquedo” em ascensão em nosso país na época. Entre as muitas fitas para os mais variados consoles, sempre ficava fascinado com as capas de jogos japoneses. Embora só conseguisse entender o nome do jogo e o console pro qual se destinava, a arte delas me fazia acreditar que existiria algum desenho (o termo animê só ficou popular por aqui na virada do século, ok?) relacionado ao jogo.

Entre esses jogos que eu sempre tive vontade de saber mais a respeito de (e jogar) Dragon Quest III e DQ IV, mas o acesso à informação na época era um tanto difícil. Eis que em 1996, a revista Animax falava que um desenho chamado ”As Aventuras de Fly” (o primeiro título divulgado pela licenciante) chegaria na TV brasileira em algum momento e que este era baseado na famosa série de jogos Dragon Quest. Gerei bastante expectativa, mas o que fui apresentado foi um desenho com um pivete que sonhava em ser herói ao som de uma abertura que parecia ter sido cantada pelo Trem da Alegria (conjunto musical infantil famoso entre os anos 80 e 90).

Diferente do envolvente clima que Cavaleiros do Zodíaco, Street Fighter II V ou Shurato entregaram em seus primeiros episódios, o tal Fly (que acabou vindo como Fly, o Pequeno Guerreiro) parecia lento e mais infantil. Mas não julguei o animê pela “capa” — afinal eu tinha dado chance pra Sailor Moon — e tentei acompanhar a série na programação do SBT, mas só consegui depois da série se estabilizar em um horário nas manhãs de sábado.

imagem: fly no anime de 1990.

O nosso “Fly”. | Reprodução: Toei.

Com um clima agradável e um protagonista que se mostrou carismático, fui acompanhando a saga de Fly para ser herói e mesmo com um desenvolvimento mais lento que o de outros animes, eu realmente me senti assistindo um jogo de RPG animado.

Um tempo depois, descobri que Fly não era necessariamente baseado em um jogo existente da franquia mas sim uma história original, com elementos da série Dragon Quest. A frustração aumentou ainda mais quando descobri que a série não “tinha fim” e que o que parecia ser um episódio final, era de fato isso — justamente em um ponto em que a trama tinha engrenado um ritmo bacana.

Ao descobrir a existência do mangá original e a julgar pelas escolhas óbvias de Conrad e JBC nos primeiros anos de seus lançamentos, era só uma questão de tempo até finalmente eu conhecer o final da história… mas como levou tempo pra isso!!!

Foram mais de 25 anos entre o falso final da primeira série exibida pelo SBT no começo de 1997 até o dia 22 de outubro de 2002, no mesmo dia da semana que sempre acompanhei a série, para finalmente ter a satisfação de conhecer o verdadeiro fim.

 

Valeu a pena?

O remake de Dragon Quest Dai no Daibouken (agora chamado internacionalmente de Adventure of Dai) foi lançado em outubro de 2020 e, graças aos avanços da tecnologia, não foi necessário esperar a boa vontade de alguma distribuidora para o animê chegar até o Brasil.

Logo de cara senti que a Toei Animation havia investido algum orçamento mais generoso na série (em comparação a Os Cavaleiros do Zodíaco: Alma de Ouro, por exemplo) pois estava visualmente encantadora.

imagem: dai em remake.

“… quer a paz que o inimigo destrói…” | Reprodução: Toei.

A trama repetia a mesma história da série dos anos 90, mas se notava logo de cara uma dinâmica mais rápida dos acontecimentos. A vida está mais corrida do que nos anos 90 e achei a celeridade dos eventos justa. A experiência de assistir um jogo de RPG clássico animado perdeu um pouco sua imersão graças a trilha genérica do compositor Yuki Hayashi que não chega aos pés do que o falecido Koichi Sugiyama realizou na série de jogos e no anime antigo. Adicione uma imposição da Square-Enix de traduzir as magias para um padrão internacional bem bestinha… Mas vamos lá! To sendo um véio chato condenando a produção por conta desses aspectos.

