A aguardada série tokusatsu Kamen Rider Black Sun, reboot do clássico Kamen Rider Black, está disponível mundialmente pelo serviço de streaming Amazon Prime Video desde 28 de outubro, com áudio original em japonês e legendas em português. A série de apenas 10 episódios é uma das produções que estendem as comemorações de 50 anos da franquia Kamen Rider – junto com o animê FUUTO PI (disponível no Brasil via Crunchyroll) e o vindouro filme Shin Kamen Rider (que estreia nos cinemas japoneses em março de 2023).

Antes de qualquer coisa, como era de se esperar por parte de uma parcela do público, Black Sun decepcionou em cheio aqueles que esperavam algo muito parecido como a série original de 1987, ou mesmo aqueles que se incomodaram com a violência gore. E não foi por falta de aviso, uma vez que este que vos escreve já havia alertado em alguns textos de que nada seria como antes (leia mais aqui e aqui).

imagem: issamu e nobuhiko tretando.

A rivalidade entre Issamu e Nobuhiko | Divulgação/Toei/Ishimori Pro/Prime Video

Black Sun segue uma linha básica de Kamen Rider Amazons, outra série exclusiva do Prime Video – disponível no Brasil com legendas em inglês (!) – e que é um reboot de outro clássico, Kamen Rider Amazon (1974). Ou seja, é uma produção realmente voltada para o público adulto, com um enredo ainda mais carrancudo e… com violência gore. É importante frisar isso já que o espectador precisa ter em mente que aquele velho modelo de episódios das séries tokusatsu dos anos 1980 está datada, visto também que esta nova série é uma produção para streaming, e por isso a duração de cada episódio varia em torno de 40 minutos.

Mas vamos às impressões. Black Sun é uma série que agradou a maioria dos fãs de tokusatsu, da franquia e até mesmo de saudosistas do clássico que fez sucesso na extinta Manchete entre 1991 e 1994. O reboot presenteou os fãs com um embate ainda mais violento entre o herói-título e Shadow Moon (que nesta versão ficou oficializado como um “Kamen Rider”, embora o termo seja suprimido nos diálogos).

Os irmãos adotivos e rivais foram introduzidos numa trama onde ambos são kaijins recriados pela organização Gorgom, que nesta versão se torna um partido político de mesmo nome (uma possível referência ao episódio 38 de Black). A trama é dividida em duas linhas temporais: uma em 1972 e outra em novembro de 2022 (este modelo já foi visto em Kamen Rider Kiva, que relata eventos dos anos 1986 e 2008). O espectador pode ficar meio confuso com a brusca passagem do tempo entre as cenas, mas isso faz parte de um quebra-cabeça que vai se encaixando e fazendo sentido ao longo da trama.

imagem: o rei gorgom.

O Grande Rei do Partido Gorgom | Divulgação/Toei/Ishimori Pro

A relação entre Issamu Minami* (Kotaro Minami, no original) e Nobuhiko Akizuki, os alter egos de Black Sun e Shadow Moon, respectivamente, foi bem desenvolvida e superou o que foi estabelecido no mangá original do saudoso Shotaro Ishinomori e fugiu daquela rivalidade clichê que existia na série clássica de tokusatsu. O que justifica até mesmo a demora para ambos alcançarem suas formas de Kamen Rider (inicialmente ambos possuem suas respectivas formas “Batta”, como na série clássica).

*Nota: os nomes adaptados pela dublagem clássica foram utilizados nas legendas em português, como uma espécie de homenagem ao Black. O tradutor Matheus Maggi explicou todo o processo de legendagem em entrevista para o canal TokuDoc.

Só que essa demora é justificável e vem no momento certo para cada situação dos Riders, compensando a carga dramática estabelecida para o projeto. Elementos como Heat Heaven, uma substância viciante, também ajuda a explicar o elo entre Issamu e Nobuhiko, que possuem aparentes diferenças de idade. Isso sem contar com uma personagem de Black que ganhou uma releitura e teve mais relevância para desvendar o passado dos irmãos kaijin, que são destinados a competirem entre si para sucederem o Grande Rei.

Tanto Issamu quanto Nobuhiko são vistos de maneiras diferentes e em um cenário de distopia, onde os kajins tentam se civilizar entre os humanos. Issamu é retratado como um anti-herói, matador de aluguel que é alheio à tal crise sócio-política, mas que acaba criando uma relação de “irmão mais velho” com a ativista Aoi Izumi, uma espécie de “Greta Thunberg japonesa” que procura a pacificação entre humanos e kaijins. Já Nobuhiko chega aos pés do vilão Magneto, de X-Men, que fala em nome dos kaijins, mas para sua própria vingança e ambição.

imagem: a personagem aoi izumi.

