Em oportunidade cedida pela Toei, o JBox entrevistou Tomasz “Tomek” Bagiński, o diretor do filme live-action de Os Cavaleiros do Zodíaco, que estreia neste ano, mas ainda não tem data oficial no Brasil.

A entrevista ocorreu virtualmente no último dia 7 de fevereiro em inglês, com a editora-chefe Laura “gasseruto” representando o site, e foi gravada pela nossa equipe em vídeo e, posteriormente, transcrita e traduzida (a versão original está aqui).

O vídeo foi editado e pode ser conferido a seguir (quem preferir pode seguir com a versão escrita mais abaixo):


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Na transcrição e na tradução, algumas coisas foram ajustadas para manter uma melhor experiência de leitura do texto. Sem mais delongas, confira a seguir.

JBox: Como você se envolveu com o filme? Já conhecia Os Cavaleiros do Zodíaco antes desse projeto?

imagem: personagens do mangá de Os Cavaleiros do Zodíaco

Divulgação: © MASAMI KURUMADA

Tomek: Na verdade, é uma longa história. Eu conhecia o nome, eu tinha visto alguns episódios. Como você sabe, foi muito popular na Europa, e também foi popular no leste europeu [o Tomek é polonês]. Não foi tão grande quanto, sei lá, na Itália ou em outros países ao sul de nós, ao sul da Polônia, mas ainda assim foi popular, e eu tinha visto alguns episódios. Então não era totalmente desconhecido, mas eu também não estava tão envolvido com esse mundo.

Na verdade, eu trabalhei em outro projeto com a Toei antes, e o trabalho fluía tão bem que em algum momento eles me perguntaram essa mesma coisa: “O que você sabe de Cavaleiros?”. E eu falei “Ah, eu sei alguma coisa… tipo, que é sobre mitologia grega, que as armaduras são importantes, quem são os protagonistas e tal”. Aí disseram “Dá uma olhada nisso, talvez você possa ajudar com essa história, com o script”. Acho que foi há uns 5 ou 6 anos, então faz um tempo.

Daí eu vi o script, mostrei para eles minhas anotações e, nesse ponto, era só, sabe, uma troca amigável, e eles gostaram, aí começamos a trabalhar juntos no projeto. E muitos e muitos anos depois, muitos rascunhos depois, porque esse mundo é tão vasto e complexo, são tantos personagens e tantas histórias a serem contadas. Muitos anos depois tivemos nosso primeiro dia no set, finalmente gravamos e agora temos o filme, é muito empolgante.

Então agora eu sei bem mais. Agora estou profundamente envolvido com esse mundo, mas ainda tem pessoas que mergulharam bem mais fundo, eles sabem… tudo sobre isso. Se eu tivesse qualquer pergunta sobre a lore mais profunda, sempre podia perguntar a alguém da Toei, e às pessoas que criaram isso.

Aliás, tivemos alguns feedbacks durante a produção, durante os rascunhos, do autor do mangá, Masami Kurumada. E ele estava dando muito apoio e feedbacks muito importantes sobre… sobre o que é central na história, o que é importante em Cavaleiros.

 

Então você está envolvido há 6 anos no filme?

T: Sim, mas no começo era só às vezes. Desenvolvimento de filmes pode levar bastante tempo. É o período em que é só um grupinho trabalhando principalmente no script e em decisões como onde produzir, como abordar.

Tem muita coisa envolvida nesse momento inicial porque você precisa considerar o orçamento, pensar sobre um monte de elementos, pensar em como tornar a história acessível para o público que não conhece Cavaleiros, e esse provavelmente foi o nosso maior desafio porque o mundo da série é tão grande.

imagem: poster japones com mackenyu como seiya vestindo a armadura de pégaso.

Divulgação: © 2023 TOEI ANIMATION CO., Ltd.

Dezenas de personagens, um monte de histórias, um monte de “histórias dentro de histórias”, tem várias temporadas para assistir e é um mundo muito grande e complexo, então quando você cria um primeiro filme nesse mundo, precisa fazer também ele acessível para quem nunca ouviu falar da série.

