Dizem que o ano só começa depois do Carnaval. Então já podemos dizer que 1988 começa oficialmente agora. A TV brasileira ficou marcada por mais de duas décadas por seriados japoneses que apresentavam super-heróis que enfrentavam monstros de borracha e salvavam o dia, agitando a criançada nas décadas de 1960 e 1970.
Esta década de 1980 foi praticamente de reprises, reprises e mais reprises. De lá pra cá o SBT e a Record foram as emissoras que apostaram no bis de séries como Ultraman, Ultraseven e Robô Gigante. Para não dizer que não teve nada inédito nas telinhas, tivemos aí o ecológico Spectreman. Só que agora vem uma novidade que promete cativar a nova geração.
Agora é a vez da dobradinha Jaspion e Changeman agitar a programação da Rede Manchete. A partir do dia 22 de fevereiro, os novos heróis japoneses serão atrações do Clube da Criança, apresentado por Angélica de segunda a sexta, das 16h às 18h. Os enlatados japoneses chegaram ao Brasil no ano passado, através de fitas VHS lançadas pela Everest Video.
A aposta vem do empresário Toshihiko Egashira, que começou como dono de uma locadora chamada Golden Fox, situada no bairro da Liberadade, em São Paulo. A Liberdade abriga a maior comunidade japonesa fora do Japão. No catálogo da Golden Fox tinham fitas com gravações de programas da TV japonesa, incluindo séries com super-heróis que lutavam contra o mal, “sangravam” faísca ao invés de sangue e robôs gigantes que enfrentavam monstros de igual tamanho numa maquete.
Esse gênero de produção é atendido no Japão como tokusatsu, uma abreviação do termo “tokushu kouka satsuei” (filmes de efeitos especiais). Tudo começou ainda em 1954 com o primeiro filme de Godzilla, idealizado pelo falecido diretor de efeitos especiais Eiji Tsuburaya (1901~1970), o mesmo criador de Ultraman e Ultraseven. Mal sabia Tsuburaya que o Rei dos Monstros e os heróis oriundos da Nebulosa M-78 fariam sucesso também nos EUA — onde até hoje tem aficionados por filmes kaiju (monstros gigantes) — e também aqui no Brasil.
Toshihiko Egashira — também conhecido como Toshi — viu o sucesso desse tipo de seriado na Golden Fox. Em 1986, ele foi pessoalmente no Japão para buscar o licenciamento de títulos de tokusatsu. Toshi escolheu as séries Jaspion e Changeman, ambas da produtora Toei Company (a mesma de National Kid), que haviam sido concluídas no mesmo ano e exibidas originalmente pela emissora japonesa TV Asahi pelo período de um ano.
Com 46 episódios exibidos entre 15 de março de 1985 e 24 de março de 1986, a série O Fantástico Jaspion (Kyoju Tokusou Juspion) conta a saga de um órfão, que recebe a missão de lutar contra Satan Goss (praticamente uma versão nipônica de Darth Vader, da série de filmes Guerra nas Estrelas) e seu Império dos Monstros. Ao lado da ginoide Anri e da monstrinha Miya, Jaspion chega à Terra para procurar as crianças que possuem o poder de encontrar o Pássaro Dourado, um ser mítico que teria a chave para a vitória contra o mal.
No Japão, Jaspion faz parte de uma linha de horário da TV Asahi que apresenta sagas de heróis com armaduras metálicas e com aparência de robôs. Isso sem contar que cada herói possui armas laser, veículos e até nave especial capaz de se transformar em um robô gigante. Cada ano tem uma série diferente que é substituída por outra no ano seguinte — como acontece aqui no Brasil com as novelas, por exemplo.
Já o Esquadrão Relâmpago Changeman (Dengeki Sentai Changeman), exibida também pela TV Asahi entre 2 de fevereiro de 1985 e 22 de fevereiro de 1986, com 55 episódios, é a sétima série da franquia Super Sentai. Quando o Império Gozma, liderado pelo comandante Giluke em nome de Bazoo, ameaça a Terra, uma lendária energia chamada de “Força Terrestre” se manifesta. Há tempos em um treinamento militar, os jovens Tsurugi, Hayate, Ozora, Sayaka e Mai são banhados por essa energia, transformando-se em Changeman para lutar pela paz do planeta.
A franquia Super Sentai (ou Super Esquadrão) existe no Japão há quase 10 anos e, por incrível que pareça, por influência de uma série tokusatsu do Homem-Aranha (!), produzida em 1978 pela mesma Toei, em parceria com a Marvel. É que o “cabeça-de-teia” japonês tinha um robô gigante e tal elemento se tornou essencial para a concepção de uma série chamada Battle Fever J (1979), outra produção feita em parceria entre Toei e Marvel. O formato de Super Sentai consiste em uma equipe de cinco heróis que tinham um robô gigante para defender a paz na Terra.
Tais tipos de produção continuam vigorando no Japão e a receita está nas vendas de brinquedos. Eis aí uma tarefa árdua que Toshi terá que empreender no Brasil com Jaspion e Changeman. Mas isso depende muito da audiência e da popularidade que os novos heróis japoneses poderão ter aqui no outro lado do mundo. É algo que exige metas e planejamento a médio-longo prazo.
