Lá em 2021, quando foi anunciado que um animê inspirado em Trails of Cold Steel seria lançado, fiquei muito empolgado como fã da série, mesmo tendo plena noção que os resultados poderiam ser os piores possíveis. Seria uma história de uma área importante nos jogos que nunca foi tão abordada, então claro que chamava a atenção.
Uma adaptação direta da história era obviamente impossível pelo quão massiva ela é, então algo original era a melhor ideia. Infelizmente, mesmo não sendo uma tragédia completa, o animê decepcionou. O triste é: uma tragédia completa teria sido melhor que alimentar esperanças.
Trails of Cold Steel originalmente é parte da série The Legend of Heroes: Trails, uma extensa franquia de RPGs que eu amo de coração. Cold Steel é a terceira saga da história iniciada em 2004, em andamento até hoje. Eu já produzi um artigo sobre a franquia aqui no JBox, então caso queira entrar em detalhes sobre ela como um todo, é só conferir.
Inclusive, um aviso: abaixo teremos alguns spoilers dos jogos — eles são meio inevitáveis para contextualizar o animê, já que a série cobre a história de um ponto bastante avançado do roteiro.
Trails of Cold Steel originalmente traz a história de Rean Schwarzer, que, no ponto em que o animê se passa (entre Cold Steel II e Cold Steel III), está sendo tratado como um herói na nação de Erebonia, a maior do continente de Zemuria, onde se passam os jogos. No entanto, para Lavian Winslet, protagonista do animê Trails of Cold Steel – Northern War, Rean é um grande vilão, sendo uma enorme ameaça para sua terra natal, a Ambria do Norte.
Lavian é uma Corsária do Norte (os Jaegers nos jogos) que, depois de ter seu potencial reconhecido por Rogan Mugart, um dos líderes do grupo, é enviada em uma missão de reconhecimento em Erebonia acompanhada de Talion Drake, Iseria Frost e Martin S. Robinson. A missão é investigar mais sobre Rean Schwarzer, o Herói Imperial que está ajudando Erebonia a anexar territórios independentes e países à força.
O objetivo, supostamente, seria procurar medidas de proteger Ambria do Norte, que poderia se tornar o próximo alvo da anexação do Império, algo que fica ainda mais claro depois que Crossbell cai pelas mãos de Erebonia. Lavian e seu grupo precisam descobrir mais sobre Rean para que possam se preparar para um eventual confronto.
O país de origem de Lavian é o menos desenvolvido de Zemuria, sem falar que depende do poder dos Corsários do Norte para operar desde sua independência. O lugar é bastante frágil economicamente e geograficamente, principalmente por ter passado pelo desastre do Pilar de Sal, evento no qual uma extensa área de Ambria do Norte virou sal (incluindo seres vivos). Esses aspectos tornam o local muito instável politicamente, abrindo mais motivos para que Erebonia negocie uma anexação — algo, que, no fim das contas, é apenas uma fachada, já que os planos sempre visam usar a força antes de tudo.
Deixando um pouco de lado os panos de fundo e voltando para a missão de Lavian: os episódios iniciais da série são bem… pacíficos. Apesar de acontecerem, sim, situações de risco, o animê, durante a maior parte de sua primeira metade, se dedica a mostrar para Lavian e o restante do grupo o quão bem muitas pessoas vivem Erebonia. E são justamente nesses episódios não ligados diretamente ao conflito que a série brilha.
O que acompanhamos durante o início é basicamente o grupo de Ambria do Norte, principalmente Lavi, descobrindo o que é ter paz. Como a protagonista desde muito nova treina para ser uma corsária, sua vida sempre foi cercada pela guerra, já que o grupo tem como atuação principal o trabalho mercenário. Experimentar essas novas emoções é o que faz Lavi crescer na história e se mostrar bastante interessante.. é aqui que ela conhece um pouco mais sobre a importância dos momentos de paz e de contar com o apoio dos outros, algo que a influencia em uma decisão importante mais para o final do animê.
