Assistir a filmes, ou séries, a qualquer hora no conforto de suas casas, era uma experiência que o mundo havia comprado na segunda metade dos anos 1980. Já reparou como criança AMA rever dezenas de vezes o mesmo episódio de seu desenho favorito? Se você foi criança nos anos 1980, 90 ou mesmo nos anos 2000, quantas vezes você não assistiu a um filme Disney, ou algum animê, no seu videocassete ou DVD Player? 

Por razões que não cabem no momento discutir ou explicar, uma boa parcela dessas crianças, quando se torna adulta, desenvolve um fascínio por ter em seu poder o registro de algo que lhes desperta bons sentimentos e memórias.

Esse gatilho para o colecionismo, pode se manifestar sob vários aspectos e, no universo da cultura pop, temos muitos signos materializados em produtos que vão de um simples cromo ilustrado (vulgo figurinha) a uma estatueta de resina rica em detalhes, que pode custar vários salários mínimos. Há também o interesse em se armazenar as mídias adoradas em “cartuchos” para que, tal como na infância, possamos revisitar quantas vezes tivermos vontade — ainda que isso não ocorra tanto quanto talvez devesse no fim das contas.

Para preencher esse desejo de armazenar mídias audiovisuais, surgiu um produto na década de 1970 que será o foco da edição desta coluna: a fita de vídeo. Por conta desse item, nasceu a cultura do “home video” e, nesse mercado, tivemos muito material do universo pop japonês lançado (e muito mal trabalhado) em nosso país. Mas antes de falar dos fatos, vamos a…

 

propaganda do primeiro modelo de video cassete da marca sharp

Anúncio da chega do videocassete no Brasil | Imagem: Scan por Propagandas Históricas


…um pouco de história  

Se você tem a impressão de que no Brasil as novidades da tecnologia sempre chegam com certo “atraso” ou, em um primeiro momento, apenas para pessoas abastadas financeiramente, você não está enganado. Lá nos distantes anos 1970, a novidade da vez na indústria de eletrônicos atendia pelo nome de videocassete, que já disputava atenção nos EUA há um tempo. Os primeiros aparelhos chegaram ao Brasil nas malas de quem tinha condições de ir ao exterior e trazer um desses brinquedos, mesmo sem qualquer tipo de material disponível no mercado para usá-lo.

foto do Gaba

Adelino “Gaba” dos Santos | Foto: Cinemagia: a história das videolocadoras de São Paulo

Os entusiastas do formato, encabeçados pelo lendário Adelino dos Santos Abreu (o Gaba), fundaram os primeiros videoclubes no Brasil, numa época anterior às videolocadoras. Os participantes trocavam fitas (que podiam ser no formato VHS ou Betamax) entre si, refletindo um comportamento cultural de nossa sociedade: a paixão pela televisão. Pesquisas de mercado na época apontavam que o povo tinha na TV uma de suas principais fontes de lazer entre o fim dos anos 1970 e começo dos anos 80.

A lentidão da indústria em atender um potencial mercado de consumo (sempre assim, né?) fez com que apenas a partir de 1982 os aparelhos começassem a ser comercializados no país, pela Sharp S/A. Para vocês terem noção do quanto demorou pra chegada oficial dos videocassetes no Brasil, estima-se que o país já contabilizava de 70 a 200 mil aparelhos — todos importados legal ou ilegalmente. 

Com os equipamentos oficialmente comercializados no Brasil, começou a movimentação das produtoras internacionais para entrar nesse cenário. O começo da relação não poderia ser pior: os videoclubes foram surpreendidos pela Polícia Federal por conta da violação de direitos autorais. Reuniões, associações e muitas discussões foram realizadas até a instauração da chamada “fita selada” em idos de 1983. Essas fitas possuíam um selo da Embrafilmes, uma estatal do Ministério da Cultura, atestando a originalidade e os devidos tributos pagos.

Com essa inevitável maturidade do mercado, as videolocadoras foram ganhando seu espaço e formato de negócio dos sonhos para todo amante da 7ª arte ou aficionado por séries. Paralelo a isso, alguns jovens empresários optaram pelo papel de fornecedores de conteúdo, representando estúdios e produtoras. Dois deles você devem conhecer bem: Toshihiko Egashira e Nelson Akira Sato.

