Já assistiu Arremessando Alto? Esse é um dos filmes mais legais do ano até então. Nele, Adam Sandler interpreta um olheiro de um time de basquete, que corre contra o tempo para conseguir uma vaga para um jogador “descoberto” por ele num programa da NBA para novatos. Tá na Netflix.
Arremessando Alto é um entre muitos filmes que trazem um tipo de fórmula narrativa utilizada em produções que tratam sobre esportes. Uma fórmula certeira, no caso: há o protagonista que vem de uma realidade humilde e que tem tudo ao redor jogando contra ele, há o treinador que tentará tirar o que de melhor o atleta pode entregar através de rotinas intensas apresentadas em segmentos bem filmados, há o rival arrogante.
E acima de tudo, há aquela sensação de que, no fim, tudo pode dar certo, e de que o esporte é capaz de despertar um sentimento de fraternidade e justiça social entre todos aqueles que os praticam. É assim em vários outros filmes do gênero: Rocky (1976), Karatê Kid (1984), Fuga para a Vitória (1981), Os Camarões Brilhantes (2019), dentre vários.
E, claro, em animês de esporte. Todas essas características podem ser pescadas em séries como Supercampeões, HAIKYU!!, Kukoro no Basket, Slam Dunk, Keijo!!!!!!!!, Yuri!!! on Ice, Beyblade, até nos arcos de Pokémon onde o Ash participa de algum campeonato. No fim, a mensagem central é de que o esforço e o trabalho em grupo (em equipe ou nas relações atleta/técnico) trazem uma recompensa inspiradora.
Mas não em BLUELOCK. Aqui, o que impera é uma visão mais individual, egoísta e ligeiramente escrota, que joga pro alto uma porção de “regras” do gênero. Justamente por isso, é um dos animês de esporte mais interessantes dos últimos anos.
Baseado no mangá de mesmo nome escrito por Muneyuki Kaneshiro e ilustrado por Yusuke Nomura, em publicação na revista Weekly Shonen Magazine desde 2018, já com 21 volumes fechados, o animê é produzido pelo estúdio 8bit e tem a direção dividida entre Tetsuaki Watanabe e Shunsuke Ishikawa.
A trama já é deliciosamente podre a partir de seu argumento: após o Japão terminar na 16ª colocação na Copa do Mundo de 2018 (na vida real, a seleção ficou em 15ª lugar à época), uma organização governamental esportiva contrata o esquisitíssimo especialista em futebol Ego Jinpachi para implementar um programa intitulado Blue Lock, onde 300 jogadores do Ensino Médio disputarão para uma vaga de centroavante na seleção japonesa sub-16 de futebol, a fim de, para a próxima Copa (no caso, a que está rolando atualmente, em 2022), o Japão ter seu próprio astro que levará o time à vitória pela primeira vez na história.
Ocorre que o Blue Lock passa longe de ser um programa minimamente decente aos participantes. Com uma premissa parecida com um Jogos Vorazes da vida, os estudantes são enclausurados numa instalação tecnológica e separados em times baseados em suas qualificações como jogadores. Os que possuem mais talento recebem recompensas, vivem confortavelmente, os que estão baixo na cadeia alimentar, sobrevivem como presidiários.
Para piorar, embora ninguém seja realmente obrigado a estar ali, depois que concordam em participar da seletiva, os rapazes descobrem que todos os que desistirem ou perderem serão proibidos dali em diante de, em qualquer momento da vida esportiva, chegarem à seleção japonesa de futebol. Será o fim do sonho para 299 jovens.
O tempo todo, é incentivada uma rivalidade e individualidade entre os participantes. Logo no começo, há uma disputa em que o último a ficar com a bola será expulso antes mesmo dos treinamentos começarem. Para os primeiros jogos internos, é posta uma regra onde só passarão para as próximas fases aqueles com uma maior quantidade de gols, de modo que a coisa toda se transforma rapidamente numa guerra de 22 jogadores em campo em vez de dois times.