Vi muita gente olhar torto para a série desde esse início, porém acho que foi algo essencial e até mesmo condizente com a franquia de jogos como um todo. O roteiro de Trails sempre deu bastante importância para o conceito de “ajudar o próximo” desde seu primeiro jogo, então ver um grupo de mercenários auxiliando, por exemplo, a descongelar uma fonte termal é algo que refresca a alma e relembra dos momentos de calmaria que existem, principalmente, no início de Trails in the Sky. E, como foi tudo muito bem feitinho, não concordo tanto com as críticas ao início da série.
No entanto, claro que a calmaria eventualmente terminaria e o ponto de virada não poderia ser diferente: ele acontece quando Lavian conhece Rean. Ainda sem saber quem ele é, ela passa algumas horas com ele perdida após um acidente de trem, fazendo coisas como derrotar monstros e até mesmo pescar. Durante o período, os dois até criam certa amizade, que acaba sendo estilhaçada quando ela descobre que ele é a potencial ameaça à Ambria do Norte.
Depois da revelação, as coisas começam a mudar. Rean, que está trabalhando com o serviço de inteligência de Erebonia, já tem informações sobre o grupo de corsários e, o encontro com eles, faz com que as coisas andem. O grupo rapidamente é confrontado por Lechter Arundel, uma das pessoas que trabalham para a inteligência de Erebonia a mando de Giliath Osborne, chanceler que é o mandante dos planos de anexação. Aqui, os personagens do jogo começam a permear mais a história, havendo um confronto direto entre os dois grupos — que resulta na captura de Martin.
Sobre Martin, existe uma conexão interessante com a história dos jogos envolvendo o personagem. Durante o embate com Lechter, é revelado que ele foi um dos responsáveis pelo ataque à Celdic, uma cidade que foi incendiada pelos Corsários do Norte a mando da nobreza durante Trails of Cold Steel II. O surgimento dessa informação também é importante para o animê, pois é a partir dela que Erebonia começa a guiar seus motivos para invadir Ambria do Norte e também faz com o que resto do grupo questione Martin sobre o ataque.
Até aqui, a história ainda estava interessante e gerando um bom prospecto para as intrigas que levariam ao grande conflito que dá nome ao animê, porém as coisas começam a decair quando os personagens principais retornam para Ambria do Norte.
Durante toda a série, existem pitadas aqui e ali de que a Ambria do Norte está se envolvendo com a Ouroboros, organização que serve como a maior antagonista de Trails, em busca de armamento para enfrentar Erebonia. No entanto, as motivações entre os grandes nomes dos Corsários do Norte estão longe de ser alinhadas, já que há atrito no grupo devido a um acontecimento passado: a morte do Coronel Valestein e a possível relação de Vlad Winslet, avô de Lavian, com isso.
Essas relações fizeram com que houvesse uma divisão dentro do grupo de mercenários, dividido entre aqueles que apoiam Rogan Mugart, a imagem de “renovação”, e os que estão do lado de Glark Grommash, um dos heróis do passado ao lado de Valestein e Winslet. Além dos dois, o outro grande nome dentro do grupo é Jayna Storm, que adere a uma posição aparentemente neutra, mas está claro que as motivações dela vão muito além, principalmente porque as negociações com a Ouroboros sempre passam pelas mãos dela.
Apesar dessa situação interna ter o potencial de ser interessante, é ela que acaba dando fim ao potencial que o animê estava tendo anteriormente. Quando o roteiro se adentra dentro dessas relações, tudo começa a desmoronar porque nada é exatamente desenvolvido como o esperado.
A temática principal do animê, que gira em torno de heróis, começa a surgir, com várias frentes dentro dos Corsários do Norte tentando usar o título de Lavian de neta de um grande herói como artifício para inspirar a guerra, só que as motivações de cada fronte são muito mal executadas porque não há tempo hábil para desenvolver nada dentro da enxurrada de coisas que o animê arremessa a cada episódio da segunda metade.
Com tanta coisa acontecendo, ficava cada vez mais difícil acreditar que o animê trataria, de fato, da… Guerra do Norte. Apesar dela chegar a começar, o foco acaba sendo o conflito interno entre facções, que, infelizmente, não foi interessante o bastante para manter algum entretenimento. No final da história, o animê parecia tão perdido que começou a empurrar a aparição rápida de vários e vários personagens dos jogos, mas com nenhum deles tendo uma participação que se tornasse minimamente importante.