 

A era das distribuidoras

logotipos das empresas everest video do brasil e brazil home video

As vinhetas das empresas do Sr. Toshi e do Sr. Sato nos anos 1980 | Imagem: Reprodução

Como dito anteriormente, a chegada do videocassete legalmente ao Brasil e a instauração da “fita selada” fez com que fossem desencadeadas operações para coibir a existência dos videoclubes clandestinos. Isso forçou a legalização de vários deles que passaram a ser videolocadoras, apenas com fitas legalizadas, ou distribuidoras, que compravam filmes e forneciam os materiais para os catálogos desses modelos de negócio. Nesse cenário, a dupla “Toshi” e “Sato” se lançou com suas respectivas empresas no mercado a partir do ano de 1986.

Descendentes de japoneses, ambos mantinham locadoras que refletiam o cenário da comunidade nipônica de São Paulo. Suas lojinhas seguiam o esquema semelhante ao dos videoclubes, mas com foco nos nikkeis, com alguns materiais gravados da TV japonesa (e sem qualquer tradução). Eis que a mesma fiscalização que atingiu as demais locadoras também chegou até eles. Em 6 de fevereiro de 1986, foi a Golden Fox (no bairro da Liberdade), de Egashira, que sofreu com a apreensão da polícia (confira a matéria reproduzida abaixo). Segundo relatos de Toshi e Sato, eventos como esse despertaram a corrida para que os dois se “legalizassem” ainda naquele ano de 1986.

Imagem: reprodução de matéria da folha sobre apreensão de fitas

Matéria da Folha Ilustrada em 7 de fevereiro de 1986. | Imagem: Reprodução/Acervo Folha

A Everest Vídeo do Brasil (posteriormente Tikara Filmes), registrada em 12 de março de 1986 pelo senhor Toshi, e a Brazil Home Vídeo (posteriormente Sato Company), registrada em 23 de julho do mesmo ano* pelo senhor Sato, foram as primeiras distribuidoras a lançar animês no Brasil em VHS (e também em Betamax, outro formato de fita que rapidamente foi sendo abandonado do mercado). Com o contato óbvio dos dois com a comunidade japonesa, eles entendiam um pouco mais sobre o assunto que as outras distribuidoras do mercado e, em entrevistas cedidas aqui mesmo e em outros veículos, ambos declararam terem ido pessoalmente ao Japão comprar seus materiais.

*Nota: Existe outro registro para a Brazil Home Video feito por Nelson Sato em 1985, porém com sede em Guarulhos ao invés da capital paulista. Pelo que consta, esse primeiro registro, apesar do nome, não tinha foco na distribuição de filmes.

Segundo pesquisas em jornais da época, no último trimestre de 1986, a primeira fita de Comando Dolbuck (Tokusou Kihei Dorvack) já estava disponível para aluguel — junto com Jaspion, aliás. Por conta do sucesso de Transformers — que estreou em julho de 1986 na Globo — o time de vendas da Everest conseguia “empurrar” mais facilmente Dolbuck para os donos de videolocadoras enquanto, ironicamente, Jaspion era algo um tanto incompreendido na época. Mas apesar do começo otimista, as vendas dos volumes seguintes de Dolbuck foram diminuindo ao ponto de ser desinteressante (e caro) lançar a série completa por aqui. Na prática, um dos maiores tormentos para os futuros colecionadores surgia: o cancelamento de séries em home vídeo por conta das baixas vendas do material.

pg de revista com anuncio do lançamento de comando dolbuck e jaspion pela Everest nos anos 80

Anúncio do lançamento de Comando Dolbuck e O Fantástico Jaspion. | Imagem: Reprodução/Montagem por Matheus Mossmann

Tudo bem que nessa época o consumidor final ainda não era o público alvo dos lançamentos, mas a prática comercial contribuiria para a extinção da possibilidade de um mercado forte para o nicho dos animês em home vídeo no Brasil. 

Dando sequência aos lançamentos da Everest, em 1987 a empresa lançou as primeiras fitas da série Sonhos Molhados (Cream Lemon). Por se tratar de um desenho “expressamente proibido para menores de 18 anos” (as capas traziam esse aviso!), a distribuidora conseguia “convencer” os clientes com alguma facilidade. E por incrível que pareça, toda a coletânea de 16 episódios produzidos da primeira série do pioneiro animê hentai foi lançada em 7 fitas VHS.

