Na área de desenvolvimento de sistemas, chamamos de Back-End todos os processos que transcorrem por trás de uma aplicação. A partir desse conceito, tive a ideia dessa coluna para compartilhar não só um ponto de vista, mas também um pouco sobre o que aconteceu e acontece nos bastidores da cultura pop japonesa no Brasil.


Outro dia, parei para conversar com um amigo sobre como era mais “difícil” ser fã de cultura pop japonesa décadas atrás. Pensando nisso, me dei conta que estamos vivendo um grau de maturidade de um mercado que cresceu e se estabeleceu sem tanto planejamento como o de outros países — como os Estados Unidos, por exemplo.

Internacionalmente já existe um sólido entendimento de que a cultura pop do Japão movimenta bilhões com o mesmo vigor que marcas como Marvel, Disney e DC. No Brasil de 2023, é praticamente impossível não entrar em um grande magazine e ver uma sessão “geek” com camisetas com as mais diversas estampas de algum animê. É curioso como o “Japão” por aqui virou parte de um nicho maior e ainda não conseguiu se definir comercialmente com um nicho específico. 

Mas antes de entrar nesse detalhe, gostaria de fazer um breve retrospecto sobre a evolução desse mercado para um melhor entendimento do motivo pelo qual isso acontece(u).

 

O Primeiro Impacto

imagem: anúncio de jornal de produtos jaspion e changeman

Anúncio de produtos de Jaspion e Changeman pela Mesbla. | Imagem: Reprodução/Jornal do Brasil (6 de out. de 1988)

 

Há trinta e cinco anos (em 1988) a TV brasileira recebia Jaspion e Changeman como atrações do segmento infantil. Um ano antes, esse tipo de conteúdo já era trabalhado no mercado de home vídeo, mas sem tanto alarde. A estreia da dupla na TV é o que avalio como o Primeiro Impacto significativo na formação de um mercado de consumo para cultura pop japonesa em nosso país. 

Mesmo o DNA de Transformers sendo japonês — ele é derivado de uma coleção de brinquedos da fabricante Takara e a primeira série animada contou com a Toei Animation na mão de obra da produção — a visibilidade comercial da franquia foi toda administrada pela Hasbro, fabricante de brinquedos americana.

Embora os seriados tokusatsu não fossem novidade absoluta para a audiência brasileira,  todos os que foram transmitidos na TV antes da estreia de Jaspion e Changeman, eram de uma era anterior a Star Wars (1977). A criança dos anos 1980 acabou absorvendo referências muito mais dinâmicas, digamos assim, de narrativas fantasiosas por conta da saga espacial de George Lucas e outros filmes da cultura pop efervescente no período.

IMAGEM: brinquedos de Ultraman

Brinquedos de Ultraman com veículos inexistentes na série (e cuja licença ainda gera dúvidas…). | Imagem: Reprodução

Quando se procura por produtos licenciados dessas séries mais antigas, esbarramos em pouquíssimos itens e o que existiu, não tem como afirmar que foram devidamente licenciados. Isso fez da Everest Vídeo do Brasil (1986~1992) possivelmente a primeira empresa a trabalhar legalmente com o licenciamento de produtos de marcas japonesas em nosso país. Segundo o próprio senhor Toshihiko “Toshi” Egashira em entrevista, os japoneses tinham muito interesse em explorar nosso mercado na época e, usando como referência o modelo de negócios do Toshi, outras empresas trouxeram mais séries tokusatsu e despejaram no mercado produtos licenciados. 

imagem: foto da pistola Zillion na caixa

Pistola Zillion pela TecToy. | Imagem: Reprodução/Blog TecToy

Um parêntese muito válido de ser aberto aqui atende pelo nome de Zillion. Lançado no Brasil em 1988 (meses após o debut de Jaspion e Changeman na Manchete), o animê foi utilizado pela empresa TecToy para alavancar a venda de produtos licenciados da série e do console Master System. Isso o torna, possivelmente, o primeiro animê — genuinamente japonês — a ser explorado em nosso mercado (houve alguns itens do Speed Racer décadas antes, mas eles entram naquela zona cinzenta de direitos que não temos comprovação). 

Embora brinquedos fossem os itens que mais chamavam atenção, dois outros setores também licenciaram bastante os heróis japoneses: o mercado de festas e o de histórias em quadrinhos. Enquanto o primeiro possuía empresas que até surpreendiam pela qualidade das entregas (com bastante semelhança ao design de personagens), o segundo contava com invencionices e criatividade de autores brasileiros capazes de criar situações das mais interessantes (que tal um duelo entre Jaspion e Spielvan?) até constrangedoras, demonstrando uma falta de preocupação com um item que o Japão é consagrado: a qualidade.

As HQs de Goggle Five adaptaram roteiros da TV de Flashman. E por que essas bocas estavam estavam expostas? | Imagem: Reprodução/Blog Gallerya

Nessa questão, a fabricante de brinquedos Glasslite usou e abusou da popularidade das séries japonesas, barateando os custos de produção de colecionáveis com a reciclagem de moldes de várias outras coleções de seu portfólio. Assim, praticamente todos os heróis japoneses da época ganharam um monte de carrinhos que nunca apareciam na TV. Fabricantes menores (como a Apolo e a Balila) apresentavam itens com um resultado que até hoje é constrangedor. 

imagem: foto de brinquedos Jaspion

Linha de Jaspion pela Glasslite. | Imagem: Reprodução

 

imagem: fotos de bonecos Cybercop

Comparação: à esq., o boneco brasileiro de Cybercop, pela Balila. À dir. a versão japonesa. | Imagem: Reprodução

 

imagem: foto de bonecos Changeman

Linha de Changeman pela Apolo. | Imagem: Reprodução

A qualidade duvidosa dos produtos licenciados nesse período perdeu espaço a partir dos anos 1990. Com o lançamento do plano Real no final de 1993, importar estava mais barato e esse foi o gatilho para o Segundo Impacto no mercado de consumo da cultura pop japonesa com Os Cavaleiros do Zodíaco.

Esse texto continua daqui 15 dias, na próxima edição da coluna Back-End.


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