Nem mesmo Rean Schwarzer, levantado como peça-chave para o roteiro, chega a ser alguém que importe em meio a toda aquela situação. E mesmo assim o animê tenta empurrar um embate nada natural com o personagem literalmente no último episódio, empurrando várias cenas que só aconteceram para que ele brilhasse de alguma forma.
Se a série fosse esse descarrilhamento de coisas desde o início, eu só aceitaria. Se Lavian não tivesse um desenvolvimento tão interessante, eu só aceitaria. Se o animê não tivesse indicado uma chance de usar bem os personagens dos jogos, eu só aceitaria. Mas houve uma tentativa de algo e isso torna tudo muito mais frustrante porque todas as tentativas, no fim das contas, foram desperdiçadas, mesmo que o desenvolvimento inicial de Lavi tenha feito sentido até o final da produção.
O triste é apenas ela ter se “sucedido” em meio a toda a situação. Até mesmo Talion acaba sendo usado de forma completamente sem nexo dentro dos conflitos internos dos Corsários do Norte, algo que poderia muito bem ter sido guiado por algum personagem que, de fato, fosse uma “ameaça” para a protagonista.
Caso você seja fã da franquia e esteja buscando uma adição interessante para a história, Trails of Cold Steel — Northern War não é para você, porém se você aceitar que será algo mais fraco e quiser realmente só curtir um pouco mais deste mundo sem muito compromisso, é ok. Apesar da maioria das aparições serem forçadas, é interessante ver alguns personagens da franquia no animê.
A relação criada entre Martin e Lechter é particularmente interessante e a cena em que vemos Rean só bater um papo com Machias e Elliot é bem bonitinha e acaba tendo conexão com o epílogo de Trails of Cold Steel II. Também achei um ótimo gesto fazer com que Lavian seja a pessoa que sugeriu para Rean que ele seria um bom professor, a profissão que ele assume a partir de Trails of Cold Steel III.
Bem… são coisas boas a se lembrar para acalentar um pouco a amargura com o que poderia ser, mas infelizmente também são lembretes de que o animê não conseguiu ser o que tanto prometia.
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The Legend of Heroes: Trails of Cold Steel — Northern War está disponível completo na Crunchyroll com opção de legendas em português. A plataforma fornece um acesso ao JBox.
O texto presente neste artigo é de responsabilidade de seu autor e não reflete necessariamente a opinião do site JBox.
Desde o anúncio do anime fiquei animado com as possibilidades de poderia ser apresentado, porém imaginando que produção não seria lá essas coisas. O problema é que ela foi muito abaixo do que eu esperava.
O fato do incio do anime eles explorarem a parte de construção dos personagens fazendo as “sides Quest” pelo império é legal porém logo pensei, o anime só vai ter 12 episódio não dá pra ficar enrolando muito nisso, o plot da guerra em si deveria ser mais importante, então deu no que deu com anime jogando informações e mostrando personagens sem nenhuma explicação de quem são ou o que estão fazendo, claro se você conhece a série você sabe muito bem quem são eles, mas se colocando na pele de um leigo sobre a franquia fica algo muito confuso e desinteresse. Se anime fosse produzido com 24 episódios daria pra ter feito algo bem melhor com as coisas bem explicadas.
Em si o anime me passou a grande impressão de ser somente um grande fã service mostrando personagens sem nexo algum de forma totalmente gratuita. Sim eu gosto de fã service e fica feliz em aponta cada personagem que aparecia, porém no fim me deixou com um gosto amargo de não agregou em nada a franquia e era melhor imaginar a guerra na minha cabeça mesmo. Espero que pelo menos a Falcom use Lavian em algum jogo futuro.
Excelente análise, Parabéns!
Obrigado!
Realmente acho que uma quantidade maior de episódios ajudaria bastante na construção da série, mas infelizmente não foi o caso.
O jeito é se contentar com os jogos mesmo (e torcer pra alguma pontinha da Lavian fora do jogo mobile).