O animê de Tokyo Revengers me é um bicho estranho à cabeça. Argumento, roteiro, desenvolvimento de personagens, discussões críticas estabelecidas: tudo é muito bom. Mas aí chega na qualidade da animação e a coisa toda decai demais. Me lembra o que rolou esse ano com Lúcifer e o Martelo.
Okay, exagerei. Nada é tão ruim quanto a animação de Lúcifer e o Martelo, mas você aí pegou o ponto, certo? Ocorre que, como um produto audiovisual, o animê de Tokyo Revengers não é tão bom quanto poderia ser, o que talvez seja um impeditivo para indicá-lo a expectadores casuais que ainda não tenham tido contato com a obra.
Mas como me diria uma propaganda roteirizada pelas Organizações Tabajara, “Os seus problemas acabaram!”, pois essa história, agora, está em sua melhor forma aqui no Brasil. Em publicação pela editora JBC, já com quatro volumes na praça, o mangá de Tokyo Revengers é uma mídia que faz bem mais justiça ao quão boa é essa série.
Com 30 volumes, o gibi saiu na revista Weekly Shonen Magazine, da editora Kodansha, desde 2017, com texto e desenho de Ken Wakui.
Na trama, temos um jovem chamado Takemichi, que não deu muito certo profissionalmente ou socialmente após o fim do Ensino Médio. Ele mora sozinho num apartamento minúsculo e sujo, com uma vizinha implicante, tem um emprego terrível numa locadora de filmes e frequentemente é hostilizado por diferentes pessoas ao seu redor.
Num dia, assistindo ao noticiário, ele descobre que sua ex-namorada de escola morreu num acidente causado por um grupo de bandidos num festival. Então, começa a pensar sobre o colégio e imaginar que aquele foi o seu apogeu social. Até que, numa estação de metrô, é empurrado nos trilhos por um estranho e, quando está prestes a ser atropelado, ele misteriosamente retorna 12 anos no passado e passa a viver novamente aquele período.
O problema é que sua imaginação, como adulto e distanciado, estava fantasiando demais essa época e ele acaba se lembrando, das piores maneiras possíveis, do que ocorreu de verdade: ele e seus amigos, que se consideravam valentões, na verdade eram escravizados por uma gangue, forçados a brigar entre si por dinheiro e fazer outras coisas ruins.
Contudo, quando encontra seu cunhado, ainda criança nessa época, e o salva de outros marginais, eles apertam as mãos e Takemichi retorna ao futuro, descobrindo que consegue viajar no tempo quando encosta a mão do rapaz, que no futuro é um policial. Enquanto o tempo passa para ele no passado, seu corpo no futuro fica em estado de animação suspensa.
Daí em diante, os dois colocam em ação um plano envolvendo investigações no presente e no passado para tentar impedir o avanço (ou a degradação, depende do ponto de vista) da gangue de marginais que domina a cidade. Para isso, Takemichi se torna amigo de Manjirou Sano, o líder da gangue, e Draken, o segundo no comando, a fim de impedir certos eventos aconteçam e o grupo de marginais “vá para o lado ruim da força”.
Como expliquei na crítica que escrevi à época do lançamento do animê aqui no Brasil pela Crunchyroll (leia aqui), Tokyo Revengers possui uma relevância temática bastante interessante, já que histórias de gangues no Japão possuem o peso cultural de terem influenciado a sociedade nipônica em comportamentos sociais que vão da moda até a segurança pública.
Andando em paralelo a isso, a trama conversa também com aqueles clichês sobre encontrar uma família fora de sua família, pertencimento, irmandade, busca por respeito e por aí vai. E o roteiro trabalha tudo isso sem muito cinismo, apresentando os dois lados da moeda ao desglamourizar a vida dentro de uma gangue, mas reconhecer que podem haver coisas boas nisso (para aqueles que estão no alto escalão, é claro).
É bacana ver como o roteiro trata de separar bem os “mocinhos” dos “vilões” (embora todos sejam vilões, não se engane) a partir do jeito como eles são “honrados” dentro desse universo marginal. Os caras mais maus são meio sujos, inchados, quebrados, desdentados, fumam. Os “bons” são limpos, juvenis, imaculados, bonitões.
