Fábulas são um estilo narrativo efetivo em elaborar uma moral ao fim da história. Todos já ouvimos umas seis ou sete quando crianças, geralmente com animais retratados com características humanas. A mais famosa deve ser a da cigarra e da formiga: a cigarra quer se divertir, enquanto a chata da formiga enche o saco dela para passar seu tempo trabalhando. Como resultado, a cigarra fica sem comida no inverno e a formiga tem o que comer. A moral, “perca um pedaço enorme de sua vida trabalhando para aproveitar mais pra frente, quando a outra opção seria a morte.

Nekogahara, mangá de Hiroyuki Takei (o mesmo de Shaman King), publicado em cinco volumes, entre 2015 e 2018, na revista Shounen Magazine Edge, carrega várias características de uma fábula. A história se passa numa realidade onde gatos têm comportamentos e problemas parecidos com os de humanos. No Japão antigo, acompanhamos o samurai andarilho Norachiyo, que já não responde a um mestre por quem levantar a espada e possui um passado misterioso.

imagem: o gato pegando a katana.

Foto: Igor Lunei/JBox

Norachiyo passa de vilarejo em vilarejo e vê seu caminho se cruzar com os de outros gatos, pobres, que são oprimidos por diferentes figuras de poder. Nessa, o bichano entra em batalhas de vida ou morte por problemas que podem ou não afetá-lo, e tudo isso parece puxar um fio maior ligado a seu passado.

Calha então de Nekogahara ser um mangá extremamente interessante por diferentes motivos. Hiroyuki Takei utiliza esses clichês narrativos de fábulas para construir um mundo de gatos que ilustra bem diferentes temas mais duros de nossa sociedade humana. Nele, gatos de rua, possivelmente vira-latas, sofrem um bocado, enfrentam preconceitos, pobreza e, basicamente, não têm como subir de vida. Do outro lado, gatos de raça, geralmente adotados por seres humanos, ditam as regras e moldam a sociedade dum jeito em que esse status quo sempre seja mantido.

imagem: outra cena de nekohara.

Foto: Igor Lunei/JBox

Há figuras bastante identificáveis, como o senhor feudal dono de terras que mantém os pobres mais pobres através de impostos altos, o chefe do tráfico (aqui, a droga utilizada é a “erva-de-gato”, sério), o filho fanfarrão desse bandido que se aproveita do medo que o pai impõe, o samurai bonitão que é visto como um herói, mas possui um lado extremamente sombrio, e por aí vai.

O porém disso tudo é que, ao menos nesse primeiro volume, o autor resolve transgredir um dos elementos mais comuns das fábulas: não há uma lição de moral!

Enquanto o “normal” seria Norachiyo ser um estandarte de nobreza que ensinaria aos leitores o que é correto através de seus atos e vitórias em cima dos vilões, o protagonista se mostra um exemplar de antivirtude. Ele não se contém ao assassinar friamente os inimigos, suas motivações não são sempre as mais corretas, e ele inclusive é usuário de erva-de-gato. Não há bom mocismo, não há baluarte moral. Que ótimo!

O resultado é uma obra de samurai extremamente divertida, sombria na medida, e com um punhado de segmentos bem desenhados que enchem os olhos. Particularmente, gosto muito de uma parte que envolve o Norachiyo camuflado em uma latrina. Há uma cena que remete ao livro Rashomon que também impressiona bastante.

Nekogahara é um mangá de ação muito bacana, onde o autor utiliza de elementos narrativos um tiquinho mais complexos para elevar o tom de uma história que poderia ser simples. Não é um clássico, tal como Shaman King se tornou dentro de seu catálogo, mas cola bastante no que quer contar.


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Essa resenha foi feita com base na edição cedida como material de divulgação para a imprensa pela editora JBC. 


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