Há um bom tempo, quando comecei a ler Oshi no Ko, instantaneamente pensei que a ocasional adaptação para animê seria de extremo sucesso, algo que obviamente se concretizou.
Mesmo com a falta de lançamento oficial no Brasil, que hoje em dia é cada vez mais importante para o sucesso de alguma série, o título ainda conseguiu ser um dos mais populares da temporada entre o público daqui, lado a lado com Kimetsu no Yaiba — e, pelo menos o mangá, chega por aqui em breve.
Para melhorar, Oshi no Ko é uma daquelas histórias que faz por merecer o sucesso que tem, então, como fã, fico feliz com o reconhecimento que ela alcançou.
Na trama, acompanhamos a vida de Aqua e Ruby, irmãos gêmeos que reencarnaram como filhos da idol que eles mesmos adoravam. O primeiro episódio do animê foi calculado perfeitamente para ser lançado como foi — ele tem quase 1 hora e meia de duração —, adaptando até o grande momento de impacto do fim do primeiro volume do mangá, que vira o motivador de todo o roteiro que vem após isso: o grande plano de Aqua para se vingar pelo o que aconteceu com Ai Hoshino.
Depois da morte de sua mãe e idol, o protagonista decide entrar para o mundo do entretenimento com o objetivo descobrir quem é seu pai e se vingar dele, já que tudo aponta que ele seja o responsável não só pela morte de Ai, mas também pela sua própria morte na vida passada. Para realizar seu plano, Aqua decide entrar em contato com o máximo de pessoas possíveis na indústria para descobrir algo.
Apesar de suas investidas iniciais serem algo mais “low profile“, Aqua logo agarra a oportunidade que lhe aparece de participar de um dorama a convite de Kana Arima, com quem ele atuou em um filme durante a infância. Os contatos que consegue criar durante a produção do dorama levam Aqua a entrar em um reality show de romance — claro, tudo em troca de informações sobre o passado de Ai.
Concomitante aos planejamentos quase malignos de Aqua, sua irmã Ruby também está começando sua carreira rumo ao estrelato. Com objetivos, aparentemente, bem mais puros, Ruby sonha em ser uma estrela como sua mãe e, durante a série, acompanhamos os passos dela para realizar seu sonho.
Contudo, apesar das tramas de vingança e idols como motes principais, o grande propósito real de Oshi no Ko é criticar a indústria de entretenimento japonesa. E o animê fez questão de deixar bem claro essa proposta, principalmente nos episódios que sobre o reality show.
Esses episódios, inclusive, geraram uma grande polêmica por causa da semelhança com o caso de Hana Kimura em Terrace House, que se suicidou devido ao cyberbullying sofrido após a participação — na série, é a personagem Akane Kurokawa que parece fazer referência ao caso. Até mesmo a mãe de Hana Kimura acabou criticando a animação por isso, gerando mais ataques online, algo que, irônica e infelizmente, acaba esbarrando justamente no que o animê critica.
Em outros arcos adaptados, a crítica à indústria também está presente. O próprio assassinato ao fim primeiro episódio é uma forte demonstração de como a cultura de fãs de idol acaba tendo um lado muito doentio e, claro, isso também é pautado na realidade, como foi o caso de Mayu Tomita, esfaqueada por um fã obcecado. Esse comportamento doentio dos fãs é refletido durante toda a série, com o impacto inicial mais forte do assassinato e sempre deixando claro o quão tóxicas as reações na internet podem ser.
Inclusive, foi justamente ao tratar sobre esse tipo de situação que a adaptação para animê brilhou, já que foi onde a produção decidiu liberar sua criatividade. Na maior parte dos momentos em que as opiniões (e ofensas) do público eram mostradas, a série se deixou levar e inseriu vários elementos visuais que ajudaram a aprimorar a narrativa, criando cenas de tensão bem reais, principalmente no episódio 6.
No entanto, apesar de ter alguns pontos de destaque, no geral o animê de Oshi no Ko não abraçou o bastante o seu potencial criativo. Na maior parte do tempo, a animação é fiel até demais ao mangá. Isso incomoda principalmente no primeiro arco do animê, quando é gravado um dorama.
Por tentar se apoiar demais apenas história e não conseguir transpor o impacto das cenas, essa parte ficou um tanto crua demais. Para piorar, esse arco acontece logo após o primeiro episódio que, querendo ou não, foi o ponto alto de toda a primeira temporada — tanto que muita gente ao vê-lo acabou o considerando como um dos melhores primeiros episódios de animê já feitos.