E o roteiro faz questão de expandir esse desrespeito com o “sagrado” para outras pontas da trama. O protagonista, Yoichi Isagi, começa a história questionando toda a conversa de trabalho em grupo e espírito esportivo após seu time perder uma partida local e ser impedido de ir para as rodadas nacionais depois dele passar a bola para um companheiro de time na frente do gol e este perder o chute de bobeira. O tempo todo, uma aura sombria (literalmente) ronda seus pensamentos, como se ele soubesse que, caso tivesse sido mais individualista naquele momento, poderia ter seguido em frente na competição.
Em casa, os pais de Yoichi são retratados como pessoas que não dão a mínima para o futebol. Ficam felizes pelo filho, mas não compartilham com o filho o amor pelo esporte. Em paralelo, a organização esportiva que implementa o Blue Lock gasta reuniões e coletivas de imprensa para descrever o quão o Japão é patético no futebol, o quão a seleção atual é fracassada por nunca conseguir ir longe nas Copas, e o quão necessário é o surgimento de um herói nacional para salvá-los daquela situação, mesmo que o sonho de outros jovens seja destroçado no caminho, em falas que flertam perigosamente com o fascismo.
Mesmo um jogador, já profissional, que atua num time fora do Japão, quando volta para casa faz questão de declarar numa entrevista o seu desprezo pela falta de aptidão do país para com esse esporte. BLUELOCK não poupa ou adoça a pílula em suas alfinetadas, o que deixa tudo hilário de acompanhar.
Mas, claro, esse é um animê baseado num mangá de uma revista infanto-juvenil. Então, por mais que haja um esforço para transgredir a fórmula base de tramas esportivas inspiradoras, as fundações ainda estão lá — ainda que tortas. Quando percebem que não poderão vencer apostando única e exclusivamente na individualidade, o grupo do protagonista reconhece que aquilo “não é futebol” e trata de começar a agir em equipe, o que inicia uma construção de laços entre eles.
De seu jeito esquisito, o animê também apresenta montagens de treinamento em que os personagens trabalham suas fraquezas para que, em campo, elas sejam superadas. E as cenas de jogos são bem “filmadas”, com takes que transmitem bem a tensão de um jogo e as dificuldades até a vitória ou derrota ao final. Os clichês ainda estão lá, mas são todos executados ao lado de ideias mais tortas, o que os deixa muito melhores de serem acompanhados.
Nessa, BLUELOCK trata de ser um dos animês de esporte mais interessantes dos últimos tempos. Num momento onde todo mundo que se importa com futebol respira esse espírito competitivo “saudável”, é de cair o queixo uma das grandes apostas da temporada ser um animê que pega todo esse sentimentalismo intocável para tantos e vomita em cima.
BLUELOCK é exibido em modelo simultâneo à transmissão japonesa pela Crunchyroll, possuindo também dublagem em português — empresa fornece ao JBox um acesso à plataforma. O mangá que inspira a trama é publicado no Brasil pela editora Panini.
O texto presente nesta resenha é de responsabilidade de seu autor e não reflete necessariamente a opinião do site JBox.
O JBox possui parcerias comerciais com a Amazon, podendo ganhar um valor em cima das compras realizadas a partir dos links do site. Contudo, o JBox não tem responsabilidade sobre possíveis erros presentes em recursos produto integrados ao site mas produzidos por terceiros.
Eu achei bastante interessante a trama dessa série, o Jinpachi até mostra que até os maiores craques do Futebol, são bastante individualistas.
O que não deixa de ser verdade, quantas vezes eu já ouvi que a Seleção não é mais a mesma de antigamente que eles querem ser mais “estrelas” que um time propriamente dito.
Gosto de mangás de esporte mas esse eu resolvi não ver por qualquer motivo que fosse, mas depois de ver esse Review me deixou morrendo de vontade de ler!