A jovem e promissora atriz Kokoro Hirasawa como a ativista Aoi Izumi | Divulgação/Toei/Ishimori Pro

Os temas políticos abordados na série não servem como proselitismo para um ou outro lado partidário. Se fosse por esse caminho, a trama perderia seu objetivo de homenagear um dos clássicos mais icônicos da parceria formada entre Toei e Ishinomori. A série é reflexiva em vários momentos, mostrando uma conspiração baseada na terrível Unidade 731, que, na vida real, fazia experimentos humanos letais durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa (1937~1945); e o preconceito que os humanos têm contra os kaijins, tratando-os como cidadãos de segunda classe – que pode ser associado como algo racial ou algo mais além disso.

A série não deve (ou não deveria) ser vista como uma campanha partidária ou algo do tipo. Como produção de tokusatsu, é um entretenimento e cumpriu seu papel como homenagem ao bom e velho Black, apesar de ter uma ou outra ponta solta e alguns momentos extremamente melancólicos. Muitos elementos da série clássica foram reaproveitados ou referenciados, muito mais do que o mangá, que tinha também violência extrema em determinados momentos.

Aliás, a violência gore de Black Sun já era bem presente na franquia, como no filme Shin Kamen Rider: Prologue (1992) e ficou ainda mais intenso neste reboot de Black. Dá pra dizer que, de certa forma, os filmes Kamen Rider ZO (Zetto, 1993) e Kamen Rider J (1994), dirigidos por Keita Amemiya, também foram referenciados no clímax de Black Sun. Em outras palavras, Black Sun conseguiu ser ainda mais brutal do que a ideia mais próxima que Ishinomori tinha de Kamen Rider no início dos anos 1990. O diretor Kazuya Shiraishi cumpriu a promessa de deixar a trama com circunstâncias complexas e incluir “elemento de intriga”.

Astro do filme Drive My Car, vencedor do Oscar deste ano, o cinquentão Hidetoshi Nishijima deixou sua marca como um dos maiores atores japoneses da atualidade como um Issamu ainda mais amargurado e solitário. Quem se destaca também é o jovem Tomoya Nakamura, que cativa como um Nobuhiko muito mais frio e calculista.

imagem: o personagem taurus.

Taurus com sua armadura (brega), que representa o extinto ostracoderme | Divulgação/Toei/Ishimori Pro

Gaku Hamada, que interpretou o garoto Tsutomo Niiboshi no filme Ultraman Tiga, Ultraman Dyna & Ultraman Gaia: A Batalha no Hiperespaço (1999), retornou ao tokusatsu como a forma humana do Monstro Baleia. Tahakiho Miura, o Jean Kirstein nos filmes live action de Attack on Titan (2015) e um jornalista no filme Shin Godzilla (2016), tenta convencer como Taurus (Bilgenia), mas sua intepretação deixou o vilão inexpressivo e sem a mesma sagacidade que sua contraparte original.

Já a atriz Kokoro Hirasawa, de apenas 15 anos, mostrou que é promissora como atriz ao viver como Aoi Izumi. Esta não é sua primeira atuação numa série de tokusatsu, uma vez que interpretou a versão infantil de Yoko Usami/Yellow Buster em Go-Busters (2012). Curiosamente, o veterano Minori Terada, o Ryubee Sonozaki em Kamen Rider W (Double), participa da série como um secretário geral do Partido Gorgom.

Kamen Rider Black Sun chegou a ocupar a sexta posição no Top 10 do Prime Video no Brasil, somente na semana de estreia. Poderia subir mais algumas posições, mas faltou aí aquela boa e velha divulgação como acontece com os principais títulos originais do catálogo, como The Boys e Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder, por exemplo. E até mesmo por não seguir um lançamento com episódios semanais, como é de costume do Prime Video, a série foi fadada a “envelhecer” em poucas semanas. Tinha potencial para furar a bolha e se destacar fora do nicho, já que se trata de uma releitura de um clássico de sucesso no Brasil e com um Issamu Minami interpretado por um ator de um filme premiado neste ano.

Enfim, Kamen Rider Black Sun é um verdadeiro presente para os fãs que realmente queriam ver Black e Shadow Moon em um embate ainda mais denso. Por isso e outros motivos mencionados nesta resenha, a série reboot foi a mais aguardada entre os fãs de tokusatsu e de longe é sim a melhor do ano – pelo menos para o nosso nicho.


Kamen Rider Black Sun está disponível com áudio original e legendas em português no Amazon Prime Video desde 28 de outubro.


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