O que torna Dragon Quest Dai um animê que merecia mais atenção do público (e da própria Toei diga-se de passagem) é a história que Riku Sanjo escreveu nas páginas da Jump entre o fim dos anos 1980 e o começo dos anos 1990. Todas as “saídas” típicas de produções do período estão lá e você aceita que determinado personagem “ressuscite” em algum ponto da história em que tudo parecia perdido pros heróis pelo fato de que as histórias do passado eram assim. O enredo da série permite isso e f*@#-se os dramas psicológicos e plot-twists inteligentes dos animês mais “cabeça” que o povo gosta de enaltecer.

imagem: dai em forma transformada.

Se não tiver uma “forma super” não é um shonenzão que se preze! | Reprodução: Toei.

Dragon Quest Dai no Daibouken possui personagens emocionantes e mesmo mais acelerado, assistir o desenvolvimento de personagens como Popp é algo sensacional — você o despreza, o entende, o aceita, passa a torcer por ele e vibra quando ele faz o que tem que ser feito. Acho figura fácil entre um dos melhores arcos de desenvolvimento de um personagem de qualquer anime já produzido.

Embora o protagonismo de uma série shounen esteja nas costas dos personagens masculinos, a reviravolta que ocorre na doce personagem Maam a eleva para uma participação muito mais interessante que a de outras coadjuvantes em mangás dessa demografia. Não que não existam personagens pouco valorizadas na trama (como uma tal de Marin), mas ver Maam em igualdade aos personagens “machos” principais da série é algo que satisfaz — na mesma proporção da necessidade da figura da princesa Leona na trama.

Imagem: Popp dando ataque de gelo e fogo.

A evolução de Popp é uma aula! | Reprodução: Toei.

A partir dos episódios que não ganharam animação nos anos 90, as lutas da série aumentam em quantidade e qualidade — com exceção de uma sequência empolgante que foi  toda, desnecessariamente, produzida em um CGI que parecia saído do PS3. Dona Toei, desista de fazer isso!!! — e a expectativa crescente para batalha final contra o grande vilão que ficou sentado em seu trono em mais da metade da série e os dois vilões mais misteriosos da trama foram muito compensadores.

Ah e não tem como não verter lágrimas com a perda do “Going Merry” da série (risos). Como não li o mangá por completo, ainda fui pego de surpresa com a volta de mais um personagem, em um ponto da trama em que isso não era mais pensado. Coisa de novelão mesmo! Então sim, valeu muito a pena acompanhar por dois anos essa série!

É por essas e outras que Dragon Quest Adventure of Dai merecia muito mais atenção do que a Toei dispensa para série, sequer criando alguma estratégia ou encomendando uma dublagem em nosso idioma ou audiência latina.

Talvez a idade me leve a avaliar essa versão do animê com muito mais empolgação do que realmente mereça — como dito acima, foram 25 anos esperando o fim de um anime do comecinho da adolescência — mas afirmo sem receio de mimimi de otaku da geração Z (especialmente os nascidos depois dos anos 2000) que potencial para divertir, com muito mais valor que várias bombas que chegam em uma Netflix da vida, “pequeno guerreiro” tem de sobra.

imagem: espada no dai enfiada no chão, como a master sword geralmente fica em zelda.

Heróis sempre podem voltar. | Reprodução: Toei.

Agora aguardemos o tão sonhado mangá (já anunciado via JBC) para o saudosismo ser atendido por completo.

Confira mais sobre a história do remake de Dragon Quest: Dai em nosso TriviaBox especial em parceria com a Crunchyroll:

Leia também:

Fly – O Pequeno Guerreiro (matéria completa da J-Pédia)

Resenha | Dragon Quest: The Adventure of Dai (Episódios 1-60)


Dragon Quest: Dai está disponível por completo (100 episódios) na Crunchyroll. O streaming fornece um acesso de imprensa ao JBox, mas, além dele, 50 episódios estão na HBO Max e 48 no Claro Vídeo. Em todos os casos, a série se encontra apenas legendada.


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