A questão da criatividade melhora bastante na segunda metade da adaptação, porém ainda houve alguns momentos claros em que facilmente a produção poderia ser mais inspirada. Acho que isso pesa principalmente quando ocorrem explicações mais, digamos, técnicas de como a indústria de entretenimento funciona.
No animê, nessas cenas, o foco quase sempre é em mostrar os personagens conversando sobre as entrelinhas, sendo que claramente caberia algo mais visual para representar a explicação. Não só tornaria tudo mais fácil de entender, mas também deixaria as coisas mais atrativas para o público.
Outro lado triste da adaptação de Oshi no Ko é que algumas cenas de impacto não foram muito bem transportadas para a mídia animada. Isso foi algo que parei para pensar principalmente quando estava assistindo ao último episódio, durante a cena do show do grupo B-Komachi.
Apesar de, claro, o foco na música ser importante em um animê como esse, uma cena durante o show simplesmente não pareceu que era para ser uma cena de impacto — e o momento é uma grande revelação e aceitação dos sentimentos de Kana por Aqua. Esse problema não é tão geral dentro da série, mas aconteceu algumas outras vezes além desse no episódio final.
Felizmente, com exceção da passagem citada acima, o show do B-Komachi foi digno como clímax da primeira temporada. Abraçar o tom mais “leve” da obra acaba sendo algo interessante quando pensamos na progressão do primeiro episódio até esse momento. Claro, é uma questão narrativa que existe apenas dentro do animê, mas acabou sendo bem feita, ainda mais que paralelos com o episódio inicial foram traçados no último.
Ainda no assunto do show, um ponto que vale a pena destacar é o cuidado do animê com a parte musical. A série foi além das canções do B-Komachi e até mesmo deu uma música original para Kana, que apenas é citada brevemente no mangá. Isso sem falar de todo o trabalho de divulgação da abertura e a qualidade do encerramento, feitos exclusivamente para o animê. A animação da série, inclusive, se destacou muito nesses momentos das apresentações musicais, sendo o grande destaque nesse quesito — algo não ficou só por aí, já que a obra mantém um padrão do início ao fim.
Clipe de “Full Moon…!”, música original de Kana Arima que é cantada pela seiyuu Megumi Han.
Mesmo não aproveitando tanto o potencial de aprimorar a obra original, Oshi no Ko ainda é excelente. A história original consegue criar um cenário perfeito para prender qualquer um do início ao fim, mesclando perfeitamente o mistério em torno da vingança de Aqua com as críticas à indústria de entretenimento que o animê se alicerça.
As cenas de comédia características do autor Aka Akasaka também estão presentes, mesmo que em menor quantidade que Kaguya-sama, e o animê conseguiu fazer um bom trabalho em torná-las bem naturais dentro do contexto do roteiro, mantendo a seriedade em sincronia com o humor. A série também tem um ótimo trabalho com os personagens, aproveitando ao máximo desde os principais até os mais secundários possíveis.
Com a segunda temporada já anunciada, minhas esperanças para uma melhora na produção geral são altas, porém, mesmo que o animê mantenha um nível semelhante ao da primeira temporada, ainda não vejo muito com o que se preocupar porque é uma história que consegue se carregar praticamente sozinha. A produção em si, no geral, também não é ruim. É mais uma questão do que poderia ser, mas o que ela é de fato ainda é bastante competente.
No fim das contas, Oshi no Ko tem tudo para ser um dos melhores animês de 2023 e, caso mantenha o nível na segunda temporada, tem tudo para entregar algo acima de excelente, pois o material original do próximo arco a ser animado é o ponto mais alto da obra até agora. E, desde que tudo seja feito bonitinho em uma série que já é ótima como um todo, não tem como dar errado.
Oshi no Ko não está disponível oficialmente no Brasil, mas o HIDIVE disponibiliza legendas oficiais em português para a série. O mangá será publicado por aqui pela editora Panini a partir de setembro, garanta o primeiro volume aqui.