Se Tsuburaya conseguiu transformar a história do cinema japonês e migrar o tokusatsu para a TV, Toshi pode fazer um feito parecido por aqui, quem sabe. No geral, tokusatsu pode causar mesmo estranheza para quem está mais habituado com a ficção científica de Hollywood, mas quase sempre as aventuras japonesas do tipo rendem bons enredos, ação, aventura, suspense, drama e até um pouco de comédia. Ou seja, tokusatsu é um gênero de produção que não pode (ou melhor, nem deveria) ser subestimado pelo público em geral.
E a influência da temática espacial abordada nos últimos anos pelas séries tokusatsu pode muito bem conquistar o público infantil no Brasil. Bom, é provável que He-Man possa ganhar rivais à altura no mercado de brinquedos, não é mesmo? Isso só o tempo vai dizer. Uma empreitada parecida vem acontecendo na França, onde Gavan e Bioman se tornaram grandes sucessos por lá, rendendo uma safra de tokusatsu há cerca de cinco anos.
Ainda é cedo para dizer se Jaspion e Changeman chegarão até o final em VHS da Everest ou mesmo na tela da “televisão do ano 2000”. Mas dá pra dizer que as novas séries japonesas têm sim um potencial a ser explorado. É fato que os heróis foram ignorados nas primeiras tentativas de negociação com as emissoras brasileiras e essa estranheza pode, talvez, incomodar a grande mídia. Enfim, como diria a canção da saudosa Elis Regina, “o novo sempre vem” e não é diferente com o tokusatsu. Este gênero já não é mais o mesmo de décadas atrás, está em constante transformação (sem trocadilho) e, se nada der errado, pode conquistar o Ocidente de uma forma ou de outra, atravessando gerações.
Não será uma tarefa simples de emplacar Jaspion e Changeman, mas é uma experiência que pode dar certo e, quem sabe, render um filão com produções mais recentes como Spielvan, Flashman, Metalder, Maskman ou até Jiraiya, o mais novo herói da TV japonesa. Se National Kid e Ultraman ainda são os principais sinônimos de super-heróis japoneses no Brasil, pode ser que a dobradinha Jaspion e Changeman seja cultuada por umas três décadas ou mais.
*Jaspion e Changeman completaram 35 anos de estreia pela extinta Rede Manchete no último dia 22 de fevereiro. Confira as nossas matérias especiais sobre estes dois grandes clássicos na J-Pédia (leia aqui e aqui), além de uma entrevista com Toshihiko Egashira (assista aqui).
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NOTA DA EDITORA: Antes de mencionar eventuais erros ou inconsistências na coluna, leve em consideração que o texto emula o ano de 1988 e por isso respeita as terminologias usadas à época.
Eu não sei se é lembrança de infância, mas as séries dessa época pareciam ser mais sérias pra mim, especialmente Flashman. Até hoje tenho trauma daquele bicho encolhendo as duas meninas numa capsula e jogando no mar, onde são engolidas por um peixe. Sem mencionar a derrota do Flash King.
Que texto excelente! Poderia ser uma coluna a parte do site simulando notícias lançadas a 30 anos atrás sobre tokusatsu.
Não só sobre tokusatsu, como outras grandes notícias que causaram impacto no passado. Exemplo: uma matéria sobre a epilepsia que aquele episódio de Pokémon causou nas crianças do Japão.
Por mais que seja escrito como se fosse algo atual, daria para fazer um bom apanhado e desmistificar alguns mitos que carregamos até hoje, muito por conta do sensacionalismo de como essa notícia foi vendida na época (claro, pela emissora concorrente de quem ia exibir o anime).
Ótima matéria! As opções de canais e programas para crianças e adolescentes eram bem poucas comparando com hoje, então não é surpresa o sucesso que fizeram, além de ser algo bem diferente do que estávamos acostumados naquela época..
É impressão mesmo, as séries anteriores eram tão bobas quanto as de hoje, principalmente na resolução de histórias (existem excessões, óbvio), mas dá pra ver que graficamente as séries antigas tinham menos limites para se seguir mas as atuais abordam assuntos mais sérios de maneira mais sutil.
Brincadeiras à parte, as reportagens das revistas semanais dos anos 80 falando sobre o sucesso de Jaspion e Changeman tinham lá suas pérolas: um artigo da “Visão” já avisava em 1990 que as próximas atrações da Everest Vídeo seriam Maskman, Black Masked Rider (era assim que estava escrito), Spielvan, Metalder e Turbo Ranger. Na reportagem da “Veja” sobre a estreia de Jiraiya e Lion Man, falavam do sucesso do tokusatsu na França e da participação da apresentadora Dorothée em séries da Toei, ao mesmo tempo ressaltando as dificuldades da Toei em emplacar suas séries no mercado norte-americano (Power Rangers só estrearia por lá 3 anos depois).
Essas séries temporadas precisam ter continuação do o fantástico jaspion seaon 2,3 até mais com 100 episódios e do filmes séries Ong Bak com Tony ja ator
Poderia ter continuação essa séries temporadas o fantástico jaspion
Realmente changeman e Jaspion marcaram muito a nossa infância e sem falar dos outros tokusatsus como flashman,maskman,jiraya,jiban,cybercop enfim marcaram uma geração de nos anos 80 até os anos atuais o povo brasileiro assisti changeman e Jaspion assim como Chaves série mexicana que fez muito sucesso e tem muitos fãs do Chaves que assiste até hoje, o mesmo acontece com changeman e Jaspion e outros tokusatsus japoneses
Realmente changeman e Jaspion marcaram muito a nossa infância
Gostei da matéria. Lembrei-me da minha época de infância.