Na noite de ontem (11), a MPEG, mais nova editora do mercado brasileiro de mangás, anunciou a publicação de Gash Bell, também conhecido por aqui pelo nome Zatch Bell!, usado à época da exibição do animê por Cartoon Network e Globo.

A notícia causou uma mistura de furor e surpresa, ambos os sentimentos bastante justificáveis visto se tratar de um título com alguma relevância e que parecia muito distante das atenções de qualquer editora. A mim, no entanto, o anúncio foi mais que surpreendente, mas verdadeiramente inusitado, sobretudo pelo que considero ser um movimento arriscado por parte da recém inaugurada editora.

imagem: capa do quadrinho Alter Ego

Capa do quadrinho espanhol Alter Ego. | Imagem: Divulgação/MPEG

A MPEG foi revelada ao público no dia 30 de novembro de 2021, pouco mais de 1 ano atrás. Lançou-se com a promessa de atender a uma parcela marginalizada do mercado: o público fã de shoujo e josei. Seus primeiros anúncios foram feitos no primeiro trimestre de 2022 e não eram títulos japoneses: a princípio, chegariam dois quadrinhos espanhóis em “estilo mangá” para que a empresa criasse portfólio e conseguisse convencer licenciantes japoneses, o que me pareceu uma estratégia interessante, já que reza a lenda de que para publicar mangás, uma editora precisa ter experiência com a mídia, fazendo com que a primeira publicação de um quadrinho japonês se torne um verdadeiro paradoxo. Recorrer a um mercado alternativo, com inspiração no mangá me pareceu algo verdadeiramente inteligente.

Como alguém que viu crescer a entrada de editoras no ramo, imaginei que a MPEG seguiria um caminho mais seguro. Supus que seriam lançados primeiro os quadrinhos espanhóis, e a editora, além de criar o tal portfólio, aproveitaria esse momento para conhecer a dinâmica do processo de produção: os prazos do editorial, a relação com a gráfica, a cadeia de distribuição entre outros, de forma que, dentro de alguns anos, quando enfim chegassem os títulos japoneses, a MPEG estaria bem estabelecida e com plenas condições de tocar o seu trabalho. Mas a editora preferiu o risco e não apenas licenciou títulos japoneses, como já os anunciou e prometeu entregá-los num prazo curto (o primeiro volume de Gash Bell está planejado para março).

Ora, as licenças não são um problema. São, na verdade, louváveis, tendo em vista a dificuldade em negociar com editoras do Japão. No entanto, acredito que seria mais natural um primeiro momento para a validação e os testes. Os títulos espanhóis anunciados (Alter Ego e Reflexos do Futuro) seriam perfeitos para esse fim: volumes únicos, sem muitas expectativas do público. Com Gash Bell, a coisa muda completamente de figura.

Estamos falando de um mangá de nome, com animê exibido em TV aberta no Brasil e, apesar de ter se tornado uma espécie de “pedido meme” em palestras de editoras alguns anos atrás, possui alguma fanbase no país. Além disso, a série é completa em 16 volumes no formato kanzenban, algo equivalente a um 2×1 (totalizando em torno de 400 páginas por edição). É, portanto, um título bastante longo.

imagem: capa japonesa do 1º volume de Zatch Bell

Capa japonesa do volume 1. | Imagem: Divulgação/Kraken Comics

As editoras em geral quando decidem entrar no mercado de mangás optam pela cautela, iniciando com títulos curtos, volumes únicos (tenham em mente, por exemplo, o caso da Pipoca e Nanquim). Costuma-se apostar em obras sem tanto apelo popular, mas com algum potencial comercial. E Gash Bell é o contrário disso tudo.

Cabe dizer ainda que, nas últimas semanas, a MPEG também anunciou Gannibal, mangá de 13 volumes que conta inclusive com adaptação live-action disponível em plataforma de streaming.

Ao todos, já foram 6 títulos anunciados, o que inclui quadrinhos europeus e light novels japonesas, e nenhum lançamento efetivamente realizado. Alter Ego, que deve ser o primeiro a vir à luz, sofreu com alguns atrasos e encontra-se em pré-venda desde setembro. O lançamento era previsto para outubro de 22, mas ainda não chegou (está previsto ainda para janeiro).

As novels, que pouco mencionei, são materiais ainda mais complexos que os mangás, haja vista a quantidade de texto, demandando mais trabalho e, consequentemente, custos. Uma delas, a Remia no Tsubasa, é de volume único, o que é razoável, mas a outra, Cudlestate Monogatari, tem 8 tomos.

Assim como toda pessoa envolvida no mercado de mangás, torço muito para que a MPEG consiga sucesso em sua empreitada. Os atrasos no primeiro título são esperados, considerando o contexto de empresa iniciante. A ausência de shoujos nesse início pode ser frustrante, mas é justificável, levando em conta a dificuldade de negociar com os japoneses nesse primeiro estágio. O fato de serem anunciados diversos títulos (sobretudo os com as características referidas acima) enquanto os primeiros ainda não saíram é que me chama atenção, e considero ser um equívoco.

A paciência do público tende a ser menor do que a da imprensa especializada — esta tende a enxergar mais variáveis do que preço e prazo —, por isso escrevo esse texto em tom de observação e conselho. Acredito que a MPEG tem tempo para se organizar, lançar efetivamente os seus quadrinhos antes de anunciar outros e se estabelecer como mais um expoente do mercado nacional. A editora tem bons e maus exemplos para seguir. Espero que tome os bons.


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