Então, por um lado, precisa funcionar para o fãs, e temos que ter muito cuidado ao manter os elementos importantes para os fãs, as coisas que eles amam, mas, ao mesmo tempo, não teríamos que explicar para eles o que é Cosmo, não precisaríamos explicar quem são os personagens, como é o mundo.

Antes de tudo, tivemos que garantir que funcionaria para os fãs, mas também precisávamos explicar um monte de coisa: como o mundo funciona, quem Seiya precisa proteger, quem é Seiya, o que é Cosmo, tudo isso é óbvio e simples para você, para os fãs. Mas descobrimos que precisamos explicar cada coisinha para quem não conhece a história.

J: E parece ser bem difícil fazer isso com Cavaleiros.

T: É difícil. Era muita coisa. Histórias já ligadas a uma lore — quando há uma lore, tipo histórias anteriores, mundos anteriores –, geralmente tem muita coisa. Mas eu nunca trabalhei num projeto com tantos cavaleiros, um monte de histórias, um monte de elementos, aí quando começamos a lê-lo para “tábulas rasas”, descobrimos que quem não conhece o mundo não entende nada.

Então tivemos que achar um ponto de entrada. E para a gente… não quero entrar em muitos detalhes, tipo, não quero contar nada… mas nosso ponto de entrada foi a história de origem do Seiya, e quisemos focar nele, ao invés de em um momento icônico ou outro do mangá e do animê.

E, uma vez que simplificamos o ponto de partida, começamos a trazer alguns elementos de volta. Porque aí estávamos “Ok, essa é nossa história central, esse é o nosso cerne, é disso que vamos falar, então quantos personagens a mais podemos introduzir? Quantas coisas dá para colocar?”, tanto no fundo quanto para o Seiya. E fechamos, acho eu, com uma ótima história e um ótimo script. Mas não quero me aprofundar no conteúdo.

J: Ah, claro. Eu gosto bastante da ideia de um filme de origem do Seiya. Então fiquei animada. Estava preocupada que cortassem grande parte do começo, eu realmente gosto do início da história. Então estou animada.

T: Veja, claro que terão mudanças. Fazem 40 anos, ou 30, não lembro agora… Acho que 40 desde a primeira edição e as primeiras histórias nesse universo. Então tivemos que dar um jeito de fazer algumas coisas funcionarem no mundo de hoje. Mas acho que chegamos bem perto da essência e da trama da versão original.

 

Qual o envolvimento do Kurumada com o filme? O script, os designs de armadura e etc. passam por aprovação dele?

T: Ele esteve envolvido em vários momentos. Então quando chegávamos a um ponto importante, sempre pedíamos a opinião dele e tivemos feedbacks muito, muito bons dele… sobre armaduras, mas também sobre a história e como abordá-la.

Para mim, o mais importante foi que… porque, no começo, a gente tinha uns designs bem “super-herói”, coisa bem tecnológica, e aí ele disse “ei, é que tipo… a inspiração principal eram cavaleiros reais e armaduras reais”. Aí tivemos que pensar “ok, como vamos usar isso de inspiração?” e fazer as armaduras um pouco mais baseadas [estruturalmente] em armaduras medievais, mas mantendo ainda um toque de fantasia, próximo ao universo de Cavaleiros, com ombreiras bem proeminentes.

imagem: mackenyu vestindo a armadura de pégaso.

Divulgação: © 2023 TOEI ANIMATION CO., Ltd.

É uma forma muito importante e, ao mesmo tempo, é muito difícil de fazer isso nas armaduras. Porque aí, quando não é uma animação, fazer esse movimento de levantar e descer o braço fica muito desconfortável, esse tipo de ombreira realmente limita o movimento do cotovelo. Então tivemos que excluir algumas coisas.

