Com a chegada de várias coletâneas de Mega Man nos últimos anos, era bastante aguardado pelo público que a Capcom expandisse os lançamentos também para os títulos fora do estilo “tradicional” da franquia. E foi o que finalmente aconteceu com o lançamento da coletânea de Mega Man Battle Network — originalmente lançado para Game Boy Advance.

Mega Man Battle Network é uma franquia (ou subfranquia) de RPGs em tempo real que foi um sucesso entre crianças dos anos 2000. Além dos jogos, ela contou com animês, mangás e brinquedos oficiais chamados PETs, que permitiam que os fãs cuidassem e batalhassem com seus próprios NetNavis — personagens da série.

Mas, óbvio, para algo se tornar uma franquia de sucesso, é necessário ter um ponto inicial, que será o foco deste texto.

imagem: capa de Mega Man Battle Network Legacy Collection

Divulgação: Capcom

O primeiro jogo de Mega Man Battle Network foi lançado no dia 21 março de 2001 para o GBA, a mesma data em que o portátil da Nintendo chegou ao mercado japonês, um fato que surpreende bastante, já que o game da Capcom usava e abusava dos recursos que o aparelho proporcionava.

Na história, acompanhamos Lan, um garoto que vive em um mundo onde a tecnologia da internet cresceu ao ponto de permitir exploração online utilizando avatares chamados NetNavis. MegaMan, nesta série, é um desses avatares, mas outros nomes clássicos da franquia original também aparecem com novas versões em Battle Network.

O conflito do roteiro começa a transparecer quando a organização terrorista World Three (ou simplesmente WWW), comandada por Dr. Wily, ameaça tanto o mundo digital quanto o mundo real através de ataques na internet que ocasionam problemas em vários sistemas, incluindo no trânsito, distribuição de água, entre outros. Os motivos reais de Wily são um dos mistérios do game e pouco a pouco descobrimos do que se tratam os planos da WWW.

No geral, o primeiro jogo apresenta uma história bem simples de bem contra o mal, mas isso não impede que a escrita transpareça charme. O RPG é um daqueles que tem grande foco na apresentação dos NPCs (personagens não-jogáveis), então sempre que acontecer algo importante na história, pode ter certeza que praticamente todos os “figurantes” terão algo novo para conversar com Lan.

Alguns dos NPCs mais importantes, como os amigos de Lan, também contam com mudanças nas falas, porém, considerando que são os personagens mais importantes depois do protagonista, poderiam ser melhor trabalhados. Mesmo Chaud, meio que um rival de Lan, não tem uma escrita tão bem trabalhada.

imagem: o protagonista Lan conversa com um cientista que diz: "Quem é aquela gostosa de vestido? Ela faz meu tipo!". Depois de descobrir quem é, o cientista diz: "O quê? É sua mãe?"

Um exemplo dos vários diálogos cômicos com NPCs | Reprodução: Capcom

Mas, assim como o restante da franquia, Battle Network brilha mesmo é no gameplay. O sistema de batalha acontece em um pequeno campo dividido em 18 painéis (inicialmente 9 para você e 9 para os inimigos) onde MegaMan pode trafegar livremente enquanto atira em tempo real ou usa habilidades, que podem ser escolhidas em um menu durante as lutas.

As habilidades, que usam o sistema de chips, permitem uma grande gama de ações, indo desde golpes diretos até funções que afetam os próprios painéis do campo. São quase 200 chips, sendo que vários são versões melhoradas de chips anteriores, mas isso não anula a grande variedade de decks possíveis. Vários chips podem ser comprados, mas a absoluta maioria deles são obtidos após derrotar inimigos. Durante as lutas, é possível manter apenas 30 chips consigo, mas eles podem ser trocados livremente em outros momentos.

Ainda sobre o sistema de batalha, é importantíssimo apontar que o jogo nunca deixa de ser criativo em como usar seu campo. Os inimigos também podem afetar diretamente o campo de batalha, na maior parte do tempo até mais que você mesmo e, quando tipos diferentes lutam juntos, conseguem fazer combinações que podem aterrorizar a vida do jogador, fazendo com que sempre seja necessário se reinventar para avançar.

imagem: MegaMan durante uma batalha na internet

Campo de batalha de Mega Man Battle Network | Reprodução: Capcom

Infelizmente, quando saímos das batalhas para a exploração, os problemas de Mega Man Battle Network começam a surgir. Além da exploração nas cidades (dividida em três áreas), os jogadores navegam pela internet controlando MegaMan, o que é a maior parte do tempo. É possível dividir a exploração na internet em três: a grande dungeon que pode ser acessada inicialmente pelo computador de Lan; os locais isolados da internet que podem ser acessados ao descobrir entradas pelo mapa; e as dungeons onde enfrentamos os vilões principais da história, que são normalmente lugares que estão sendo atacados.

