Todo mundo (ou pelo menos a maioria das pessoas) já se apaixonou por alguém. Dizem que quando alguém está acometido pela paixão essa pessoa fica sonhando acordada, mas também é verdade que o sentimento traz consigo uma carga de ansiedade e uma pergunta que nunca cala: será que meu amor vai ser correspondido?
Se o apaixonado for um adolescente, então… Parece que é o fim do mundo e que, caso o sentimento não seja correspondido, o apaixonado pode até mesmo morrer de amor.
Esse comum e também inexplicável sentimento da paixão, bem como os anseios dos apaixonados, é justamente o tema do mangá Mortos de Amor, de Junji Ito, lançado este ano pela editora Pipoca e Nanquim com a tradução de Drik Sada.
Publicado pela primeira vez em 1996 em formato periódico na revista Nemuki, o mangá é uma história composta por quatro capítulos principais e um extra — lançado em 2001 na mesma revista.
A trama tem como protagonista o adolescente Ryusuke, que acaba de se mudar com a família de volta para sua cidade natal, a nublada Nazumi. Os moradores dessa cidade, onde frequentemente um denso nevoeiro se concentra, mantêm vivo um antigo costume: ler a sorte em uma encruzilhada. A leitura mais requisitada é, obviamente, sobre a sorte no amor.
Entretanto, a situação ganha contornos difíceis de enxergar quando um belo garoto vestido de preto começa a percorrer as encruzilhadas dizendo palavras horríveis a quem encontra. Começa assim um verdadeiro massacre em Nazumi, pois as garotas que tiveram sua sorte lida pelo Garoto da Encruzilhada se suicidam uma após a outra.
Mortos de Amor é uma história bacana de se acompanhar. A narrativa constrói um mistério que funciona e convence, deixando o leitor curioso para saber quem é o garoto vestido de preto e qual a relação dele com Ryusuke. Ao mesmo tempo, existe muito claramente um elemento sobrenatural tanto na existência do Garoto da Encruzilhada quanto no efeito que as palavras dele têm naquelas garotas que cruzam com ele.
Os capítulos, juntos, funcionam meio que como uma cebola. Cada capítulo tem uma “história interna” focada em alguma personagem que se aproximou de Ryusuke, mas que, ao mesmo tempo, auxilia na construção do mistério maior: quem é o garoto de preto das encruzilhadas?
A cada capítulo, também, o embate entre o protagonista e o garoto de preto se estreita. Com o passar das páginas, o leitor começa a desejar cada vez mais um encontro e um confronto direto entre essas duas personagens.
Se por um lado, existe um elemento repetitivo na história — você sabe que a pessoa sobre a qual o capítulo trata já encontrou ou vai encontrar com o garoto de preto e que, portanto, ela vai cometer suicídio —, por outro, Junji Ito consegue colocar umas camadas a mais e enganar o próprio protagonista e tentar também enganar leitores no processo. Assim, mesmo que você saiba que até o fim do capítulo uma pessoa vai cometer suicídio, a jornada até o suicídio dela não é tão previsível e tem ali algo para se acompanhar.
Em relação à arte de Ito, elogiá-la talvez seja chover no molhado. Provavelmente, grande parte do sucesso do mangaká está diretamente atrelado aos seus desenhos, muito mais do que às histórias em si. Ele é ótimo em desenhar “coisas feias” e grotescas.
As expressões faciais encovadas das personagens possuídas, à beira da loucura ou adoecidas; as páginas completas de uma criatura assustadora; a imagem pavorosa de um cadáver coberto de sangue; enfim, são muitos quadros interessantes de se observar e que, por vezes, até mesmo carregam completamente a narrativa.
Uma característica interessante dos quadrinhos do Junji Ito é que o autor parece realmente tentar “fazer horror”. Quer ele tenha êxito ou não, é perceptível a tentativa de construir uma história pautada nos signos de horror e não de algo que amedronte simplesmente. De fato, às vezes até mesmo falta susto. Não causa medo, porque talvez o autor queira justamente que a obra seja lida e não que ela faça alguém gritar de tempos em tempos. Pelo menos no plano visual, existe um trabalho que pode ser bacana olhar com um pouco de atenção.
Nesse sentido, Mortos de Amor não é diferente. Ela não é amedrontadora, mas o mistério é interessante o bastante para te manter ali até o último capítulo. O final, por sua vez, tem uma certa dualidade. Existe um elemento que acaba amarrando toda a história e outro que acaba sendo meio “é, não tinha muito como ser diferente”. Ainda assim, pode-se dizer que o mistério cumpre a função de entreter quem está lendo.
Já no que diz ao volume do mangá, fisicamente falando, a editora faz uma escolha curiosa. A versão brasileira é baseada na edição japonesa de 2011 composta por mais cinco outros contos de Junji Ito, que nada têm a ver com a história que dá título ao volume.
A edição compila, portanto, seis histórias, somando dez capítulos; ou seja, na metade do volume você já terminou de ler a “história principal” — estar na metade do volume, tendo já lido uma história longa, acaba dando a sensação de que o volume nunca acaba.
Embora duas das outras narrativas — “A mulher das costelas” e “Os bizarros irmãos Hikizuri: O namorado da filha do meio” — sejam bem legais, é um pouco difícil se livrar da sensação de que você já leu um monte e esse mangá não chega ao fim.
A estrutura dessa compilação acaba fazendo com que o “tom” da edição mude. Você começa a ler uma história única, ela termina, caem mais cinco histórias novas no seu colo e o seu cérebro precisa recalcular a rota, porque agora o volume não é mais uma compilação dos capítulos da narrativa que você estava lendo, mas sim de várias histórias diferentes.
Esse comentário não é especificamente uma crítica à edição da Pipoca e Nanquim, bem bonita por sinal, mas sim uma reflexão de que esse tipo de volume pode funcionar muito bem para um fã apaixonado do Junji Ito — provavelmente o público no qual tanto a editora brasileira quanto a japonesa miraram —, mas não funciona tão bem para alguém que não tem tanta sede de ler várias coisas do autor de uma vez.
Ainda assim, esse detalhe por si só não é o suficiente para estragar a experiência de leitura, então, caso Mortos de Amor tenha conseguido fisgar seu coração, a estrutura do volume acaba ficando em segundo plano.
No geral, o mangá é um mistério competente o bastante para entreter o leitor e fazê-lo se perguntar: quem é esse garoto de preto e por que suas palavras em vez de apenas derramar lágrimas fazem sangue jorrar das gargantas?
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Essa resenha foi feita com base em edição cedida como material de divulgação para a imprensa pela editora Pipoca & Nanquim.
O texto presente nesta resenha é de responsabilidade de seu autor e não reflete necessariamente a opinião do site JBox.
Ótima resenha e belas fotos também. Mortos de Amor é uma das minha histórias favoritas do Ito.