Mas é, consultamos o autor algumas vezes, ele viu o filme, deu algumas notas, e também sabemos o que fazer no futuro. Caso o filme seja um sucesso, já sabemos por onde ir com as armaduras. Uma coisa que eu amo nas armaduras de Cavaleiros é que os designs não ficam estagnados: as armaduras evoluem. Elas evoluem a cada temporada… conforme os personagens conseguem usar melhor o Cosmo, mais evoluídas as armaduras ficam. É uma ideia bem maneira.

 

Cavaleiros é muito amado em alguns lugares, mas ainda não é muito conhecido em outros. Como lidar com o excesso de expectativa de fãs e a necessidade de introduzir a série?

T: Foi o motivo de ter demorado tanto para acertar a história porque toda vez que estávamos satisfeitos com o script, a gente meio que testava com pessoas que não conhecem, tipo, nada da série. E geralmente eles ficavam com perguntas e achavam confuso, aí “ah, precisamos explicar isso, precisamos colocar um pouco disso para explicar essa outra coisa”. E, é, é bem trabalhoso.

Mas ao mesmo tempo, era bem legal e empolgante e aí… eu meio que me apaixonei por esse mundo. Pelos personagens. Tem tantas histórias incríveis nesse mundo e eu sinto que… eu espero que esse amor fique visível. Espero que esse filme tenha “coração” por causa disso.

 

Falando em fãs, você está checando a recepção depois de divulgarem o trailer e as primeiras imagens?

T: Um pouco, mas também… hum… tem uma frase excelente, não lembro de quem, mas é assim “é errado se animar demais com bom feedback, mas é também errado se deprimir demais com feedback negativo”.

Então tem que meio, não vou dizer ignorar porque, especialmente para mim, os fãs são muito importantes e eu quero muito que as pessoas amem este filme. Mas, ao mesmo tempo, sempre vai ter alguém que não vai gostar de algumas coisas. As pessoas são diferentes, e estamos fazendo um filme para um público enorme. Então sempre vai ter alguém que vai dizer “ah, não gostei disso”, “ah, deviam ter feito isso de outra forma”. E a parte engraçada é que eles até podem estar certos no fim das contas e eu sei disso, mas, sabe, é um filme. É uma máquina em ação.

É tipo, ok, esse é o orçamento que tivemos, esse é o tempo que tivemos, essa é história que fizemos, e tivemos que focar nela, fazê-la funcionar da melhor forma possível. E aí, espero, muita gente vai amar. Então, estou checando o feedback, mas não estou cavando fundo porque aí fica muito fácil perder a confiança no que estou fazendo. E eu sei que é verdade para mim e para o resto do time que fizemos tudo que podíamos para que esse filme ficasse o melhor possível. E, claro, há sempre espaço para melhorar, mas eu acho que é uma ótima história.

 

Como foi a escolha do elenco? Algum elemento do mangá ou do animê foi levado em conta?

imagem: diego tinoco e madison iseman com poster do filme de cavaleiros.

Divulgação: © 2023 TOEI ANIMATION CO., Ltd.

T: Sim e não, porque queríamos um elenco internacional na medida do possível e tentamos, até certo grau, não totalmente, não 100%, mas até certo grau, honrar a origem… o lugar de origem da história. Sabíamos, por exemplo, que o Seiya tinha que vir do Japão. Decidimos bem no começo que seria assim, o que não foi fácil porque só alguns atores jovens japoneses falam inglês de forma fluente, por exemplo.

Então precisávamos nos focar na escolha certa. E eu estou muito contente com o Mackenyu [ator do Seiya] porque eu acho… tipo, ele é super famoso no Japão e não precisa ser mais famoso ainda, mas eu acho que, com esse filme, o pessoal vai ver que ele é um ator de primeira classe, uma estrela de primeira classe, e ele consegue lidar com esse tipo de filme também nesse idioma. Eu acho que é muito legal e muito bom termos ele no elenco.