Talvez seja oportuno comentar que a indústria pornográfica possui uma particular contribuição no sucesso comercial do videocassete no mercado mundial. O interesse do público em adquirir produções relacionadas para assistir no conforto de sua casa foi um dos gatilhos para o absurdo número de produções baratas em diversos países na década de 1980. O sucesso das fitas de Sonhos Molhados (que nome ótimo; admitam!) meio que consegue ser compreendido se a gente toma essa pitoresca curiosidade como fato.

capa de fitas vhs everest (sonhos molhados, turma do barulho e Leda)

1º Volume de “Sonhos Molhados” e capas brasileiras de Urusei Yatsura e Leda | Imagem: Reprodução

Inclusive eu desconfio que Turma do Barulho (Urusei Yatsura) tenha vindo no mesmo ano e que foi vítima de uma “estratégia” um tanto apelativa. Um desavisado que comprou uma fita de Sonhos Molhados, e que observou uma boa saída/locação, facilmente compraria a fita com os 2 episódios do primeiro grande sucesso da autora de InuYasha (Rumiko Takahashi) graças a sua capa, digamos, provocante. Só que apesar do visual assanhado da Lum (que virou Lamu na dublagem), o animê é mais comédia que qualquer outra coisa. Vale lembrar que Urusei no Japão já era um grande sucesso na época, mas as baixas vendas fizeram a chance do animê dar certo por aqui morrer completamente.

Logo em seguida também tivemos o OVA de Vampire Hunter D (famosa série de romances japoneses que contou com ilustrações de Yoshitaka Amano, que se sagraria como o ilustrador da série de games Final Fantasy pouco tempo depois). Por volta de 1989, Toshi aposta em mais um filme com uma “pegada sensual” na capa. Estou falando do VHS Leda (Genmu Senki Leda), um dos primeiros animes isekai da história. No mesmo ano, Goshogun (Sengoku Majin Goshōgun: Toki no Étranger) é lançado, mas por se tratar do filme de uma série animada inédita, a história provavelmente não fazia muito sentido para quem alugava a fita.

Com a estreia de Jaspion e Changeman na TV Manchete, o senhor Toshi focou suas energias para administrar a marca dos heróis tokusatsu e no licenciamento de produtos conforme apontamos na primeira edição desta coluna. Com isso, os lançamentos de animê em VHS da empresa cessaram.

Na mesma época do surgimento da Everest Vídeo (e provavelmente antes até, já que não sabemos precisamente a data de lançamento de Dolbuck e Jaspion), o senhor Nelson Sato iniciou as atividades da Brazil Home Video. Entre o lançamento de fitas com filmes “normais”, as produções orientais também tiveram seu espaço e algum destaque no catálogo da empresa. As suas primeiras produções de animê tiveram um evento de lançamento em setembro de 1986, com Capitão Harlock e a Nave Arcadia (Waga Seishun no Arcadia) — obra de Leiji Matsumoto, mesmo autor de Patrulha Estelar, série que fez sucesso na Rede Manchete entre 1983 e 1985; Baldios: Os Guerreiros do Espaço (Uchuu Senshi Baldios), que na verdade é o epílogo de uma série inédita; e o longa coreano Dos Apeninos até os Andes (Eomma Chaja Sammalli), baseado no mesmo livro de Edmundo De Amicis que inspirou a série de animê Marco, exibida pelo SBT no começo dos anos 1980. Decidido a fazer seu negócio dar certo, o sr. Sato chegou a veicular comerciais (narrados por ele mesmo) em intervalos de programas como o Xou da Xuxa.

Animes em VHS da Brazil Home Vídeo - Baldios, Capitão Harlock, Fábulas de Ésopo e Doze Meses

Alguns lançamentos de animê em VHS da Brazil Home Vídeo | Imagem: Reprodução

No ano seguinte, 1987, o clássico robôzão Voltus Five (Choudenji Machine Voltes V) foi lançado no Brasil sob um curioso formato de filme, juntando alguns episódios da série. Esse formato estranho foi editado pela própria Toei Animation junto a Uniprom Films e comercializado internacionalmente. Posteriormente, já sob o selo Sato Company nos anos 1990, foram lançadas 2 fitas com episódios, mas rebatizando o animê como Voltes Cinco. Fábulas de Ésopo (Manga Aesop Monogatari) também chegou em 1987 e foi relançado nos anos 90 como As Aventuras Aventuras de um Menino Travesso.