Explorar a grande rede de internet principal é algo que considero bem prazeroso. Você sempre encontrará mais segredos e poderá gastar horas e horas nela, principalmente se se dedicar ao trabalho de farmar chips. Os locais mais isolados contam com chips mais raros, sem falar que alguns deles têm conexões com os amigos e outras pessoas que Lan conhece ao decorrer do game. Esses locais focados nos personagens permitem que Lan crie novos pontos de acesso para a “grande internet”, facilitando a navegação.

imagem: Enquanto Lan conversa com Mayl, MegaMan comenta: "Ela quer dizer que tem muita coisa para falar com você. Apenas escute..."

Lan e Mayl de namorico na porta da casa do protagonista | Reprodução: Capcom

Por fim, temos as dungeons dos vilões. Apesar de pessoalmente gostar da ideia da maioria delas, é horrível o quão exageradamente frustrante algumas podem ser. Mega Man Battle Network não conta com um mapa, então o mais comum é se perder muitas vezes.

Isso não é de todo ruim, mas é aí que o primeiro problema e mais notável problema surge: o jogo conta com uma quantidade enorme de encontros aleatórios, o que não é tão interessante em um título em que você não sobe de nível ao derrotar inimigos. Em certo ponto, as batalhas, por mais divertidas que sejam, podem ficar chatas quando apenas atrapalham o avanço em alguma área já difícil navegar por si só.

O grande destaque negativo neste primeiro game é a dungeon onde enfrentamos ElecMan, composta por um labirinto onde a maioria do caminho está invisível, além de contar com puzzles um pouco chatos de lidar e um sistema no qual a bateria de MegaMan é limitada, algo que só acontece durante essa missão. É, sinceramente, algo digno de se recomendar para a pessoa que você mais odeia. Eu particularmente também não gosto muito da sequência final do game, principalmente porque não é possível salvar a partir de certo ponto, algo que, embora considerado normal, é inserido em um local um tanto inoportuno, já que, além dos dois chefões, ainda há uma pequena área onde é necessário enfrentar mais inimigos aleatórios.

Falando de chefões, o jogo tem alguns destaques, apesar do grande desafio ainda viver em algumas batalhas contra inimigos comuns em áreas mais profundas. Além dos vilões principais, também há bosses adicionais que podem ser encontrados ao longo do jogo e batalhas secretas que só são liberadas após cumprir certas metas. Além dos secretos, aponto como destaque os embates contra ColorMan e MagicMan, além do desafio contra SkullMan, todos muito criativos e que dão uma sensação real de perigo.

imagem: MegaMan na usina de energia elétrica atacada por ElecMan

A usina de energia atacada por ElecMan, um dos piores lugares para se estar | Reprodução: Capcom

Mega Man Battle Network, como era de se esperar, conta com algumas novidades em sua nova versão. É possível conseguir o chip de Bass logo no início, algo que originalmente era exclusivo de eventos no Japão. E o melhor: ele é uma grande mão na roda, principalmente no início, quando os chips encontrados no geral são bem fracos.

Na parte visual, é possível aplicar um filtro que “apara as pontas” da versão em pixel art original, porém é totalmente opcional. Também dá para usar diferentes resoluções de tela, incluindo uma bem pequena, remetendo à versão original de Game Boy Advance. O trabalho para não estragar a parte visual é bem cuidadoso, então é possível jogar em resoluções maiores sem se preocupar com que a qualidade seja perdida.

Uma das grandes adições para o gameplay em si é a aplicação de um sistema chamado Buster MAX. Apesar de ser o mesmo termo utilizado originalmente em Battle Network 3, esse sistema é bem mais forte, permitindo que o jogador derrote a maioria dos inimigos com um só golpe. Isso é de fato uma opção que pode ajudar a lidar com problemas como o tempo gasto com a grande quantidade de batalhas aleatórias, contudo usar o Buster MAX tira a maior graça do jogo, que são exatamente as batalhas. Claro, se usada com moderação, pode ajudar bastante com coisas mais chatas como o farm de chips (essencial principalmente no pós-jogo), mas fora disso não é recomendável.

