Entre os anos de 2016 e 2019 o mangá de autoria de Nio Nakatani, Yagate Kimi ni Naru (Bloom Into You, na versão brasileira) foi seriado na revista de Dengeki. No Brasil, a obra foi publicada pela Panini, uma escolha mais do que acertada para o primeiro título yuri da editora.
YagaKimi, como é apelidado no Japão, conta a história de Yuu Koito e Touko Nanami. Yuu é uma garota comum que acabou de entrar no Ensino Médio, mas cuja personalidade é marcada por uma característica específica: ela não sabe o que é o amor. Ela ouve músicas e lê mangás shoujo românticos, mas ela própria nunca se apaixonou por ninguém. Na verdade, Yuu acredita que é incapaz de se apaixonar.
Como Yuu está no primeiro ano e não faz parte de nenhum clube, um professor recomenda que ela vá ajudar o Conselho Estudantil. Lá, Yuu conhece Touko Nanami, uma estudante do segundo ano que, à primeira vista, é a garota perfeita. Com notas altas e boa nos esportes, Nanami é admirada por todos. Por esse motivo, ela recebe muitas confissões de amor. Entretanto, Touko diz não ter a pretensão de namorar ninguém, seja um menino, seja uma menina.
Ao conhecer Nanami, Yuu acredita ter encontrado alguém igual à ela, uma pessoa que também não é capaz de sentir nada especial por ninguém. Porém, Yuu logo descobre que as duas não são iguais: Não somente a candidata à nova presidente do Conselho Estudantil não é tão perfeita quanto finge ser, bem como não é incapaz de amar alguém. Afinal, Nanami se apaixona pela própria Yuu.
Num primeiro momento ou numa leitura mais desavisada, YagaKimi parece só mais uma história de “garota conhece garota”, mas nessa obra Nio Nakatani aborda com sensibilidade e delicadeza a descoberta do amor e de si mesmo.
As duas protagonistas têm algumas questões muito interessantes de se observar. Nanami está numa busca para saber quem ela é, quem ela deve ser, quem ela deve se tornar. Depois da morte da irmã mais velha, que ela tanto admira e acredita ser perfeita, Touko resolve se tornar a própria irmã. Ela molda toda a sua personalidade para ser igual à irmã morta, para alcançar todos os objetivos que essa garota deixou de alcançar ao morrer tão jovem.
Em um dado momento, Nanami não sabe mais quem é. Ela passou anos de sua vida atuando, fingindo ser perfeita em tudo, ser extremamente dedicada em tudo. Nanami acredita que as pessoas só gostam dela por isso, por causa dessa peça que ela encena todos os dias. Touko chega ao ponto de odiar a si mesma, pois tudo que ela tem é a encenação que criou. Entretanto, quando ela realizar a última coisa que sua irmã mais velha não pode fazer, o que ela fará? Quem ela será? Quem Nanami irá se tornar? Ela pode apenas voltar a ser ela mesma? Ela sabe como é ser ela mesma?
Esse é o enredo específico da Nanami, essa é a questão que ela tem durante a narrativa: a busca por si mesma. Ao longo dos oito volumes de YagaKimi, Touko Nanami precisa decidir quem ela vai se tornar. E é por causa disso que ela se apaixona justamente pela Yuu.
A Nanami atua o tempo todo, mas as pessoas veem nela algo de especial e se apaixonam por ela por esse motivo. Então, Yuu, uma garota que não é capaz de amar ninguém, parece aos seus olhos a pessoa mais gentil do mundo. Touko Nanami é uma adolescente solitária, ela não sabe ser amada, ela não quer que amem nem seu lado frágil nem seu lado perfeito, mas ela não quer mais ficar sozinha. Então, ela se apaixona por alguém que diz ser incapaz de se apaixonar por qualquer uma das facetas dela. A princípio, é por isso que Nanami ama Yuu, pois a primeiranista é a única para quem ela pode dizer: Fique ao meu lado, mas não me ame!
Yuu, por sua vez, ao receber a confissão de Nanami se sente um tanto traída. Ela acredita ter encontrado alguém que também é incapaz de se apaixonar, mas então Nanami se apaixona justamente por ela. Ainda assim, Yuu aceita o pedido de Nanami e permite que a garota continue gostando dela. Ela decide ficar ao lado de Nanami. Yuu quer mudar, ela quer saber o que é o amor. Ela insiste o tempo todo que todas as atitudes que toma são normais, que ficaria feliz de ser escolhida por qualquer pessoa, que ficaria ao lado de qualquer um que precisasse…, mas dia a dia ela escolhe estar ao lado da Nanami.
Yuu é uma personagem que tem uma ideia muito específica de como o amor deve ser. Ela espera que ele seja de uma certa forma, que aconteça de um certo modo e que ela se sinta de uma certa maneira quando estiver apaixonada. Acontece, que o que Yuu não sabe é como ela mesma ama. Como o sentimento do amor é para ela? Como ele se manifesta nela? O que faz com que ela se apaixone por alguém? E essa é a questão narrativa da Yuu: como ela ama alguém, como é o amor para ela.