Em 1988 a empresa lançou o longa-metragem Doze Meses (Sekai Meisaku Dōwa: Mori wa Ikiteiru), que depois foi relançado como Ana e o Anel Mágico. Apesar de não termos uma precisão dos dados, o longa Macross: A Batalha Final (The Super Dimension Fortress Macross: Do You Remember Love?) teria sido lançado entre 1988 e 1989 no Brasil. Curiosamente, em idos de 1987 tanto a série original de Macross quanto a sua a versão “transgênica”, Robotech, foram lançadas em nosso país. O registro mais antigo que temos da primeira foi uma exibição pela TV Nacional de Brasília (que era retransmissora da Band, na época) com o nome de Guerra das Galáxias e a segunda chegou primeiramente em 4 fitas VHS pela distribuidora TransVídeo — com apoio da SBT Vídeo. Ainda em 1989, a Globo transmitiu um “filme” editado com os primeiros episódios sob o nome de Codename: Robotech como uma espécie de pré-estreia para o lançamento da série regular em janeiro de 1990.

Por volta de 1990, todos esses animês lançados em VHS pela Brazil Home Video foram parar nos programas infantis da Rede Manchete (o Cometa Alegria e o Clube da Criança), desmembrados como se fossem produções episódicas em meio às várias produções tokusatsu que o canal levava ao ar na época.  


Os animês perdidos no fim dos anos 1980

Como vocês conseguiram notar, não é um trabalho tão árduo catalogar os lançamentos da Everest Vídeo e da Brazil Home Vídeo. Estas empresas organizaram eventos de lançamento e veicularam propagandas em materiais especializados para as videolocadoras na época. Todavia para identificar outras produções japonesas lançadas no mesmo período por “concorrentes”, é preciso ter bastante dedicação e ajuda.

Capas de Voltron e Voltus V

Qual das fitas com robôzão gigante você alugaria? | Imagem: Reprodução

Em meio a muitas tranqueiras cinematográficas de outras distribuidoras, não era incomum encontrar alguns desenhos animados. Só que o que torna mais difícil sua identificação como um animê é a total descaracterização das artes de várias produções.

Na cabeça de alguns responsáveis dos bastidores desse mercado, alguns pontos foram grandes diferenciais para a competição entre as fitas seladas e as fitas piratas no fim dos anos 1980. Para Steve Murphy, ex-gerente da distribuidora CIC Video (que representava a Paramount e a Universal Studios no Brasil), trazer artes nítidas para as capas era um grande diferencial.

E como apreciamos a arte de uma capa bonita e, sobretudo, adequada ao conteúdo, né? Como designer formado, acredito que esse é o mínimo que as empresas deveriam se preocupar em entregar e, nesse sentido, apenas grandes e médias distribuidoras — como as próprias Everest e a Brazil Home Vídeo — pareciam se importar com isso. Um número considerável de distribuidoras fazia “qualquer coisa” e esperava lucro fácil com as vendas das fitas seladas.

“Pô, mas os japoneses não enviavam imagens boas para produzir as capas?” — você pode se perguntar.

Aparentemente, os direitos desses desenhos eram adquiridos por meio de “atravessadores” europeus ou americanos e, dessa forma, não havia muita caracterização desse material como animês — apesar do indicativo das produtoras japonesas no verso de algumas capas. 

Um bom exemplo para o “drama” que mencionei está no lançamento de Kujira no Josephina, que por aqui foi chamado de A Baleia Encantada. Originalmente uma produção para TV com 23 episódios, a série teve aparentemente duas fitas lançadas entre 1988 e 1989: Adeus Josefina e As Novas Aventuras de Josefina. Só que é praticamente impossível bater o olho nas “artes” e identificar que se tratam de uma animação japonesa. 

capas de fitas de Josefina a baleia encantada

Você diria que isso é um animê vendo essas capas? | Imagem: Reprodução

Menos azar tiveram os animês da Tevelândia, uma subsidiária da distribuidora Dado Group, criada em 1984. Essa empresa meio que se especializou em lançar fitas de filmes italianos (como os da famosa atriz pornô Cicciolina) e, dessa forma, não é absurdo acreditar que seus “desenhos” tenham chegado por aqui via terra da Monalisa.