No aspecto de facilitadores, fez falta uma melhor opção para os jogadores, como alguma adição em que fosse possível controlar melhor a quantidade de encontros de aleatórios. Isso seria algo que tornaria as coisas mais convenientes sem ser exageradamente forte. Claro, o Buster MAX ainda é útil em casos como os supracitados, mas poderiam haver mais opções além dele para que o jogador tivesse mais liberdade de customização para a aventura.

A outra grande adição foi a chegada de um modo online onde é possível batalhar e trocar chips com outros jogadores. Isso é algo que estava presente na versão original, porém era feito apenas via cabo e de forma bem limitada. Na versão da coletânea, o modo online alcança pessoas de todo o mundo, sendo possível participar são só batalhas casuais, mas também ranqueadas, que por si só podem ser customizadas se haverá ou não aposta de chips.

imagem: personagem idoso, ao conversar com Lan, fala "Automóveis? Se livre de todos!"

Idoso ranzinza para ilustrar as reclamações | Reprodução: Capcom

O modo online, no entanto, também sofre com alguns problemas. Por ser um coletânea com seis jogos (dez se contarmos versões alternativas de um mesmo título), os jogadores online parecem estar meio espalhados. Ao menos no primeiro game, foi bem difícil encontrar partidas, sejam casuais ou ranqueadas. Para piorar, a coletânea não conta com opção de crossplay, então é possível jogar apenas com quem tem o game na mesma plataforma, o que dificulta ainda mais encontrar batalhas já que a coleção está disponível para PlayStation 5, PlayStation 4, Switch e PC. Claro, isso atrapalha também os planos de jogar com algum amigo que tenha comprado as coletâneas para uma plataforma diferente.

Imagino que, por ser a versão “definitiva”, os jogos de Mega Man Battle Network 6 devem ser onde a maior parte da comunidade online se encontrará, porém, pessoalmente, não recomendo partir direto para esses títulos caso queira acompanhar a história, que é contínua desde o primeiro jogo. Felizmente, essa opção é válida para veteranos da franquia, por mais que ainda hajam as limitações citadas acima.

Sobre opções mais gerais da coletânea, ela conta com uma grande galeria de imagens e músicas da série. Além disso, cada parte da coletânea — dividida em duas, com três jogos cada — conta com uma série de troféus. Não sei apontar se isso é algo exclusivo da versão para Switch — já que o console não conta com um sistema de conquistas nativo — ou é uma novidade geral.

Por fim, imagino que está óbvio, mas é importante relembrar que as opções de Buster MAX, alterações visuais e de resolução também são válidas para toda a Legacy Collection.

imagem: galeria de ilustrações presente na primeira coletânea de Mega Man Battle Network

Pequena parte da extensa galeria de imagens de Mega Man Battle Network Legacy Collection | Reprodução: Capcom

Mega Man Battle Network continua até hoje sendo uma série muito importante para os RPGs. Mesmo sendo apenas uma parte de uma franquia enorme como Mega Man, os títulos trazem uma jogabilidade muito inovadora que é aclamada até hoje.

O primeiro jogo, apesar de seus problemas, ainda é uma experiência incrível que merece ser visitada e revisitada, principalmente por quem adora o aspecto colecionista que ele aborda. Além disso, o roteiro simples também guarda algumas surpresas, principalmente sobre qual é a relação que permite que Lan e MegaMan sejam tão fortes.

Posteriormente, pretendo continuar jogando a coletânea, então mais textos sobre a série devem surgir por aqui ao decorrer disso. Por enquanto, fica apenas esse gostinho de tudo que Mega Man Battle Network tem a oferecer.


Mega Man Battle Network Legacy Collection já está disponível para PlayStation 4, PlayStation 5, Nintendo Switch e PC. O JBox recebeu gratuitamente uma cópia para Switch pela assessoria de imprensa da Capcom para a produção desta resenha.


O texto presente nesta resenha é de responsabilidade de seu autor e não reflete necessariamente a opinião do site JBox.