A maneira como Nio Nakatani lida com essas duas problemáticas das protagonistas é muito gostosa de acompanhar. É por vezes um tanto melancólico, mas sem ser piegas demais. É delicado e sensível, às vezes delicado o bastante para você nem perceber alguns detalhes quando lê pela primeira vez.
Um dos arcos mais bonitos de acompanhar é, com certeza, o arco da peça de teatro do Conselho Estudantil — a última coisa que a irmã de Nanami não realizou antes de morrer. O drama que as personagens encenam é sobre a própria Nanami, feito especialmente pra ela. A história de uma garota que não sabe quem é, que precisa decidir quem vai se tornar. E a Nakatani constrói tudo de uma forma tão bonita, tão simbólica. É muito lindo.
O que torna YagaKimi uma história tão gostosa de acompanhar é o fato de que não é só um romance, é um romance no qual duas adolescentes precisam entender a si mesmas e atravessar suas próprias questões para poder ficar juntas.
Entretanto, por mais que a história gire em torno de Nanami e Yuu, algumas personagens têm um destaque ou mesmo um ou outro detalhe especial.
A melhor amiga de Nanami, Sayaka Saeki, tem a sua própria caminhada enquanto, bem, uma garota lésbica. A Sayaka é uma personagem que só pode se apaixonar por garotas e isso é consideravelmente visível no próprio YagaKimi — embora essa parte tenha um desenvolvimento maior nas três novels posteriores que têm a personagem como protagonista.
As conversas que a Sayaka tem com a Miyako, a dona do café que as personagens frequentam e que é textualmente uma mulher lésbica, são sempre um pouco bonitas de se ler. É simples, mas é claro: essas duas mulheres só podem amar mulheres. E, obviamente, a Sayaka também precisa decidir o que fazer com os sentimentos que têm por uma garota específica.
Se a Yuu acredita ser incapaz de se apaixonar e sofre com o desejo de ser como todo mundo — para assim compreender o amor —, em contrapartida nós temos o Maki. O garoto se coloca como um mero espectador das histórias de amor dos outros. Ele nunca se apaixonou nem tem interesse em se apaixonar, quer apenas observar de seu lugar na plateia histórias de amor acontecendo. E o Maki está absolutamente bem com isso. Existe um elemento de arromanticidade bem visível nele e a personagem é bem tranquila em relação a esse fato. Inclusive, ele é um dos primeiros a perceber que a Yuu, independente do que diga pra si mesma, não é como ele.
A presença do Maki e outros meninos no círculo próximo de Nanami e Yuu também tem uma outra função. Em uma entrevista no ano de 2019, Nio Nakatani disse que pensou em colocar personagens masculinos em YagaKimi porque quando falamos de garotas que gostam de garotas há mais de um padrão: existem aquelas que só podem se apaixonar por garotas e aquelas que acabaram por se apaixonar por alguém que é uma garota. Em YagaKimi podemos citar como exemplo do primeiro caso a Miyako e a Sayaka, e como representante do segundo tipo a Riko, que é a namorada da Miyako. Portanto, os garotos estão ali justamente para ajudar a demarcar essa diferença.
Além disso, a presença desses personagens e o fato de YagaKimi se passar numa escola mista cria um argumento afirmativo das relações românticas entre as personagens femininas. Alguns títulos yuri, ou títulos que têm apelo com a comunidade yuri, por vezes têm uma ausência de personagens masculinos. Essa ausência de homens pode permitir que alguém diga que “essas garotas só estão juntas porque não tem nenhum homem para eles namorarem”. Portanto, a presença dos meninos na obra também serve para corroborar a ideia de que essas garotas se apaixonaram umas pelas outras porque podem se apaixonar umas pelas outras e não por não haver garotos com quem elas pudessem se envolver. É um ponto muito simples, mas um tanto precioso.
Esses pequenos detalhes, que vez por outra contribuem com o enredo geral, são provavelmente alguns dos pontos mais positivos de YagaKimi. Ao abordar, ainda que levemente, por qual tipo de pessoa essa ou aquela personagem pode se interessar, Nio Nakatani nos faz lembrar que certos sentimentos existem, certos tipos de pessoas existem.
Bloom Into You é um romance entre duas garotas do colegial, mas também é uma história que aborda a busca por si mesmo, pelo amor e até certo ponto a compreensão de sua própria identidade. Esse é o motivo pelo qual a obra de Nio Nakatani é, dentre as mais conhecidas, um dos melhores yuri dos últimos anos. Sensível, delicado e emocionante, o mangá te convida a responder: quem você vai se tornar?
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Essa resenha foi feita com base na edição brasileira publicada pela editora Panini. Porém, o material não foi fornecido pela empresa.
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