A partir de 1988, surgiram no mercado fitas com 2 episódios em cada uma do animê Arbegas (Kosoku Denjin Albegas). É possível encontrar 3 fitas da série, mas o volume 3 foi lançado no começo dos anos 1990 por outra distribuidora — que desconfio ser a mesma empresa, mas com outro nome fantasia — e uma dublagem pavorosa. Outro detalhe é que parecia existir apenas uma arte para fazer a capa desse título, com os “designers” se virando pra aproveitar o troço como dava. Arbegas originalmente é uma série de TV com 45 episódios e foi ao ar na Itália em diversos canais na década de 80.

anuncios tevelandia: zoo story e as mais famosas fabulas do mundo

Anúncios da Tevelandia que vinham no verso de filmes | Imagem: Reprodução

No mesmo ano, 2 fitas compilando 10 filmes mutilados de uma série da Toei chamada Sekai Meisaku Dowa foram lançadas, sob o título de As Mais Famosas Fábulas do Mundo. Os filmes em questão são: A Bela Adormecida, O Mágico de Oz, A Margaridinha, João e Maria e A Banda Musical de Blumen no volume 1; e O Rei Nú, Rei Midas, Cisnes Selvagens, A Menina dos Fósforos e Aladin e a Lâmpada Maravilhosa no volume 2. A exemplo do volume 3 de Arbegas, outras duas fitas dessa “coleção” foram lançadas pela distribuidora Max Vídeo (outro nome fantasia da empresa?) alguns anos depois. Essas 4 fitas são exatamente a mesma montagem lançada no mercado italiano, reforçando a hipótese de todo esse material ter vindo de lá via Dado Group.

Fechando o ano de 1988, chegam pela mesma Tevelândia os filmes: O Túmulo de Drácula (Yami no Teiou – Kyūketsuki Dracula), fruto de uma parceria da Toei com a Marvel e que tinha a trilha sonora de Seiji Yokoyama, o mesmo que trabalhou em Os Cavaleiros do Zodíaco; Frankenstein (Kyoufu Densetsu Kaiki! Frankenstein), mais uma parceria entre Marvel e Toei; e Zoo Story: Uma Aventura no Zoológico (Zou no Inai Doubutsuen, 1982), relançado posteriormente como Aventura no Zoológico por outra distribuidora — que pode se tratar da mesma empresa com outro nome fantasia, inclusive.

Muito antes de nos familiarizarmos com os animês do estilo “garotas mágicas”, duas pequenas pérolas do tipo foram lançadas por aqui em VHS: Gigi e a Fonte da Juventude (Magical Princess Minky Momo) e Bia, A Pequena Feiticeira (Majokko Megu-chan). Enquanto o primeiro lançamento, em 1987 pela Zircon Filmes, se tratava de um OVA que continuava uma série de sucesso — inédita por aqui, obviamente –, o segundo (via Phoenix Vídeo, em 1988) apresentava alguns episódios de uma série de TV de 1974, da Toei Animation, que teve um total de 72 capítulos. Como curiosidade, um dos nomes na produção de “Bia” era ninguém menos que Shingo Araki (principal designer de Os Cavaleiros do Zodíaco), atuando na direção.

Na linha de séries de TV que nunca passaram no Brasil e que tiveram apenas algumas fitas com os primeiros episódios lançados, também tivemos:

propaganda anuncios hot video com pequeno principe e Iroman 28

Anúncio de lançamentos da Hot Vídeo. E sim, ela virou distribuidora de filmes pornô nos anos 90. | Imagem: Reprodução

  • Iron Man 28 (New Tetsujin-28), que é um remake do clássico animê O Homem de Aço, e que teve 4 fitas lançadas pela Hot Vídeo — que também lançou duas fitas com episódios de O Pequeno Príncipe (Hoshi no Oujisama Puchi Puransu), aquele mesmo que foi ao ar por anos no SBT, mas redublado;
  • Voltron (edição americana de Beast King GoLion) que teve 8 fitas (!) lançadas a partir de 1987 pela Look Filmes e estranhamente nunca passou por nenhuma emissora de TV — prejudicando possivelmente a venda da coleção de brinquedos importada pela Glasslite e do álbum de figurinhas da Multieditora;
  • O Garoto Biônico (Video Senshi Lezarion), com uma mísera fita “formatada” sob aspecto de filme com os primeiros episódios pela já citada da Hot Vídeo, em 1987. A curiosidade aqui é que o crédito de criação do animê é atribuído a Saburo Yatsude, que é um pseudônimo para uma equipe de roteiristas da Toei desde da década de 1970. É dele(s) também a autoria de Voltus V, Go Lion/Voltron e o roteiro de várias produções tokusatsu exibidas por aqui. Quem for fã do gênero vai amar essa série, inclusive.

