Nesse final de 2022, com certeza o animê mais aguardado pelo público era Chainsaw Man. Todos esperavam muito dele, porém boa parte dos fãs acabou se decepcionando, principalmente pela série ter sido artisticamente fraca e ter tido uma direção pouco inspirada — ou ao menos inspirada onde não importava.

Colocando isso na mesa, não foi à toa que na mesma temporada uma surpresa que acabou atraindo a atenção de grande parte do público justamente por sua direção, tanto geral quanto artística. É fácil de saber que esse animê é Bocchi the Rock!.

A série do estúdio CloverWorks trouxe um enorme respingo de criatividade não só para a Temporada de Outono, mas também para todo o ano de 2022, usando de diversos recursos para transformar o mangá 4-koma (historietas em 4 tiras) de proposta simples e até mesmo batida em uma experiência catártica.

Bocchi the Rock! é basicamente a segunda vinda de K-On! de certa maneira. A história nos apresenta Gotoh Hitori, uma guitarrista talentosa que upa vídeos no YouTube e sonha em alcançar o estrelato. Apesar de ser ambiciosa, a jovem apelidada de Bocchi tem capacidades sociais praticamente nulas, o que faz com que a vida de rockeira dela fora da internet não engate.

No entanto, as coisas mudam quando Bocchi encontra uma oportunidade única de participar de um show da Kessoku Band, a convite de Nijika e Ryo, já que a pessoa que assumiria o papel de guitarrista sumiu de repente (depois é revelado que a tal outra membro é Kita, que acaba entrando posteriormente para a banda). Mas o que uma história tão comum conseguiria adicionar às nossas vidas? É aí que a direção se destaca. 

imagem: bocchi dando show em meio a multidão.

Reprodução: CloverWorks

Desde o primeiro episódio, Bocchi the Rock! nos apresenta maneiras praticamente infinitas de representar a ansiedade social de Bocchi, o que é o grande foco real da série. Esse aspecto da personagem é representado constantemente em cenas de comédia extremamente bem produzidas, porém que mesmo assim conseguem beirar tanto à realidade que fez com que muitos se identificassem com a guitarrista. 

Ao decorrer do animê, a ansiedade de Bocchi faz a cabeça dela agir de formas inimagináveis. O terror das interações sociais é representado vividamente nas escolhas da direção, o que se destaca principalmente no trabalho absurdamente criativo na animação do animê. E isso não falo baseado apenas nos adorados sakugas, mas também — e principalmente — no grande leque de possibilidades artísticas que a série apresenta.

Bocchi the Rock! foge de ficar preso apenas na animação tradicional, trazendo, por exemplo, cenas com o uso de massa de modelar ou filmagens na vida real. A equipe chegou até a escanear comida(!) para usar em um episódio, tudo para expandir as possibilidades da mídia. Tudo isso sem falar das variadas faces e facetas de Bocchi durante a série, que vão desde bugs mentais, passando por “derretimentos faciais” e chegando até mesmo na “morte” da protagonista ao som da música de encerramento de Nausicaä.

Observar tudo isso nos faz perceber que a equipe se agarrou bastante no que faz animação ser o que é para criar a série, propulsionando tudo de maneira de forma tão caprichosa que nos faz sentir aquele sentimento gostoso de “isso é muito animê!”, que é o que a maioria dos fãs de animações quer.

imagem: cena em que bochi parece uma boneca de filme de terror.

Reprodução: CloverWorks

A série, no entanto, não usa a ansiedade de Bocchi apenas para a comédia e maluquices na produção. A série constrói um ambiente ao redor da protagonista que possibilita que ela melhore pouco a pouco, com apoio das amigas de banda, de uma mentora inesperada e também da família. Todo esse seguimento do crescimento emocional de Bocchi também é feito com bastante carinho, revelando também o grande potencial que o roteiro da obra tem.

Mesmo aliviada pela comédia, é fácil de perceber que a ansiedade de Bocchi é um grande empecilho na vida da garota, incluindo na sua carreira na Kessoku Band. Mesmo sendo praticamente uma profissional, a ansiedade faz com que ela tenha problemas para tocar em público, o que faz com que Nijika e Ryo achem inicialmente que Bocchi só “dá pro gasto”. Felizmente, isso torna os momentos de destaque da guitarrista muito mais emocionantes de se ver, já que Bocchi precisa se superar em prol de seu crescimento pessoal.

imagem: bocchi tocando guitarra.

Reprodução: CloverWorks

Mas, claro, nem todo foco fica só com a Bocchi. O roteiro também se importa bastante com o desenvolvimento das outras personagens da Kessoku Band. Quando a trama exige de algo mais sério, mesmo Ryo, por exemplo, apesar ser uma personagem mais voltada para o aspecto cômico, mostra ter opiniões fortes sobre o que quer seguir no mundo da música, sendo de grande ajuda quando Bocchi está em uma encruzilhada sobre qual caminho adotar para escrever as letras das canções a banda.

Nijika e Kita também contam com suas próprias inseguranças, mesmo sendo as mais “reguladas socialmente” do grupo, e existe um grande destaque para o tratamento dos problemas envolvendo as duas. Nijika busca reconhecimento para a Kessoku Band e, no papel de líder do grupo, demonstra fazer de tudo para isso e sentir de maneira muito forte tudo que afeta a banda. A baterista também acaba sendo um porto-seguro para Bocchi, papel que Kita também assume. 

Falando nela, o grande problema que Kita precisa lidar durante o animê é sua falta de confiança como membro da banda, principalmente quando se compara com o talento de Bocchi. É muito interessante observar o paralelo criado nesse aspecto, inclusive, já que Kita é extremamente sociável, sendo o total oposto de Bocchi nesse sentido, mas não consegue ter confiança em suas habilidades musicais, o que Bocchi, apesar de todos os pesares, sabe ser capaz de fazer. Ambas tem algo uma na outra que anseiam, gerando uma admiração mútua e uma bela relação entre as duas.

imagem: nijika sorrindo em cena.

Reprodução: CloverWorks

Bocchi the Rock! é uma das maiores provas do quanto uma obra pode ser aprimorada por uma adaptação que decide abraçar sua própria independência. Quem tiver ido atrás, sabe que o mangá original é bem mais contido, não só por ser um 4-koma, mas por seguir uma linha artística mais simples como um todo.

Isso dá ainda mais mérito para a animação, já que ela não se restringe em nada enquanto cria uma história coesa, emocionante e apaixonante. Levando tudo isso em consideração, Bocchi the Rock! não só se tornou o maior destaque entre os animês de 2022, como também é, sem dúvida alguma, uma das melhores produções animadas dos últimos anos. 


Bocchi the Rock! foi exibido em modelo simultâneo à transmissão japonesa pela Crunchyroll, apenas com legendas — empresa fornece ao JBox um acesso à plataforma.


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