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Eu gostaria muito de curtir Oshi no Ko. Gostei do primeiro episódio e dos últimos, que realmente focaram na formação do B Komachi e no seu primeiro show. O problema são os episódios que estão no meio deles: Boa parte deles (exceto o episódio 6) são episódios do Aqua sendo muito “frio e calculista” e indo atrás de vingança. A “denúncia da obra sobre como a indústria de entretenimento japonesa é nociva” fica em segundo plano. E até a Ruby, que seria teoricamente a segunda protagonista fica de lado, enquanto temos que aguentar uma versão de alto orçamento do Ayanokoji do Classroom of Elite. A sorte é que o anime possui um bom elenco. A Kana Arima roubou boa parte das cenas. Akane, com todo o sofrimento que passou no episódio 6, também teve destaque. Para uma segunda temporada eu sinceramente de ver mais dos bastidores do entretenimento do que ver o Aqua sendo muito “frio e calculadora”. Aliás, vale mencionar a boa animação por parte da Doga Kobo, que foi digna o suficiente para a obra. O anime é bom, mas não é o melhor da temporada. Pelo menos deu certo o suficiente para garantir nova temporada.
Fala camarada!
Assisti os 11 episódios de “Oshi no Ko” e achei bem interessante.
Trata-se suma versão anime shounen de “Perfect Blue”, no que tange ao debate da indústria do entretenimento. Recomendo que você assista esse filme, inclusive, caso não tenha visto.
Você perceberá que 20 anos atrás o assunto já tava dado: já era realidade os perigos de se entregar de corpo e alma a essa máquina de moer gente que vende ilusões aos que consomem esse tipo de entretenimento e que quem quer trilhar por esse caminho já tem que saber que o mar de rosas é uma ilusão tremenda. Não raro, muitos desses simulacros de artistas adoecem e o índice de suicídios é grande no meio, exatamente como foi magistralmente mostrado no episódio 6 de “Oshi no Ko”. Neste caso específico, a tragédia só não se consumou porque Aquamarine chegou no momento exato.
Embora eu não saiba como será daqui pra frente (embora já dê pra fazer ideia do que virá), “Oshi no Ko” já teve algumas das tragédias que “Perfect Blue” também mostra, no que respeita ao impacto que a fama gera e como é difícil lidar com isso se não há estrutura emocional e social estabelecida.
Como você colocou, há outras questões paralelas, como essa personalidade sombria de Aqua (“herdada” do médico Goro, que sempre foi um homem fleumático, embora estivesse um pouco mais “humanizado” ao se tornar fã de Ai Hoshino e cuidar de sua gravidez). A maneira quase onipresente como ele é colocado nas situações faz lembrar o que foi descrito no comentário anterior escrito por João Herbert, quando ele fala de Ayanokoji Kiyotaka, do excelente “Classroom of the elite”. Embora faça sentido com a personalidade de Aqua (que é um homem adulto encarnado numa criança sem ter perdido as memórias pretéritas, subvertendo o que se dá segundo as doutrinas espiritualistas), em alguns momentos essa postura gelada com aquele olhar vidrado de estrela sombria contrasta com situações em que ele cede às evidências e não se põe de forma tão iracunda, o que sugere que é algo forçado como quem quer “manter a fama de mau”, como diria o saudoso Erasmo Carlos.
Sobre Ruby, achei uma ótima sacada dos autores tirarem dela um protagonismo que seria óbvio. É Arima Kana a líder vocal e front girl do grupo, que é um remake do finado grupo de Ai Hoshino, mãe de Ruby. A sacada foi pensada porque acontece com muitos grupos nesse estilo: nem sempre o galã ou a gata da turma é quem realmente carrega musicalmente esses grupos, às vezes é a(o) menos bonitinha(o) quem realmente canta ou toca alguma coisa nessas situações. Lembrando que Ruby seria a mais gatinha das três, exatamente como a mãe era, e é a mais avoada, também exatamente como a mãe era…
E sua impressão do primeiro episódio (aliás, sua e de 99% de quem assistiu) se deve pelo formato de filme-piloto, isto é, “o filme que deu origem à série”, ainda que tenha sido um formato reduzido se compararmos com filmes de fato. Boa parte dos grandes seriados, minisséries e outros que tiveram esse recurso foram aprovados com louvor e se desenrolaram muito bem.
Enfim bicho, espero que “Oshi no Ko” mantenha o alto nível na próxima temporada e que não repita o fiasco de “The promised Neverland”, que teve uma primeira temp PERFEITA e uma segunda ASQUEROSA. Vamos ver que bicho vai dar!
E assista “Perfect Blue”, que creio que vale até resenha aqui no site.
Abraços fraternos, companheiro! Salaam aleikum!!!
Obrigado pelo comentário. Gosto dos pontos que você colocou, principalmente sobre como usar o protagonismo que, normalmente seria da Ruby.
Sobre Perfect Blue: não só vi, como é meu filme favorito no geral, então entendo o apelo.