 

Pra fechar por hoje, vamos ao lançamento de uns animês com filmes clássicos que também se tornaram mídias perdidas da década de 1980:

  • Chamado Selvagem (Arano no Sakebi Koe: Howl, Buck) uma das muitas adaptações do conto de Jack London, que foi baseado no mangá de Kyuta Ishikawa, publicado pela editora Kodansha Comics). O filme foi lançado no Japão em 1981 com produção da Toei Animation e transmitido na Fuji TV. Por aqui, com uns cortes e outros, o filme coube em uma fita da distribuidora Office Vídeo e aparentemente chegou ao mercado em 1986 — e desconfia-se que esse possa ter sido o primeiro animê em VHS no Brasil inclusive (!), antecedendo por pouco a Everest e a Brazil Home Video;
  • Terror em Love City (Ai City), filme de ficção científica lançado em 1986, produzido pela Ashi Productions, MOVIC e Toei Animation, embalado com o típico pop japonês dos anos 1980. Seu lançamento (com uma capinha bem feia, alias) ocorreu em 1987 pela WR Filmes (do cineasta Wilson Rodrigues) e contou com dublagem da BKS. Entre os nomes do elenco, vários que se tornariam famosos pra gente anos mais tarde, como Cecília Lemes (Ai) e Ezio Ramos (K) fazendo os protagonistas;
  • Lupin III – O Ouro da Babilônia (Rupan sansei: Babiron no Ōgon Densetsu), lançado em 1987 pela mesma WR FIlmes e também dublado na BKS. Esse foi o primeiro filme do personagem Lupin III que chegou ao Brasil e o 3º lançado no Japão. Produzido em 1985 pela TMS, o longa consegue ser tecnicamente inferior aos anteriores — lançados no Brasil décadas mais tarde pela Focus Filmes em DVD. Ezio Ramos foi o intérprete do lendário Arsené Lupin nessa versão;
  • Panda e a Serpente Mágica (Hakujaden), simplesmente o primeiro longa-metragem animado em cores da história do Japão. Lançado em 1958 (!), pesquisadores apontam que esse também foi primeiro filme de animação japonesa exibido nos EUA — seguido de Alakazam (exibido em cinemas do Brasil nos anos 1960 e pela Rede Manchete em 1996) e O Menino Mágico (primeiro animê exibido nos cinemas brasileiros, em 1962). A produção foi lançada no Brasil pela pela Phoenix Home Video, em 1987, que provavelmente não tinha a mínima noção do seu valor histórico;
  • As Aventuras do Panda (Panda no Daiboken), filme de 1973 da Toei Animation que volta e meia passava na TV aberta. Seu lançamento em home-vídeo ficou a cargo da empresa TEC Home Video, em 1988;
capas de VHS: Chamado da natureza; as aventura de panda; Lupin III O Ouro da Babilonia; Lazerion

Alguns animês perdidos em VHS. Você já alugou algum deles? | Imagem: Reprodução

 

