O animê de Jujutsu Kaisen é tão bom! Parece ser daqueles produtos da cultura pop que surgem a cada quantidade X de anos e movimentam todo um imaginário no público que o consome e na indústria que faz parte. Tenho a impressão de que há um esforço enorme por parte de todos os envolvidos na produção para que o resultado final seja de pura excelência, estética e narrativa.
Claro, não é um desenho animado perfeito. As comparações dos clichês da história com os de outras obras shounen são pertinentes. Tem o protagonista animado de cabelo desarrumado com um poder descomunal que vem do mal, o amigo/rival soturno naturalmente talentoso, a companheira tsundere, o mentor cujas habilidades setam muito ao redor. É um “Naruto tunado”, sem sombra de dúvidas. Assim como Chainsaw Man pode ser visto como um “Jujutsu Kaisen tunado”, e isso passa longe de ser uma crítica negativa. Ocorre que, tanto Jujutsu, quanto Chainsaw, têm isso de elaborarem de modo elevado o que outros autores já fizeram antes.
A partir do lançamento do animê, em 2020, Jujutsu tornou-se um fenômeno ainda maior do que já era quando tal história era apenas serializada em mangá. A animação (leia a crítica aqui) foi um dos grandes destaques de suas duas respectivas temporadas de exibição.
O filme, Jujutsu Kaisen 0, lançado no ano seguinte, que chegou ao Brasil no ano passado, trouxe uma etapa anterior do enredo, com um nível de cuidado técnico ainda maior nas cenas (leia a crítica aqui). E agora, já está rolando a segunda temporada da série animada, que antes de tocar a história para frente, mostrou um período ainda prévio às aventuras que vimos em ambas as mídias.
Complicado? Não muito, na real.
Ficha técnica: Jujutsu Kaisen adapta o mangá de mesmo nome de Gege Akutami, lançado nacionalmente pela editora Panini, que sai no Japão na revista Shonen Jump, da editora Shueisha, desde 2018. A segunda temporada segue produzida pelo estúdio Mappa, mas a direção deixa de ser do sul-coreano Park Seong-Hu (o mesmo de The God of High School) e passa a ser do Shouta Goshozono, que já havia trabalhado em alguns episódios da primeira temporada da série. A transmissão é feita simultaneamente ao Japão aqui no Brasil pela Crunchyroll, com dublagem em português pelo estúdio Som de Vera Cruz adicionados com duas semanas de delay aos de áudio original.
Na trama, um moleque chamado Yuji Itadori, membro de um clube de ocultismo em sua escola, engole um dedo de um famoso espírito amaldiçoado, o lendário Ryoumen Sukuna, e se transforma num hospedeiro para seus poderes. Por consequência, ele acaba sendo recrutado por um colégio de feiticeiros para caçar e comer os outros dedos da criatura, enfrentando ameaças sobrenaturais com seus novos colegas de classe, Megumi Fushiguro e Nobara Kugisaki, e um professor misteriosamente poderoso, Satoru Gojo.
Durante a primeira temporada, é mencionado um estudante veterano à turma de Itadori, o Yuta Okkotsu, um feiticeiro jujutsu de nível especial que está em uma missão no exterior. No filme 0, temos então a história de como esse estudante foi recrutado pelo Gojo para a escola.
E também na primeira temporada, e no filme, conhecemos um dos principais vilões da trama, Suguru Geto, ex-colega de classe de Gojo. Para a primeira parte da segunda temporada, a história retorna ainda mais ao passado, recobrando o tempo em que os dois eram adolescentes na escola. Nos quatro primeiros episódios, nomeados como “Inventário oculto”, e no quinto, “Morte prematura”, acompanhamos a missão que foi decisiva nos destinos de ambos.
No mundo de Jujutsu, há um imortal poderosíssimo chamado Tengen, que basicamente mantém o universo nos eixos no que diz respeito ao equilíbrio entre a humanidade e as maldições. Porém, para que ele continue vivo, de tempos em tempos é necessário utilizar uma pessoa compatível, a Hospedeira do Plasma Estelar, para ele assimilar em um sacrifício. A da vez é Amanai Riko, uma jovem que está ainda no Ensino Fundamental e foi criada justamente para esse destino fatal.
Aproximando-se da data do sacrifício, Gojo e Geto são escolhidos como guarda-costas para Riko. A identidade da menina foi descoberta e vazada, de modo que, para impedir que Tengen a utilize como receptáculo e isso coloque o mundo em desequilíbrio, é de interesse das Maldições assassinar a menina antes do ritual. Para isso, são enviados matadores de aluguel e demais indivíduos com esse intuito, principalmente ligados a uma seita de não-feiticeiros que enxerga Tengen como uma divindade.
Ao longo dos episódios, acompanhamos Riko vivendo seus últimos dias de vida do melhor jeito possível, tendo os últimos momentos de felicidade proporcionados por Gojo e Geto, que criam um laço de amizade com a garota. O desfecho, que todos já sabiam que, de um jeito ou de outro, seria trágico, acaba se tornando bem pior do que se imaginava.
Inventário oculto / Morte prematura é uma adição interessante ao enredo todo, pois apresenta dois desenvolvimentos de personagens engatilhados pela frieza burocrática retratada ali. Gojo, que no “presente” do animê é um poço de carisma e uma espécie de “farol moral” para nós, espectadores, na verdade, detinha quando mais novo um lado bastante sombrio. Era egoísta, soberbo, por saber ser bem mais poderoso que praticamente qualquer um no planeta, colocava-se num pedestal que menosprezava os outros ao redor.
Já Geto, quando mais jovem, é retratado como um feiticeiro também muito poderoso, mas com mais pé no chão que Gojo. É uma espécie de antítese ao personagem, que deixa as coisas em equilíbrio. Até que acontece o que acontece com Riko e, a partir disso, ele é corrompido, e decide entrar num caminho violento que mudará o curso daquela sociedade.
Para além desses estudos de personagem, também é interessante observar como o roteiro adapta para esse universo um comportamento que é bastante presente na sociedade japonesa. Culturalmente, há no Japão uma noção de que é mais importante agir pela sociedade, pelo conjunto, coletivo, do que pelo individual. De modo que focar em si pode ser visto como egoísmo por outras pessoas.
O arco da Riko parece representar essa ideia. Ela foi criada para ser alguém que, por uma causa maior, irá morrer. Caso ela abdique de sua obrigação, toda a sociedade entrará em colapso. E todas as máquinas sociais ao redor agem de modo a desumanizá-la, a transformá-la numa ferramenta (ou para que o status quo seja mantido a partir de seu sacrifício, ou para que esse status quo seja quebrado através, também, de seu sacrifício). Isso dá à trama um ar de “eu contra o sistema” que deixa o resultado bastante agridoce. Não à toa, Gojo e Geto têm seus destinos modificados ali.
São cinco episódios sensacionais, com uma animação tão bem apurada quanto a da primeira temporada, que abrem a vista a respeito das motivações por trás dos atos desses dois personagens. Jujutsu Kaisen segue excelente a cada novo lançamento. Demora para sair, mas é uma espera que vale a pena.
Jujutsu Kaisen é exibido pela Crunchyroll com legendas em português de forma simultânea com o calendário japonês, com dublagem expressa chegando ao serviço. A empresa fornece ao JBox um acesso à plataforma.
O texto presente nesta resenha é de responsabilidade de seu autor e não reflete necessariamente a opinião do site JBox.
Deixe um comentário