Há cenas realmente impactantes que são montadas para distinguir essas diferenças de honras. Por exemplo, no começo, um dos caras que escravizava o grupo do Takemichi se recusa a lutar mano a mano com ele e puxa um taco de beisebol para isso, enquanto o protagonista utilizava apenas as próprias mãos.
Em outra, mais para frente, num hospital, Draken faz com que Majirou se curve para os pais de uma menina que, por conta das atividades dele como marginais, acabou internada. São pequenos detalhes que mostram onde está o coração de cada um. Embora todos sejam bandidos, não se esqueça.
O lance é que tudo isso fica muito melhor a partir na narrativa gráfica do Ken Wakui, que consegue exprimir bem mais intensidade ao que é contado de maneira estática do que nos foi mostrado através da animação ligeiramente limitada do estúdio LIDENFILMS no ano passado. É um gibi e uma história muito melhor do que o animê expressou.
Posto isso, o mangá de Tokyo Revengers é uma dessas pérolas contemporâneas que trazem um pouco mais à fórmula shonen tão repetida nas produções de maior alcance. Todas as batidas de roteiro estão lá, mas com alguns detalhes afiados que elevam a discussão interna prum patamar maior. Os dois primeiros volumes são excelentes. Se os próximos seguirem nessa linha, essa pode ser uma das coleções mais legais a serem feitas atualmente.
A questão do manji
Tokyo Revengers, seja na adaptação animada ou nas traduções que o gibi vêm recebendo, está levantando uma discussão a respeito do uso do símbolo manji (卍). Sobre isso, a JBC adicionou um editorial aos volumes do mangá explicando o caso:
Não sou expert no tema, então não tenho como tecer opiniões tão aprofundadas. De meu olhar de espectador e apreciador da cultura pop nipônica, acredito que o uso do manji na obra pode nos servir como um engate para que nos aprofundemos em questões mais complexas sobre a língua e a cultura japonesa, e sobre o quanto reduzir ele à narrativa nazista é um apagamento dos significados religiosos originais dele dentro das culturas orientais a qual ele é original. Por outro lado, também não devemos ignorar que, quando aplicado ao ocidente, ele pode, no mangá, tal como foi no partido nazista, ser cooptado por essas ideologias opressoras.
Sobre o assunto, indico três vídeos de pessoas que entendem bem mais que eu: esse do canal AizeN, que explica os significados originais do manji e como ele foi apropriado pelo nazismo; esse do canal NigonGO, do Ricardo Cruz, que desdobra a parte linguística do assunto; e esse do Omelete, feito pela Moo, que fala também sobre como o símbolo foi utilizado por uma gangue de motocicletas real, a The Black Emperor, de Tóquio, e como essas gangues carregavam ideologias ultranacionalistas semelhantes ao nazismo — ao qual o Japão foi alinhado na Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Galeria de fotos
Confira nos álbuns abaixo algumas fotos dos volumes 1 e 2 da edição brasileira de Tokyo Revengers.
Volume 1:
Volume 2:
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Esta resenha foi feita com base nos volumes 1 e 2 de TOKYO REVENGERS cedidos como material de divulgação para a imprensa pela editora JBC.
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A animação não é de todo mal, e ao longo da série a Liden melhorou em muitos quesitos. A segunda temporada inclusive está com uma qualidade levemente melhor em relação à primeira.
É lógico que se comparar com um Mappa da vida, TR fica parecendo muito barato, mas nem todo anime precisa ser uma super produção pra ser bom e assistível.
Me incomoda muito mais a Crunchy ter usado a versão censurada do anime, que esconde todos os manji. Como você falou, isso é diminuir uma cultura inteira por causa de um desenho parecido com uma suástica. Talvez por medo de polêmica ou por alarmismo.
De toda forma, era uma ótima oportunidade pra desvencilhar os dois símbolos de alguma forma, mas infelizmente não aconteceu.