  • O Gato de Botas e a Volta ao Mundo em 80 Dias (Nagagutsu o Haita Neko 80 Nichikan Sekai Isshū), terceiro filme, lançado no Japão em 1976, com o personagem símbolo da Toei Animation — sim, aquele gato! Por aqui, chegou em 1988 pela pela VMW Video e com a voz de Orlando Vigiani com o herói Perô. Décadas depois, o ator se eternizou como o Ryu em Street Fighter II Victory;
  • Lensman (SF Shinseiki Lensman), filme que resume série de TV de mesmo nome, lançado em 1984 no Japão. Trazido em 1989 pela Zircon Filmes, essa fita teve um pitstop nos EUA, onde foi editada pela Harmony Gold — que ficou famosa pela “criação” de Robotech. O animê foi relançado anos mais tarde com o título de Poder Cristal pela Mundial Filmes (selo Mundo Mágico) com uma redublagem. Essa fita foi posteriormente ripada para DVD e relançada por diversas empresas nanicas nas pitorescas piscinas de DVD de grandes magazines. No mesmo ano de lançamento do VHS, a TV Cultura exibiu o animê como uma minissérie de 4 partes no programa Lanterna Mágica, que comemorava os 81 anos da imigração japonesa em nosso país. Nessa exibição, o animê foi chamado de Lensman: o Homem da Lente Mágica;
  • Triângulo de Cristal (Kindan no Mokushiroku Crystal Triangle) foi lançado em 1989 pela Top Tape. Esse OVA é uma produção de 1987 e, quando veio ao Brasil, chegou a receber uma crítica para o jornal O Estado (CE) e para Selmo Leisgold, o animê é uma versão nipônica de Indiana Jones, onde a história é uma paródia do herói de Spielberg e compensa o roteiro pouco atraente com ação e qualidade de animação. Anima?
  • SuperNova (Project A-ko) também veio em 1989 pela Top Tape. Apesar da arte da capa informar que o animê foi dublado, jamais encontramos esse áudio por aí — podendo ser, então, um erro gráfico do encarte. Puro suco da animação japonesa oitentista, esse filme de 1986 é uma espécie de paródia de animês de grande repercussão até aquele ano, como Gundam, Macross e Hokuto no Ken. Em um cenário futurista, robôs gigantes, estudantes colegiais superpoderosas e uma boa dose de ecchi são apresentados ao som de uma ótima trilha sonora. Inclusive foi daqui que saiu a música usada em trailers de fitas da distribuidora americana U.S Mangá, que virou um tema de abertura cantado na sessão U.S Mangá Corps do Brasil;
  • capa vhs poderes eroticos

    Uma das melhores capas de um VHS de animê nos anos 1980 | Imagem: Reprodução

    Poderes Eróticos (Yoju Toshi) se tornou um pequeno cult nos anos 1990 (quando foi descoberto nos EUA, já que o animê é de 1987) e leva assinatura de Yoshiaki Kawajiri na direção. O filme teve algum destaque na imprensa (novamente uma crítica do jornal O Estado) que salienta a ótima qualidade de animação, em detrimento ao roteiro. Kawajiri dirigiria anos depois o “cult” Ninja Scroll, conquistando ainda mais fama na Terra do Tio Sam. Tal como parece ter sido com Project A-Ko, a Top Tape lançou o filme apenas com legendas, mas até que a fita chegou rápido por aqui (já em 1988) e com uma das melhores capas dos anos 1980 pra um animê.

  • Cyborg 009 Contra o Monstro do Mar (Cyborg 009 Kaishuu Sensou) foi um filme de 1967 que mostra uma aventura fechada dos ciborgues criados por Shotaro Ishinomori, tendo sido produzido antes da série de TV (que passou em alguns canais no Brasil, ainda em preto e branco). Chegou por aqui com dublagem (e novamente Orlando Vigiani fazendo o protagonista, 009) pela TEC Home Video, em 1989.
  • 20 Mil Léguas Submarinas (Kaitei Sanman Mile) chegou pela America Vídeo também em 1989 e com um erro de tradução safado pra chamar atenção da molecada, que via o filme da Disney na Sessão da Tarde na época. A propósito: a ligação desse animê com o clássico literário de Julio Verne é muito perto do zero.

Por fim (por ora) vale mencionar que além do animê do Pequeno Príncipe da Hot Vídeo, Super Book — aquele animê bíblico — também teve todos os episódios lançados em VHS pela Poletel Vídeo a partir de 1988, com o total de 9 fitas.

Para quem quiser saber mais sobre a era das videolocadoras, recomendo de olhos fechados assistir ao documentário CineMagia: A História das Videolocadoras de São Paulo, disponível atualmente na Amazon Prime Video.

Na próxima edição, vamos para os anos 1990! E se você assistiu (ou tem) algum dos animês citados aqui, deixe seu registro nos comentários! Até lá =)

 

Colaboraram com as fontes para este artigo: Ivan Betarelli, Matheus Mossmann e Rafael Brito


📍 A partir desta edição, a coluna Back-End terá periodicidade mensal.

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Na área de desenvolvimento de sistemas, chamamos de Back-End todos os processos que transcorrem por trás de uma aplicação. A partir desse conceito, tive a ideia dessa coluna para compartilhar não só um ponto de vista, mas também um pouco sobre o que aconteceu e acontece nos bastidores da cultura pop japonesa no Brasil.


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