E aí fomos procurar… a parte difícil é que é fácil achar atores conceituados um pouco mais velhos, mas sabíamos que os Cavaleiros teriam que ser jovens. Isso era importante, precisávamos de atores, personagens, estrelas que fossem jovens e já tivessem alguma popularidade, algum reconhecimento. Esse foi o elemento principal na busca da parte mais jovem do elenco. E, claro, precisávamos de alguns personagens que interagiriam com nosso elenco jovem. E com esses, podíamos pensar em nomes, e tivemos sorte de conseguir o Sean Bean [Alman Kido, equivalente a quem conhecemos como Mitsumasa Kido], de conseguir o Nick Stahl [papel ainda não revelado] e a Famke Janssen [Guraad]. E, na real, quando eu paro para pensar, não dá para acreditar em quanta sorte tive esse elenco. É o melhor elenco que poderia ter para esse tipo de filme.

 

Todo projeto de Cavaleiros tem sua marca. Qual é a marca deste filme? O que ele pode acrescentar ou mudar no universo da série?

imagem: pessoa que parece a famke janssen de costas, como uma silhueta, olhando para um local em fogo.

Divulgação: © 2023 TOEI ANIMATION CO., Ltd.

T: É difícil responder sem soltar algum segredo da história, sem revelar alguma coisa do roteiro. Então, primeiramente, nessa escala, acho que ninguém fez um projeto live-action de Cavaleiros antes*. Então essa é uma grande mudança porque, do nada… por exemplo, é fácil animar aquelas armaduras enormes. Mas aí, quando você precisa colocar isso nas proporções humanas, leva um tempão para que dê certo. Porque é só um humano, tipo… é bem mais “pé no chão”, mais conectado com a nossa realidade. Então tivemos muitos desafios com isso.

Acho que alguns elementos são fáceis de reconhecer, tem cenas que as pessoas já conhecem bem, e também vai ter coisa nova… mas, para mim, a coisa mais importante, e que acho que está lá, é o coração e o tom que tentamos fazer, e estávamos muito focados em acertar o tom, em buscar o equilíbrio entre muita ação e muita luta, sem deixar de mostrar que Cavaleiros não é só luta, é místico, mágico, mas também tem elementos íntimos de Cavaleiros, conectados ao treinamento, conectados ao… tipo a conexão entre ele [Seiya] e Atena, e eu acho que essa era a coisa mais importante para mostrar, “ok, é um filme de ação e fantasia, mas tem um coração”… coração que eu acho que normalmente acaba faltando nesses grandes espetáculos.

E às vezes esse coração, esse elemento mais íntimo do mundo, se perde entre explosões. Não queríamos isso, queríamos mantê-lo. E acho que está lá. Você vai ver, vai sentir por conta própria.

Reportagem, transcrição e tradução: Laura Gassert | Edição: Laura Gassert, Rafael Jiback e Talles Queiroz

Agradecemos ao Tomek e à toda equipe da Toei e de divulgação do filme pela oportunidade. Também agradecemos ao pessoal da Taizen Saint Seiya e do Podcast Saint Seiya pela ajuda na formulação da pauta da entrevista.


O filme será exibido nos cinemas nacionais em data ainda a ser divulgada pela Sony e pela Toei. Fique de olho no JBox para não perder as novidades!


*NOTA: Tomek provavelmente quis dizer um filme live-action com produção para público amplo, mas a título de curiosidade, houve projetos live-action de escala bem menor no Japão, com musicais voltados ao teatro. Em 1991, foi produzido um musical adaptando a saga de Poseidon, com o elenco principal sendo formado pelo grupo SMAP, uma boyband extremamente popular no Japão na época. Em 2011, como parte das comemorações dos 25 anos da franquia, veio um segundo musical, desta vez adaptando o filme da deusa Éris (o média-metragem é intitulado por aqui como O Santo Guerreiro). Também sabe-se da existência de um projeto de série live-action americana da franquia, intitulado StarStorm, com envolvimento da Renaissance-Atlantic Film, que até teve um piloto produzido em 1994, e acabou abandonado, como outros projetos live-action da época (algumas poucas cenas foram resgatadas por fãs e é tudo que sabemos sobre).